O levantamento do número de homicídios contra menores de 18 anos em Caxias do Sul revela que, dos oito casos registrados em 2016, quatro tinham relação direta ou indireta com o narcotráfico, e outros quatro com roubos, desavenças e até ciúmes – como nos assassinatos dos primos Vitor Gois Neves, 14 anos, e Kelvin Arceno Vieira, 15 anos. Na tarde de um sábado, 13 de agosto, eles foram encontrados caídos atrás de um Escort parado às margens de uma estrada de chão, a 100 metros da barragem da Maestra, perto da estrada velha para Flores da Cunha.
A polícia suspeita que eles tenham sido retirados de dentro do veículo da família – que eles mesmo dirigiam –, colocados de joelho e, então, baleados na cabeça. Alunos da 7ª e da 8ª séries, respectivamente, Vitor e Kelvin não tinham antecedentes criminais. A principal linha de investigação aponta que Kelvin foi executado à sangue-frio porque se relacionou com uma menina – ele recebeu ameaças dias antes.
Leia a primeira parte da reportagem:
Homicídios contra jovens disparam e expõem falta de políticas públicas
Outro caso que choca pela banalidade é o de Fernando Giovani Maculan, 17 anos, esfaqueado no final da tarde de 10 de maio, uma terça-feira, próximo a uma parada de ônibus do bairro Lourdes. O motivo? O roubo de um telefone celular. Depois de levar os golpes, Maculan conseguiu pedir socorro a um ônibus que seguia pela Rua Pinheiro Machado, nas cercanias com a Treze de Maio. Levado ao hospital, não resistiu aos ferimentos. Com planos de estudar e empreender, ele teve o sonho despedaçado pela violência, e deixou o filho de dois anos órfão.
– Notamos que cresce a quantidade de jovens sem histórico policial praticando roubos. A maioria que eu abordo se mostra frio e minimiza os delitos – afirma Joigler Paduano, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).
Em 2015, segundo ele, 1,7 mil ocorrências foram encaminhadas à DPCA – 200 a mais do que em 2014. Neste ano, já são 1.060.
Instituições fracas, crime forte
Interromper o ciclo vicioso que tira os jovens das escolas e os coloca no submundo do crime requer, na visão dos especialistas ouvidos pelo Pioneiro, um trabalho intenso junto às famílias, principalmente as desestruturadas; a construção de locais de desenvolvimento humano e intelectual que "falem a língua" deles; a valorização da educação, e o estabelecimento de políticas públicas realmente eficientes. A partir dessas ações coordenadas, é possível, então, pensar em um ambiente social que possa tirar espaço do crime.
– A gente enfrenta o problema de falta de vagas nos ensinos Fundamental e Médio em Caxias. Em 2014, numa audiência pública, expusemos isso à prefeitura, e pouco mudou. Também temos dificuldades de dar prosseguimento aos familiares dos envolvidos com as drogas, pois vários desistem do acompanhamento – lamenta Rosane Formolo, coordenadora do Conselho Tutelar Sul.
No fechamento desta reportagem, ela batalhava para conseguir a transferência de um garoto, dependente químico, para uma fazenda terapêutica por meio de intervenção judicial, já que o município recusou-se a comprar a vaga. Se voltar ao local onde mora, pondera Rosane, ele "será a nona vítima, porque está jurado de morte pelos traficantes".
– Há experiências interessantes, em nível nacional de colégios, abertos nos finais de semana, que poderiam ser aplicadas aqui. O que não devemos é responder simplesmente com instituições absolutamente punitivas, que entregam poucas respostas. Precisamos escutar os desejos deles e construir com base nos anseios. Estudos comprovam que experiências autênticas, como o hip hop, funcionam para afastar a violência. Hoje, porém, elas são mais criação deles do que políticas afirmativas do Estado – argumenta a professora Ana Maria Paim Camardelo.
"Se faz filho, e aí? O Estado assume?"
O secretário de Segurança Pública e Proteção Social em exercício e ex-diretor do Case, Samuel Ávila, argumenta que a Coordenadoria da Juventude já realiza um trabalho com eventos de finais de semana e ações nos bairros:
– Temos a Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipave), que atua junto com a Secretaria Municipal de Educação (Smed) e a Guarda Municipal, dando palestras em colégios. Nos últimos três anos, a violência escolar reduziu em 48%. Contamos ainda com o apoio da Polícia Federal e do 12º BPM. A violência é sempre um fenômeno, quando a gente pensa que encontrou a solução, aparece mais um desafio.
De acordo com Ávila, no entanto, a família tem papel fundamental no futuro desses jovens.
– Quando era diretor do Case, sete entre cada 10 internos não sabiam ou não tinham contato com a figura paterna. Se faz filho, e aí? O Estado assume? A mãe e a avó que se virem? O Estado não tem condições de assumir o papel da família. Todas as ações que pudermos fazer, faremos, mas a família é a grande questão. Nos sentimos impotentes. Uma medida mais enérgica passa por sentar e conversar com as polícias como um todo – defende.