A crescente sensação de insegurança que toma conta dos gaúchos também aparece refletida em dados estatísticos. Entre os anos de 2004 e 2014, o Rio Grande do Sul foi o estado que teve o maior aumento no número de mortes por armas de fogo da região Sul e Sudeste. Foi um crescimento de 43,3% neste tipo de crime, ficando à frente de Santa Catarina, com aumento de 30%, e Espírito Santo, com 8,6%. Na contramão, Rio de Janeiro e São Paulo registraram quedas nos índices superiores aos 40%.
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Os dados compõem o Mapa da Violência 2016 – Homicídios por Armas de Fogo no Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), sob coordenação do sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz. Divulgado nesta quinta-feira, o estudo mostra que em 2004 foram registradas 1432 mortes por armas de fogo no Estado. Já em 2014, o número chegou a 2052.
Isso significa que, a cada 100 mil gaúchos, 13,5 morriam por armas de fogo em 2004. Já em 2014, o número subiu para 18,7 mortes por 100 mil habitantes. Uma das cidades que mais colabora para este dado é Alvorada, na Região Metropolitana. A cidade ocupa a 60ª posição entre as 150 cidades com as taxas mais altas por esse tipo de crime no país. Em 2014, foram 132 mortes por cada 100 mil/hab.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública Estadual aponta que "reconhece a seriedade do estudo e a situação de agravamento do índice de mortes por uso de arma de fogo no RS nos últimos anos", ainda que o período analisado seja anterior à atual gestão. O documento aponta que o órgão tem "plena consciência de que a situação exige ações em curto, médio e longo prazo. Em curto e médio prazo, elas estão previstas na segunda fase do Plano Estadual de Segurança Pública". Já em longo prazo, de acordo com a nota da SSP , "faz-se necessário o trabalho em parceria com outros setores. Iniciativas como o Programa POD/BID, coordenado pela SJDH, são fundamentais para que seja possível reverter esse quadro" (veja a nota completa abaixo).
O ex-secretário de Segurança do Estado Airton Michels, que ocupou o cargo de 2011 a 2014, atribui o aumento da criminalidade apontado pelo estudo a alguns fatores. Um deles é o histórico de descuido com a questão prisional. Conforme Michels, o número de vagas criadas em prisões foi muito baixo ao longo dos últimos anos:
– Dessa forma, por mais esforços que façam os brigadianos, o resultado não é suficiente. Conseguimos criar mais vagas, porém nenhum Estado resolve a questão histórica de falta de investimento na segurança em quatro anos – destacou.
É o que defende também Eduardo Pazinato, coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Conforme o especialista, o aumento da violência se dá também pelo acirramento das disputas territoriais pelo mercado ilícito, que são coordenadas principalmente a partir do sistema prisional:
– Temos uma porosidade nefasta entre o sistema prisional e a criminalidade de rua. Muitos dos crimes que ocorrem são operados a partir das prisões, a partir do poderio de armas de fogo, do mercado ilícito das drogas e outras mercadorias ilegais. Este é um problema do Estado, mas também do país todo.
Pazinato aponta também o fato de o Rio Grande do Sul ser um dos maiores produtores de armas de fogo do mundo, o que facilita o aumento da circulação dos armamentos:
– E, aqui, temos junto uma questão cultural do gaúcho, que associa o emprego de armas de fogo como um elemento fundamental para a defesa da cidadania. Os estudos, entretanto, apontam exatamente o oposto, que as armas acabam sendo utilizadas para outros fins que não o de defesa pessoal, mas sim potencializando a violência.
Estratégias de combate à violência
Conforme os dados que compõem o Mapa da Violência 2016, Rio de Janeiro e São Paulo foram os Estados da Região Sul e Sudeste com as maiores quedas nas taxas de mortalidade por armas de fogo, -42,2% e -53,7%, respectivamente.
Segundo Pazinato, isso se deve principalmente às políticas estaduais de controle dos homicídios criadas nos últimos anos, que compõe iniciativas como repressão e controle qualificado, investimentos no fortalecimento das estratégias de policiamento comunitário, entre outros.
– O Rio Grande do Sul tem historicamente um conjunto de projetos nesta área que vêm sendo desenvolvidos por diferentes gestões, mas falta ainda uma estrutura mais integrada, com diagnósticos da violência mais precisos e investimentos no campo da gestão da informação – destaca.
Situação é ainda pior no Nordeste
Apesar do aumento nos índices do Rio Grande do Sul, o mapa mostra quem em toda a região Sul e Sudeste, a taxa de mortes por armas de fogo caiu 41,4% entre 2004 e 2014. Já na região nordeste, o índice dobrou. Segundo o estudo, o crescimento do índice na maior parte dos Estados do Nordeste, em um curto período, aconteceu porque os governos tiveram que enfrentar uma pandemia de violência para a qual estavam "pouco e mal preparados".
Controle de armas
Segundo o levantamento, de 1980 até 2014, morreram no Brasil 967.851 vítimas de disparo de arma de fogo. Desse total, 830.420 (85,8%) foram homicídios, enquanto as outras mortes foram por suicídio ou acidente.
Os dados mostram que a evolução da letalidade das armas de fogo não foi homogênea ao longo do tempo. Entre 1980 e 2003, o crescimento dos homicídios por armas de fogo foi sistemático e constante, com um ritmo de 8,1% ao ano. A partir do pico de 36,1 mil mortes em 2003, os números caíram para aproximadamente 34 mil e, depois de 2008, ficam oscilando em torno das 36 mil mortes anuais. Em 2012, aceleraram novamente, subindo para 42,3 mil.
Segundo a publicação, as políticas de controle de armas, como o Estatuto e a Campanha do Desarmamento, iniciado em 2004, podem ter contribuído para explicar essa quebra de ritmo.
O Brasil ocupa, atualmente, a 10ª posição entre os cem países analisados quanto a esse tipo de crime.
Leia a nota da SSP na íntegra:
Mesmo sendo o período analisado anterior à atual gestão, a Secretaria da Segurança Pública reconhece a seriedade do estudo e a situação de agravamento do índice de mortes por uso de arma de fogo no RS nos últimos anos. É importante ressaltar, no entanto, que a realidade não é exclusiva do nosso Estado. Trata-se de um fenômeno que ocorre na grande maioria das unidades da Federação, como aponta o próprio levantamento.
Salientamos os esforços das suas instituições vinculadas no sentido de reduzir a criminalidade em todo o Estado. É importante destacar a rotina diária de retrabalho da Brigada Militar e da Polícia Civil, oriunda da flexibilização das leis penais e pelo cenário de desestruturação social atual. Situação agravada com a profunda crise nacional, que pode ser analisada através dos 12 milhões de desempregados que o Brasil possui atualmente.
Temos plena consciência de que a situação exige ações em curto, médio e longo prazo. Em curto e médio prazo, elas estão previstas na segunda fase do Plano Estadual de Segurança Pública, amplamente noticiado e debatido por ZH.
Em longo prazo, faz-se necessário o trabalho em parceria com outros setores. Iniciativas como o Programa POD/BID, coordenado pela SJDH, são fundamentais para que seja possível reverter esse quadro. O POD/BID atuará diretamente em zonas de descoesão social, com foco em promover políticas direcionadas a crianças e jovens até 24 anos.
As Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (CIPAVEs), projeto de grande e positiva repercussão, também representam um case bem sucedido de como é possível agir na gênese da questão, trabalhando diretamente com a comunidade escolar. Cabe destacar que 40% das ações das CIPAVEs são efetuadas por órgãos da Segurança Pública.
* com informações de agências