Alterações orçamentárias sem dinheiro em caixa, repasses registrados de forma considerada irregular pelos auditores e outras movimentações financeiras feitas pelo governo de Santa Catarina em 2015 foram analisadas ontem no plenário do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Apesar das críticas, os quatro conselheiros presentes votaram com o relator, conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, e aprovaram por unanimidade a prestação de contas com três determinações, 14 ressalvas e 19 recomendações.
Entregue pelo governador Raimundo Colombo (PSD) em abril deste ano, a prestação de contas foi analisada no TCE pela Diretoria de Controle de Contas de Governo (DCG), que apontou diversas irregularidades, como descumprimento no repasse para saúde e educação. No entanto, algumas foram minimizadas pelo relator do processo, conselheiro Wan-Dall, que utilizou boa parte das seis horas de sessão do tribunal para ler seu voto de 90 páginas. Durante o discurso, ele citou ainda a atual situação econômica do país como um agravante e pediu que os poderes e órgãos "se ajudem".
A defesa do governo foi feita pelo secretário da Fazenda, Antonio Gavazzoni, que relatou dificuldades de arrecadação do Estado diante da crise econômica. Abriu a fala apresentado um vídeo com trechos de noticiário sobre atrasos e parcelamentos de salários e aposentadorias em outros Estados, assim como dificuldades de manter condições mínimas em saúde, educação e segurança.
– Inflação alta e de PIB baixo destroem qualquer técnica, qualquer regulamento de equilíbrio fiscal. Essa conjuntura não permite que um manual resolva o nosso problema. Contra os fatos da vida, não tem manual – afirmou o secretário da Fazenda.
Aprovado por unanimidade, o parecer do TCE serve como recomendação para a posterior análise das contas na Alesc, onde é feito o julgamento político-administrativo dos gastos do Executivo. No ano passado, mais da metade das ressalvas, recomendações e determinações foram cumpridas pelo governo.
Processo à parte investiga repasses da Celesc ao Fundosocial
O relatório prévio cita repasses ao Fundosocial feitos pela Celesc, a pedido da Secretaria de Estado da Fazenda, entre abril e dezembro do ano passado, totalizando R$ 615 milhões. Em contrapartida, o Estado compensou o valor na cobrança de ICMS da concessionária de energia. No entanto, de acordo com os auditores do tribunal, o repasse foi registrado como receitas de doações, ao invés de receitas tributárias. Isso foi chamado de "classificação contábil inapropriada" pelo procurador-geral do MPTC, Aderson Flores.
– Caso eu tivesse que escolher apenas uma para restrição às contas do governo, este caso da Celesc seria o principal e deveria ser motivo de atenção prioritária para mudança – disse o procurador durante a sessão extraordinária realizada ontem.
A auditoria aponta reflexos dessa mudança de classificação em repasses constitucionais para áreas como saúde e educação, além de municípios e outros poderes. De acordo com os auditores, os municípios catarinenses perderam quase R$ 200 milhões de repasse por causa da "engenharia financeira" aplicada pela Secretaria de Estado da Fazenda.
O apontamento virou uma das determinações do parecer final do TCE, que reforça o acompanhamento de um processo aberto em fevereiro para avaliar repasses ao Fundosocial. Em nota, o diretor de articulação institucional da Federação Catarinense dos Municípios do Estado (Fecam), Celso Vedana, informou que "a entidade fará uma análise do relatório".
Alterações orçamentárias no Estado ultrapassaram R$ 3,3 bilhões em 2015
O Tribunal de Contas apurou que as alterações orçamentárias realizadas em 2015 totalizaram mais de R$ 3,3 bilhões. No entanto, o documento mostra que muitas delas foram feitas sem recursos disponíveis em caixa. Essas alterações são realizadas por meio de abertura de créditos adicionais, via decretos do Executivo, que podem ser de três tipos: suplementares, para reforçar dotação orçamentária que se tornou insuficiente durante a execução do orçamento; especiais, para atender despesas para as quais não há dotação orçamentária específica; e extraordinários, para atender despesas imprevisíveis e urgentes (casos de guerra, comoção interna e calamidade pública, por exemplo).
Para abrir esses tipos de créditos, é preciso ter recursos disponíveis, normalmente com base em superávit no ano anterior. No caso das aberturas de crédito suplementar do Estado em 2015, o TCE analisou a operação em algumas fontes de recursos que foram justificadas a partir de superávit financeiro do exercício de 2014 e de suposto excesso de arrecadação ao longo de 2015.
No primeiro caso, o superávit financeiro de 2014, o TCE verificou 10 decretos, que somaram cerca de R$ 130 milhões. Em sete deles, a fonte das quais saíram os recursos não tinham saldo financeiro para cobrir os créditos abertos, resultando em um saldo negativo de até R$ 106,46 milhões. Os outros três créditos foram abertos sem que sequer houvesse saldo na fonte dos recursos - o que erou um resultado negativo de R$ 19,4 milhões. Em pelo menos outras quatro fontes de recursos havia saldo financeiro suficiente para a abertura de créditos suplementares que foram feitas.
Nos casos de aberturas de crédito suplementar por excesso de arrecadação da fonte durante o ano de 2015, foram observados se os dois requisitos cumulativos foram cumpridos: o de que havia saldo positivo na diferença entre a arrecadação prevista e a já realizada e o de que considerava a tendência arrecadatória da fonte ao longo do exercício. Nesse caso, o TCE identificou oito decretos - que somaram cerca de R$ 9 milhões - em que não havia nem saldo positivo (meta arrecada inferior à prevista), nem tendência de excesso de arrecadação. O tribunal não detalhou se em outros decretos os requisitos necessários foram respeitados.
Relator aponta desequilíbrio nos investimentos na Saúde
Em 2015, o Governo do Estado aplicou em ações e serviços públicos de saúde cerca de R$ 2 bilhões, ou 12,85% das receitas líquidas de impostos e transferência - acima dos 12% que exige a Constituição. No entanto, a DCG aponta o cancelamento de despesas liquidadas em 2014 que só foram pagas no ano seguinte. A legislação sobre o assunto prevê que serão consideradas como repasses à saúde despesas liquidadas e pagas no ano fiscal. Mas a prática de pagamentos em anos diferentes, de acordo com o relatório, é crescente e estaria provocando um desequilíbrio nas contas do Governo:
"O Poder Executivo distorce não só o resultado orçamentário do exercício cuja despesa não foi reconhecida, mas também do exercício seguinte, no qual a mesma foi empenhada e paga, comprometendo dotações orçamentárias necessárias ao pagamento das despesas de exercícios correntes com o pagamento de despesas de exercícios anteriores."
O parecer prévio explica que a prática é comum em outros setores do Governo, mas tem afetado com mais intensidade a área de saúde. Os auditores ainda alertam que essa situação de postergar pagamentos deve se agravar com a retração da economia, que deve se refletir na estagnação da receita e do crescimento das despesas. O levantamento cita, por exemplo, que a execução orçamentária do Fundo Estadual de Saúde já gastou R$ 243 milhões, ou 13,47% da receita, com despesas do exercício de anos anteriores.
"A consequência deste desequilíbrio é constatada mediante consulta aos pagamentos dos principais fornecedores de serviços e insumos ao Fundo Estadual de Saúde, que revelam atrasos de até três meses em pagamentos aos serviços do SAMU e na gestão do Hospital Florianópolis, prestados pela SPDM - Associação Paulista Para o Desenvolvimento da Medicina; ou nos serviços prestados pela Fundação de Apoio ao Hemosc/CEPON"