
A música ao vivo já havia sido encerrada, e a festa se aproximava do fim. Cerca de cem pessoas permaneciam no local quando um bando armado chegou atirando a esmo. Em meio ao pânico, a jovem Mônica Pinto Soares, 19 anos, que comprava um lanche, usou o próprio corpo para proteger o filho de dois anos. Próximo a ela, o frentista Cesar Henrique Ferreira Rousselet, 37 anos, que vendia pastéis, foi atingido. Mônica e Cesar morreram no local. Foram as principais vítimas da invasão ao Pagode do Ipe, na Rua Comendador Eduardo Secco, no Bairro Jardim Carvalho, no dia 10 de janeiro. O ataque, na abertura do ano, deixava claro: Porto Alegre se tornou um território em guerra.
Como resultado disso, a cidade registrou aumento de 34,3% nos assassinatos na primeira metade do ano. Enquanto o primeiro semestre do ano demonstrou uma tendência de queda nos assassinatos na maior parte das cidades da Região Metropolitana, na Capital, estes números explodiram. Conforme o levantamento do Diário Gaúcho, pelo menos 407 pessoas foram assassinadas em Porto Alegre entre janeiro e junho deste ano.
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Se, no ano passado, os crimes cometidos em Porto Alegre no primeiro semestre correspondiam a 37,5% de toda a Região Metropolitana, este índice saltou em 2016 para 48,8%. Significa dizer que, em cada dois assassinatos na região, um acontece na Capital. A constatação é de que, se Porto Alegre não fosse considerada no levantamento, as demais 18 cidades analisadas demonstrariam queda de 15,4% nos assassinatos.
ASSASSINATOS NO PRIMEIRO SEMESTRE*:
2011 – 559 mortes (36,1% em Porto Alegre)
2012 – 619 mortes (37,3% em Porto Alegre)
2013 – 605 mortes (35,2% em Porto Alegre)
2014 – 726 mortes (34,5% em Porto Alegre)
2015 – 807 mortes (37,5% em Porto Alegre)
2016 – 833 mortes (48,8% em Porto Alegre)
(*) Números de homicídios e latrocínios
Aquela máxima muito repetida em áreas conflagradas, de que "menos mal enquanto eles (criminosos) estiverem se matando entre eles" cada vez vale menos no conflito aberto em Porto Alegre. Pelo menos nove pessoas foram mortas por tiros a esmo nesses ataques durante o primeiro semestre.
– Criminosos chegam e vão atirando de forma aleatória. Me parece que saem para cumprir uma missão com um alvo específico. Mas, se não o encontram, não saem sem cumprir a missão de ataque. Atiram contra casas para matar inocentes mesmo – avalia o delegado Rodrigo Pohlmann, titular da 4ª DHPP.

Áreas conflagradas
Um recorte entre os bairros Bom Jesus, Vila Jardim, Jardim Carvalho e Santa Tereza, onde a guerra entre os Bala na Cara e os Antibala mais ficou conflagrada, demonstra que pelo menos 71 pessoas foram mortas em apenas seis meses nessas áreas. É mais do que o dobro das 31 do ano passado.
Os quatro bairros respondiam, no primeiro semestre do ano passado, por cerca de 10% das mortes na Capital. Neste ano, o número saltou para 17%.
– Não são crimes para tomar o ponto de tráfico do inimigo. São ataques contra um território onde atuam os rivais, como forma de demonstração de poder – avalia o diretor de investigações do Denarc, delegado Mario Souza.
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Polarização do crime
Os confrontos entre traficantes rivais não são novidade. A diferença em 2016, admite a polícia, está na polarização. Conforme os investigadores do Departamento de Homicídios, hoje são raros os crimes que não estão relacionados à disputa entre a facção dos Bala na Cara e a aliança de quadrilhas que se denomina Antibala.
E aí, até o estilo e a motivação para matar mudaram.
– O poder de fogo dos criminosos é cada vez maior. E a resposta para isso não é nada simples, nem depende de um só órgão. Nós conseguimos chegar à autoria de aproximadamente 70% desses crimes, e nem por isso conseguimos reduzir os índices – afirma o diretor do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, delegado Paulo Grillo.
Segundo ele, pelo menos dois aspectos são fundamentais para determinar os crimes sem freio: a entrada de armamento pesado no Estado e o descontrole das prisões.
– Isso exigiria participação efetiva de outros setores da segurança. De nossa parte, estamos apostando em inteligência para mapear as quadrilhas, as suas lideranças e, na medida do possível, conseguir isolar esses líderes. Porque o comando para esses crimes, e as armas para que eles sejam executados, têm origem bem longe do local do crime – explica o delegado.

Isolar lideranças
Uma resposta foi vista em março, quando, a partir de um relatório do departamento, foram determinadas as transferências de André Vilmar Azevedo de Souza, o Nego André, considerado líder da quadrilha dos V7, e Cristian dos Santos Ferreira, o Nego Cris, apontado como um dos cabeças dos Bala na Cara, para a Pasc, em Charqueadas.
O conflito perdeu um pouco da sua intensidade nos dias seguintes. Mas não foi o suficiente. Um dos homens apontados como pivô da guerra a partir da Vila Jardim, Jackson Peixoto Rodrigues, o Nego Jackson, segue foragido.
Ele tem oito mandados de prisão contra si e é considerado o procurado número um de Porto Alegre.Para algumas autoridades, o isolamento completo dos líderes só será possível com as prisões e retiradas deles do Estado.
ASSASSINATOS POR MUNICÍPIOS**:
Aumento:
Porto Alegre – 407 mortes (+34,3%)
Gravataí – 66 mortes (+15,7%)
Viamão – 55 mortes (+1,8%)
Eldorado do Sul – 12 mortes (+50%)
Barra do Ribeiro – 3 mortes (+200%)
Glorinha – 2 mortes (não houve casos em 2015)
Redução:
Alvorada – 71 mortes (-10,1%)
Canoas – 53 mortes (-17,1%)
São Leopoldo – 46 mortes (-23,3%)
Sapucaia do Sul – 30 mortes (-6,2%)
Novo Hamburgo – 29 mortes (-40,8%)
Guaíba – 24 mortes (-25%)
Cachoeirinha – 12 mortes (-52%)
Campo Bom – 6 mortes (-25%)
Esteio – 5 mortes (-54,5%)
Sapiranga – 4 mortes (-55,5%)
Nova Santa Rita – 3 mortes (-66,6%)
Portão – 3 mortes (-50%)
Estância Velha permaneceu estável, com 2 mortes
(**) Números de homicídios e latrocínios do primeiro semestre de 2015 e 2016
Essa estratégia foi aplicada em Gravataí e deu resultado positivo. A cidade registrou um aumento de 15,7% nos assassinatos em relação ao primeiro semestre do ano passado. No entanto, dois terços dos crimes aconteceu no primeiro trimestre.
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– Detectamos que era uma guerra entre duas quadrilhas rivais tentando controlar o tráfico na cidade. Passamos a focar em identificar todos os envolvidos nesses bandos, com a investigação além das mortes em si – explica o delegado Marco Antônio de Souza, da Delegacia de Homicídios de Gravataí.
No começo de julho, 19 integrantes de uma quadrilha atuante na cidade foram indiciados por tráfico de drogas, formação de quadrilha e homicídios.
O MAPA DOS ASSASSINATOS:
Parcerias
Se para melhorar a situação na Capital parcerias mais efetivas entre os diversos órgãos de segurança são apontadas como fundamentais, em Canoas está o resultado de trabalho em conjunto que conseguiu, no primeiro semestre, estancar os homicídios.
Foram nove assassinatos a menos do que no mesmo período do ano passado, uma queda de 17,1%.
– A investigação tem chegado a lideranças do crime, mas o diferencial está no local em que eles acontecem. Eu noto uma integração muito boa entre os órgãos estaduais e municipais a cada cena de homicídio. Isso nos possibilita ter um controle de tudo o que acontece em cada região da cidade – diz o delegado Valeriano Garcia Neto, da Delegacia de Homicídios de Canoas.
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