Dilma Rousseff não quis se despedir. Enquanto o Senado tocava a longa sessão para afastá-la do cargo para o qual foi eleita duas vezes, a presidente despachou como se o governo tivesse um amanhã. Ao deixar o Palácio do Planalto, por volta das 19h30min, foi esperada na garagem pela equipe do gabinete digital. Desceu do carro, tirou fotos e disparou:
– Hoje não é dia de despedida. Amanhã quero todo mundo aqui.Acostumado ao entra e sai de políticos, empresários e consultores, o Planalto teve um dia de prostração, com seus amplos salões vazios, nos quais era possível ouvir o eco dos comentários.
Pouca gente circulando, longos períodos de silêncio quebrados por falas de seguranças ou da equipe de limpeza. Funcionários iam de gabinete em gabinete para um abraço final nos colegas. Assessores e ministros que tentaram se despedir de Dilma não foram recebidos.
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O provável último dia de governo da primeira mulher a presidir o Brasil teve expectativas baixas, sem o suspense da votação do impeachment na Câmara. Dilma limpou o gabinete na véspera da decisão do Senado, retirou fotos da filha e dos netos. A presidente acordou ciente de que sua única chance residia no Supremo Tribunal Federal (STF).
Esperança desfeita depois do meio-dia, quando o ministro Teori Zavascki negou o recurso que tentava anular o impeachment. A dúvida passou a ser sobre o horário da aprovação do afastamento temporário pelo Senado.Ameaçada de cassação por pedaladas fiscais, a presidente deixou a bicicleta de lado pela manhã. Em vez de pedalar, optou por uma caminhada.
Calça de ginástica, blusa, casaco amarrado à cintura e boné, percorreu o bosque do Palácio da Alvorada, residência que servirá de bunker para coordenar a estratégia de resistência prestes a iniciar.Dilma ficou no Alvorada até o meio da tarde, onde gravou um vídeo que será postado hoje nas redes sociais, após um pronunciamento previsto para 10h.
No Planalto, recebeu os ministros Jaques Wagner, Ricardo Berzoini, Valdir Simão e Izabella Teixeira. Mais cedo, o primeiro escalão, com seis ministros interinos entre os 32 titulares, teve uma reunião sem a presidente. Ficou acertada a demissão coletiva, com exceção do Banco Central e do Esporte.
No Diário Oficial da União, Dilma desfez uma manobra malsucedida que ilustra o poente de seu governo. Devolveu a gestão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Casa Civil para o Planejamento. A mudança deveria turbinar as articulações de Lula como ministro, nomeação barrada pelo STF e que resultou em um pedido de investigação da presidente por suspeita de obstrução à Justiça.
Pioneiro petista no Planalto, há 13 anos, Lula acompanhou de Brasília as movimentações. Se na votação do impeachment na Câmara, passou o dia ao telefone na tentativa de angariar votos, ontem avaliou o “rito de despedida” da afilhada política. Dilma também discutiu o tema. A ideia de descer a rampa do Planalto foi deixada de lado, por representar “rendição”.
À noite, os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Afonso Florence (PT-BA) acertaram com Wagner e Berzoini a presença da bancada no ato. O roteiro esboçado tem a saída da presidente, escoltada por ministros, assessores e governadores aliados, pela entrada frontal do palácio, abaixo da rampa.
Dilma deve ir até a portaria, sendo recepcionada por Lula em frente à Praça dos Três Poderes, com militantes, sindicalistas e mulheres ligadas a movimentos sociais. Há possibilidade de uma marcha dos simpatizantes até o Alvorada.– Mesmo sendo um golpe, ela faz questão de manter um rito na saída – disse Florence.
Às 19h20 de ontem, pouco antes de retornar ao Alvorada, Dilma foi com o amigo e conselheiro Jaques Wagner até um dos janelões do Planalto. Ao abrir a cortina verde, espiou a rampa pela qual subiu em 2011 e 2015. Ao lado, mirou o caminho que deve ser inevitável para sua saída do poder.
Minutos após ser fotografada no terceiro andar, seguiu para sua residência oficial. O então ministro do Gabinete Pessoal da Presidência disse que se encontrou com ela por diversas vezes ontem à tarde e que Dilma estava calma e trabalhando.
– Como é da característica dela, está firme, indignada pela injustiça e pela violência que está sendo cometida, mas está tranquila, administrando os atos de governo como qualquer presidente tem de fazer e aguardando a decisão dos senadores – disse o ministro.Hoje, às 10h, provavelmente afastada do cargo, Dilma fará pronunciamento oficial à imprensa no salão leste do Planalto.