Polêmica que se arrasta há três décadas, a disputa judicial pelos 13 mil m² do loteamento Cidade Industrial, em Caxias do Sul, coloca um ponto de interrogação no futuro de duas mil pessoas que construíram residências no local, mas não têm direito garantido sobre elas. A Escola Municipal Dezenove de Abril também pode ser afetada.
Há menos de dois meses, um lote – que estava inabitado – foi desapropriado pela Justiça e entregue à Agropecuária Serra Verde, que exige a devolução de toda a área. A empresa alega ter sido enganada por uma funcionária na década de 1980, que teria vendido o terreno para terceiros, de forma ilegal, e requer a posse completa do loteamento.
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O Ministério Público (MP), em julho deste ano, entendeu que "não existem medidas criminais a serem adotadas" no caso e arquivou um Inquérito Civil, o que trouxe mais insegurança a quem habita a região. Conforme parecer de Adrio Gelatti, da 2ª Promotoria de Justiça Especializada de Caxias, "nenhuma atribuição legal para atuação é cabível ao MP, posto que os adquirentes deverão buscar a titulação, ou a defesa da sua posse, conforme melhor lhes aprouver". Com isso, as famílias podem ser retiradas à força.
– Estamos tentando ficar tranquilos. Fomos orientados de que precisamos regularizar, mas a maioria não têm escritura, só contrato. Na verdade, ninguém sabe qual parte entra ou não na disputa – diz Jandira Alves (foto abaixo), vice-presidente da associação dos moradores do bairro, que está no local há 19 anos.
"Podem tirar sua casinha"
A situação é complexa porque uma parte das famílias que vivem no Cidade Industrial comprou terrenos e recebeu escrituras falsas, e outra invadiu. A defesa da Agropecuária Serra Verde cobra a reintegração dos 13 mil m² com base no argumento de que não há como definir cada caso individualmente. Mesmo assim, de acordo com a advogada Alexandra Paese, a intenção sempre foi dialogar:
– Não temos interesse em tirar o pessoal para construir algo em cima. Queremos negociar, inclusive com valores abaixo de mercado. Já os invasores, que chegaram e se apropriaram, não foram lesados. Podem tirar sua casinha. É o nosso entendimento e o que defendemos.
O advogado Rodrigo Wisintainer Balen, que atua em favor de famílias que moram no loteamento, entrou com ações de usucapião para tentar impedir a remoção delas. Ele lamenta a posição do Ministério Público e admite o risco da desapropriação:
– Eles acharam que, buscando o MP, teriam a segurança de que ninguém os tiraria de lá. Só que o MP entendeu que é um problema particular e que é preciso buscar os direitos de forma particular. Realmente, a agropecuária tem direitos a resgatar, mas contra quem cometeu a fraude. As pessoas lá hoje são terceiros, de boa fé, que não podem ser lesadas.
ENTENDA A POLÊMICA
– Uma área de 13 mil m² do loteamento Cidade Industrial, situado na Linha Benevides, às margens da ERS-122, em Caxias do Sul, pertence à empresa Agropecuária Serra Verde Ltda.
– Na década de 1980, quando a empresa começou a vender lotes da área, uma funcionária teria se aproveitado de uma procuração em nome dela, emitida pela Serra Verde, para negociar partes do terreno com documentos falsificados. Graças a isso, outras pessoas teriam se beneficado do esquema e vendido os lotes de forma irregular
– A Agropecuária Serra Verde entrou na Justiça para recuperar a área, mas o processo se arrasta até hoje
– Enquanto a disputa judicial prosseguiu, o loteamento foi ocupado por pessoas que adquiriram os terrenos dos terceiros e, posteriormente, foi invadido por famílias que nem sequer têm documentos de posse válidos. São mais de 2 mil moradores hoje no local
– A defesa da Agropecuária Serra Verde pede o cumprimento de uma sentença judicial de reintegração de posse de toda área, com indenização para quem adquiriu lotes e foi enganado. Já os advogados dos moradores entraram com ações de usucapião e dizem que as pessoas não podem ser removidas
– Em parecer de julho de 2016, o Ministério Público entendeu que não cabe ao órgão qualquer denúncia criminal no caso, e recomendou à Justiça apenas que não seja utilizada a força para a reintegração da área
– A Justiça ainda não se manifestou sobre o que deverá ser feito no local