Assombrada por incertezas e dúvidas, Zilá Pinho Hartleben, de 81 anos, ainda busca explicação para o desaparecimento da filha, Cláudia Pinho Hartleben, 47 anos. A professora da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) sumiu na cidade gaúcha há um ano, em 9 de abril de 2015, e nunca mais foi vista por parentes ou amigos. Neste período, a descrença de encontrá-la viva se agigantou na mesma proporção da saudade. De alguns meses para cá, dona Zilá mudou o pedido em suas preces – passou a orar pela localização do corpo da filha para, ao menos, poder sepultá-la.
– Com o tempo, (a esperança) foi indo, indo, indo, e a gente não recebia nada. Aí, fui perdendo aquela esperança. Comecei a pensar que, quando a gente fosse se ver novamente, seria no outro lado já. Tinha muita esperança de que ela poderia estar em cárcere privado. Mas agora não acredito. Acho que mataram ela e a esconderam. A gente não sabe onde a colocaram, e isso é uma dor também.
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Achar o corpo de Cláudia traria também respostas às interrogações que atormentam a idosa:
– Queria ao menos que me mandassem uma carta anônima, (dizendo) olha, ela está em tal lugar, para a gente tirar ela e colocar no túmulo da família. A gente não sabe o fim dela. É um horror, isso é um martírio sempre.
Além de lidar com a perda da filha, a idosa enfrenta o dilema de ter o neto, João Félix Hartleben Fernandes, 22 anos – com quem almoça diariamente –, como um dos suspeitos de arquitetar o assassinato da mãe com ajuda do pai, João Morato Fernandes, 57 anos, ex-marido da professora.
– Não quero acreditar nisso. Participado, acho que não tenha. Mas, talvez, ele esteja omitindo alguma coisa para acobertar o pai. Se participou de alguma coisa, vai ser um martírio muito grande para mim. Já me sinto derrotada, liquidada, não tenho gosto para nada.
Pai e filho foram apontados como autores do crime pelo Ministério Público Estadual, mas a Justiça rejeitou a denúncia por considerar que não havia provas para incriminá-los. A promotoria recorreu, e a espera pela decisão judicial mantém a angústia dos envolvidos.
Uma delas é a Eliza Rossi Komninou, 35 anos, que ainda guarda na memória a última visita, a última conversa, o último abraço. Da casa de Eliza, Cláudia saiu para nunca mais ser encontrada.
– Parece mentira que está fazendo um ano já, porque a sensação que a gente tem é de que a vida parou. É muito difícil lidar com tudo que veio depois disso, com a angústia de saber que é improvável que a pessoa volte. Imaginar que ela pode estar morta e, ao mesmo tempo, lidar com uma coisa que vem de dentro, que é o não querer acreditar, buscar alguma esperança, mesmo sendo fantasiosa, sabe? – questiona-se a amiga.
Eliza diz perceber que cada pessoa tenta superar a ausência de Cláudia de maneiras diferentes. Enquanto algumas pedem por novidades sobre o caso, outras optam por não tocar mais no assunto.
– Ela foi morta. O que temos hoje é a denúncia feita pelo promotor, que é no que a família, os amigos, as pessoas próximas acreditam. É a conclusão a que se chegou.
Homenagem na universidade
Para lembrar a passagem de um ano do desaparecimento da professora, o prédio onde está localizado o laboratório em que Cláudia trabalhava foi abraçado nesta sexta-feira pela comunidade acadêmica, amigos e familiares. O grupo vestia branco e fez um minuto de silêncio simbolizando a cobrança por respostas das autoridades. Para o diretor do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (no qual Cláudia lecionava), Odir Dellagostin, há uma lacuna na universidade que ainda não foi preenchida.
– O clima é de muita tristeza. A gente tem um sentimento de perda muito grande e, ao mesmo tempo, de impotência, porque não conseguimos esclarecer o caso e não temos força para buscar respostas que a gente tanto quer que surjam.
O promotor de Justiça de Pelotas José Olavo Bueno dos Passos denunciou, em 11 de dezembro de 2015, o ex-marido de Cláudia, João Morato, e o filho do casal, João Félix, por homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver. Na denúncia, Passos considera que o ex-marido não admitia a separação e teria coagido o filho, fazendo-o acreditar que a professora era responsável pela "destruição" de sua vida:
– Não resta a menor dúvida de que ela foi morta e que quem matou foram os denunciados. O filho era a única pessoa que estava na casa quando ela desapareceu.
Por telefone, Morato preferiu não se manifestar sobre as denúncias que recaem sobre ele e o filho.
– Não vou falar. Isso está me perturbando bastante.
Enquanto a equipe de ZH gravava imagens com a mãe da Cláudia, João Felix, que mora ao lado da casa da avó, na residência da mãe, saiu do imóvel. Questionado sobre o que teria acontecido naquela noite, foi breve:
– Pois é, eu estava dormindo. O resto vocês já sabem o que aconteceu. Olha, começou a chover, vou entrar – disse, antes de voltar a passos rápidos para a casa.
A denúncia não foi aceita pelo juiz Paulo Ivan Medeiros, que considerou não haver provas suficientes para relacionar pai e filho com o desaparecimento de Cláudia. A defesa deles sustenta a mesma tese. A promotoria recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado em março deste ano e aguarda decisão.
RELEMBRE O CASO
No dia 9 de abril de 2015, uma quinta-feira, Cláudia visitou a amiga Eliza, em Pelotas. Por volta das 22h30min, a professora despediu-se dizendo que iria para casa, onde morava com o filho e o então companheiro, Pedro Luís Ballverdu Gomes, que, naquela noite, estava viajando.
Seu desaparecimento foi percebido somente no dia seguinte, quando não compareceu a compromissos na Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), onde lecionava.
Roupas, o veículo, objetos pessoais, pasta com notebook, carteira de cigarro e isqueiro que ela carregava na noite anterior estavam na casa, comprovando que ela esteve na residência antes de desaparecer. A cama dela, porém, aparentava não ter sido usada.
O filho, presente no imóvel naquela noite, disse que estava dormindo e que não viu nem ouviu a mãe chegar. Conforme a denúncia do Mistério Público Estadual (MP), João Félix costumava chegar em casa por volta de meia-noite e dormir em adiantadas horas da madrugada.
Em depoimento, o jovem disse ter se deitado entre 22h e 23h, mesmo não tendo aula no dia seguinte.
A proximidade dele com o pai, que tem histórico de agressão e ameaça contra Cláudia, levou o MP a concluir que ambos participaram diretamente do assassinato, embora o corpo jamais tenha sido encontrado.
O MP protocolou a denúncia por homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver em 11 de dezembro de 2015, mas o juiz de Pelotas rejeitou, alegando não haver indícios suficientes para comprovar a relação de pai e filho com o desaparecimento de Cláudia.
A promotoria recorreu ao Tribunal de Justiça do Estado e aguarda decisão. O promotor José Olavo Bueno dos Passos assegura que está monitorando o processo.