De seu assento no banco dianteiro, Alberto Tomassi, taxista romano há 50 anos, sempre foi tão bisbilhoteiro quando confessor. Ele já fez as vezes de guia improvisado, frustrou assaltos e levou inúmeros clientes para o pronto-socorro dos hospitais.
E consolou mulheres abandonadas com uma boa dose de sabedoria caseira.
“Falei para uma mulher a quem o marido havia abandonado para ficar com outra muito mais jovem: ‘Como dizemos em Roma, quando o papa morrer, você arruma outro’.”
Passando habilmente pelas ruas estreitas e esburacadas de Roma – muitas construídas séculos antes da invenção do motor de combustão interna – ele desenvolveu a calma imperturbável de um monge zen.
“Se você for capaz de passar 15 anos sem ficar realmente irritado, pode fazer isso para o resto da vida. Eu só aceito as coisas como elas acontecem”, conta Tomassi.
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Apenas alguns poucos motoristas de táxi conseguem andar pelo famoso trânsito de Roma – uma mistura de ruas ruins com a aversão dos motoristas às leis de trânsito que já se tornou uma característica nacional – por cinco décadas.
“É um trabalho difícil – alternar turnos noturnos e diurnos, lidar com a poluição, o trânsito, o estresse, os motoristas indisciplinados”, afirma Loreno Bittarelli, presidente da cooperativa de radio táxi para a qual Tomassi trabalha.
“E depois de 50 anos, você nem tem uma grande aposentadoria. Pode se arriscar a morrer de fome caso se aposente cedo”, diz Bittarelli.
Na Itália, os motoristas de táxi contribuem como trabalhadores autônomos para o sistema de previdência social nacional, que distribui as pensões de acordo com essas contribuições.
Bittarelli também fica chateado com o fato de os taxistas romanos se verem muitas vezes criticados por ser um lobby de privilegiados que lutam contra bandeiras como a liberação de licenças.
“Não sei quantos serviços públicos funcionam tão bem quanto nós. Alberto sacrificou muito para continuar trabalhando – é humilhante que qualquer pessoa considere seu trabalho como privilegiado”, diz ele.
Por seu lado, Tomassi ficou desapontado porque a data não foi reconhecida oficialmente este ano – não houve festa, relógio dourado, tributo –, então decidiu colocar um adesivo redondo e prateado estampado com um “50 anos de táxi” no vidro de trás de seu carro.
Tomassi começou a dirigir em cinco de fevereiro de 1966, depois que comprou a licença do táxi por cinco milhões de liras italianas.
“Era uma quantia imensa de dinheiro”, conta ele, mais ou menos o mesmo que um apartamento médio.
No meio dos anos 1960, Roma estava passando por um momento vertiginoso. No longo boom econômico do pós-guerra, a capital era uma encruzilhada de estrelas e caçadores de celebridades, cardeais e socialites, aristocracia decadente e empreendedorismo ascendente.
Na época, como agora, as celebridades atraíam o público que adorava uma fofoca, e os fotógrafos que corriam pelas ruas em lambretas para observar as boates – como a Milleluci e a Grotte del Piccione, há muito fechadas – e encontrar suas presas.
“Eram os dias antes das selfies”, diz Tomassi.
Ele desdobra um saco plástico e cuidadosamente retira um recorte de jornal desbotado colado a uma moldura simples: uma lembrança daqueles dias longínquos quando Roma era conhecida como a Hollywood do Rio Tibre.
A fotografia mostra Tomassi levando os atores Ursula Andress e Jean-Paul Belmondo por Roma.
“Tinha a cabeça cheia de cabelos”, conta rindo e olhando para cima em direção aos poucos fios.
Ele se lembra que naquele verão de 1967 (“ou por aí”) os dois atores “estavam muito apaixonados”.
Entre seus passageiros estão o diretor de cinema neorrealista Vittorio de Sica (“O Ladrão de Bicicleta”) e atores como Ugo Tognazzi (“A Gaiola das Loucas”) e Alberto Sordi (“Um Americano em Roma”).
O diretor Federico Fellini tinha uma rota regular entre sua casa perto da Piazza del Popolo e o Café de Paris na Via Veneto. Tomassi conhecia o endereço particular da atriz Sophia Loren, e o ator Marcello Matroianni uma vez o convidou para um café, conta ele.
Na época, ele podia dirigir seu Fiat 600 Multipla – o primeiro de seus oito táxis – pelo Arco de Constantino perto do Coliseu, pela Ilha Tibre, na Piazza Navona ou na Praça de São Pedro, áreas que hoje são exclusivas para pedestres.
“Era uma época em que as pessoas riam, vivendo ‘la bella vita’. Foram anos belos”, lembra-se com saudade.
Quando Tomassi começou a dirigir, a cidade se estendia apenas por algumas ruas em direção ao anel viário que a cerca. Hoje, os novos empreendimentos se espalham para o lado do campo.
Apesar de não usar um dispositivo GPS, ele diz que pode encontrar qualquer endereço na cidade, do centro histórico – um labirinto de ruas de sentido único em que é preciso se aventurar para chegar perto do Panteão, da Fontana di Trevi ou da Praça de Espanha – às áreas periféricas.
“Aposto um café que sei a localização de todas as ruas”, diz ele.
Ele afirma que o trânsito em Roma melhorou. Anos atrás, conta, havia menos ruas, então os motoristas eram obrigados a ficar nas conhecidas, o que entupia as vias principais. Por exemplo, não havia uma rodovia ligando a cidade ao Aeroporto Fiumicino, que fica na costa entre Fregene e Ostia, duas praias populares.
Aos domingos, quando as famílias romanas embalavam o almoço e iam para a praia, quem queria pegar um avião tinha problemas.
“Era tudo um longo engarrafamento”, conta ele.
Tomassi, que fará 75 anos em setembro, decidiu que é hora de se aposentar. Ele tem algumas pessoas interessadas em comprar sua licença, que hoje vale cerca de 130 mil euros (em torno de US$150 mil).
“Você não fica rico fazendo esse trabalho, mas é honesto. Dá para ter uma família, colocar os filhos na escola.” Sua filha mais velha é oficial de polícia do trânsito em Roma.
“Meu colegas brincam que posso fazer o que quiser porque nunca serei multado, mas me esforço para não infringir a lei”, diz.
Ele admite uma infração, logo no começo. Levou uma multa por ter se esquecido de colocar o jaleco e o boné amarelos que os motoristas de táxi em Roma precisam usar.
Hoje, está apenas curtindo suas últimas viagens e reconhece orgulhosamente seu adesivo prateado para os clientes que perguntam.
“Alguns dizem: ‘Coitado de você, 50 anos no trânsito de Roma’. Outros parecem satisfeitos porque isso significa que também podem sobreviver a ele.”
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