Autores de assassinatos estão impunes devido a uma questão burocrática: a demora na conclusão de perícias. Não há números sobre o volume de investigações ou processos que estão parados, mas a situação pode ser exemplificada por histórias como a do assassinato de Antônio de Oliveira Hoffmann, 51 anos, e de Vanessa Dutra, 16, em dezembro do ano passado, no bairro Fátima Baixo.O autor já foi identificado, mas não pode ser preso porque a prova necessária parou na interminável fila do Instituto-Geral de Perícias (IGP). A explicação, mais uma vez, é a falta de efetivo para emitir laudos. Outros casos também estão parados em Caxias e delegacias da região.
Responsável pela Delegacia de Homicídios e Desaparecidos (DHD) de Caxias, o delegado Rodrigo Kegler Duarte tem convicção da autoria do duplo homicídio no Fátima Baixo. Em março, um mandado de busca resultou na apreensão de uma arma de calibre compatível ao crime na casa do atirador. Entretanto, a demora da perícia de balística, que comprovaria que a arma foi usada no crime, emperra um pedido de prisão e compromete o andamento do caso no judiciário.
– Não podemos fazer nada. É preciso cobrar o IGP. Tenho inquéritos de mais de ano esperando por resposta de balística. O mais antigo em aberto na delegacia, que é de 2013, está nesta situação. Se desse positivo, como acho que vai dar, o caso estaria resolvido – afirma o delegado Duarte.
Prova primordial em casos de homicídios, a balística consiste na comparação de projéteis e estojos de munição para determinar qual arma os deflagrou. No Rio Grande do Sul, a análise só é feita na sede do IGP, em Porto Alegre. Com poucos servidores e demanda de todo Estado, os pedidos de perícias ficam acumulados enquanto os familiares das vítimas clamam por ações contra os criminosos, caso da família Hoffmann.
– Esperamos por justiça e até agora nada. Ninguém nos fala nada. Duas pessoas inocentes morreram e não sabemos o por quê. É algo que machuca a minha família. Todos os dias acordamos e pensamos: será que é hoje? Sabemos que ele (Hoffmann) não vai voltar, mas queremos justiça – afirma Clair Hoffmann, 50 anos, irmã caçula da vítima.
Antônio seria o alvo do ataque ocorrido em 18 de dezembro do ano passado. Ele foi encontrado morto com cinco tiros em um Idea vermelho. Ao lado dele, estava o corpo de Vanessa Dutra, 16, que trabalhava na casa noturna de Antônio no bairro São José. A adolescente havia pego uma carona e foi executada com um tiro na cabeça.
– São nove meses de muita tristeza e revolta. Meu irmão (Hoffmann) era uma pessoa amada, conhecida na comunidade, que trabalhou como radialista e ajudou muitas pessoas. O filho dele tem 10 anos e chora de saudade – lamenta Nair Hoffman, 56, outra irmã.
Perícia comprovaria mandante de quatro mortes
Outra investigação da Delegacia de Homicídios e Desaparecidos de Caxias que aguarda pelo resultado de balísticas remete a José Iram Pereira, 35, apontado como mandante de quatro assassinatos em Caxias. A Polícia Civil apresenta Pereira como uma liderança em uma antiga disputa pelo controle do tráfico de drogas no bairro Montes Claros, na Zona Sul.
Um dos crimes atribuídos a Pereira é a morte de Felipe Alexandre Gonçalves Guedes, 12, ocorrida em fevereiro. O crime teria sido executado por Gleidson Ramos, 20. Pereira e Ramos estão foragidos.
Investigação travou há quase três anos
A investigação mais antiga à espera da conclusão de perícia na Delegacia de Homicídios e Desaparecidos de Caxias é sobre a morte de Micael dos Santos Amaral, 18. O rapaz foi executado numa residência do bairro Planalto Rio Branco, no dia 1º de dezembro de 2013. Suspeitos do crime foram presos no dia seguinte com cinco armas de fogo no bairro Vila Amélia. Até agora, o resultado do exame que indicaria de qual arma partiu os disparos não foi remetido à polícia.
Demora na reconstituição impede julgamento de caso em São Marcos
Um dos casos mais rumorosos de São Marcos também emperrou: o assassinato de Adrian Bardini Oss Emer, 19. Às vésperas do júri, marcado para novembro de 2013, a defesa de Carlos Alberto Silva de Jesus, acusado pelo crime, solicitou a reconstituição do caso. A reprodução simulada da morte só aconteceu na semana passada. Foram três anos de espera e sofrimento para os familiares.
Emer foi espancado durante uma tradicional festa à fantasia na Associação dos Motoristas São Marquenses. Mais de mil pessoas participavam do evento na madrugada de 13 de setembro de 2009, quando Jesus desferiu golpes de jiu-jitsu em Emer. O rapaz morreu dias depois num hospital. O réu, que responde em liberdade, foi denunciado por homicídio triplamente qualificado – motivo fútil, meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima.
– São sete anos, mas a dor ainda não diminuiu. A gente está sempre nervoso. É uma angústia. Será que vão marcar (a perícia) hoje? Amanhã? Mês que vem? Não tem como explicar. Queremos ver a Justiça, mas não temos respostas. O meu filho nunca foi de arrumar confusão. Até hoje não entendo o que aconteceu. Sinceramente, a ficha não cai – lamenta a mãe, Ivete Bardini Emer, 56.
Quem acompanha o sofrimento da família e tenta explicar a falta de respostas é o advogado assistente de acusação, Airton Barbosa de Almeida.
– Compreendemos o direito de defesa, mas a questão são estes três anos de demora para realização de uma prova. A cada 30 dias, durante três anos, tive que responder aos familiares que não havia novidades. Que ainda não havia uma data para a reconstituição. É uma vergonha. A mãe da vítima fica exposta e constantemente revivendo este sofrimento – lamenta.
O advogado Ivandro Bitencourt Feijó assumiu a defesa de Jesus há menos de dois meses e ainda não esboçou a tese. Um dos fatores necessários é, justamente, o resultado dessa perícia. Por isso, Feijó ressalta a importância da reprodução dos fatos para melhor entendimento dos jurados sobre o fato.
– O acusado também sofre. A primeira punição do processo é o próprio processo. Ele não aceita essa situação e quer uma resolução. Três anos para a realização de uma prova é inadmissível – resume Feijó.
IGP acumula 20 mil perícias pendentes
A demora na entrega de resultados é explicada pelo IGP pela falta de recursos humanos. De acordo com Marco Curcio, diretor do Departamento de Perícias do Interior, a instituição tem apenas 37% do quadro necessário disponível. O resultado são aproximadamente 20 mil perícias pendentes.
– Para a reprodução simulada dos fatos, há somente dois colegas altamente especializados que realizam exames em todo o Estado. Por isso, um caso pode levar anos. É a falta absoluta de profissionais – aponta o diretor.
Sobre o tempo médio de realização de uma perícia, Curcio afirma que depende da prioridade, afinal muitas requisições possuem prazo judicial que o departamento precisa cumprir. Contudo, ele diz que a estrutura tem melhorado no interior graças a convênios e a situação pode melhorar a com a construção do novo prédio do IGP, na Capital.
Recentemente, o governo gaúcho autorizou a realização de concurso para preencher 106 vagas no IGP, o que deve amenizar a falta de funcionários e reduzir a fila de espera de perícias.
Investigação
Burocracia atrasa perícias e amplia dor de familiares de vítimas de assassinatos em Caxias
Explicação do Instituto-Geral de Perícias (IGP) é de que falta efetivo para emitir laudos
Leonardo Lopes
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