Sem a Operação Lava-Jato não haveria o clamor contra a corrupção que percorre o país. E sem esse fervor não existiria a atual crise política, nem o processo de impeachment. Quem diz isso são dois juristas que em tudo discordam a respeito do governo Dilma Rousseff: Ives Gandra Martins e Fábio Konder Comparato. O primeiro brada pelo afastamento da presidente, e o segundo está sempre pronto a defendê-la.
Ouvidos por ZH, coincidem em um ponto: a maior ação da história da Polícia Federal, contra os colarinhos brancos do parlamento e do Executivo, é o motor que impulsiona o julgamento dos atos do governo no Congresso. Mesmo que, oficialmente, estejam em julgamento apenas manobras fiscais (as pedaladas). Tanto Ives Gandra quanto Comparato admitem que a Lava-Jato não nasceu contra políticos. A diferença é que o primeiro é pródigo em elogios à operação, enquanto Comparato é muito crítico.
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Tudo começou em 2004, quando a PF investigava um esquema de disfarce de dinheiro de corrupção que era manipulado em uma casa de câmbio situada em cima do serviço de limpeza de um posto de combustíveis em Brasília – daí o nome da operação.
Os doleiros responsáveis só foram presos 10 anos depois. Mas, a partir das revelações deles a respeito de seus clientes na política e no empresariado, a PF montou a maior operação de sua história.
São números impressionantes. Foram 163 prisões até agora. A Justiça quebrou o sigilo bancário de 300 pessoas. Foram abertos 215 inquéritos criminais e 179 investigados viraram réus.E o temor de quem será julgado pelo juiz Sergio Moro, que conduz a operação a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba, é reforçado pelas estatísticas: dos 70 acusados que já foram julgados pelo magistrado, apenas seis foram absolvidos (91% foram condenados).
Para governistas, ação não chega na oposição
A inspiração de Moro, como ele próprio admite, é a Operação Mãos Limpas, que devassou a Itália nos anos 1990. Políticos dos principais partidos foram expurgados da atividade pública, o que incluiu dois primeiros-ministros. Lá, como aqui, a ação da polícia e da Justiça esteve amparada em um grande instrumento: a delação.
Na Lava-Jato, já foram firmados 51 acordos de colaboração premiada. Os delatores revelaram nomes de políticos e empresários envolvidos em corrupção, mostraram agendas, enumeraram contas bancárias e apresentaram diálogos travados na internet. Com base nisso, em dois anos de atuação, policiais federais e procuradores da República conseguiram indícios ou provas contra cinco ex-dirigentes da Petrobras e alguns dos maiores empresários do país, enquadraram ex-ministros, ex-tesoureiros de campanha de partidos governistas, 55 parlamentares, doleiros e, claro, lobistas que lucram na intermediação de negócios escusos entre poder público e iniciativa privada.
A Lava-Jato é incensada pelas multidões por ter enquadrado alguns dos homens mais ricos do país, bem como políticos de renome. Um procurador e um delegado que atuam na Lava-Jato asseguram a ZH que jamais o objetivo da operação foi enquadrar determinado partido, nem sequer o Planalto. Encaram como natural o fato de a base governista ser a mais atingida, pois governos detêm a chave do cofre – logo, são mais assediados.
A alegação não convence políticos governistas, que reclamam que a oposição não é atingida. E as maiores reações vêm do PT, partido com tradição de militância mais aguerrida. Sobretudo depois da prisão do ex-ministro José Dirceu. A ira aumentou mais quando oex-presidente Lula, maior líder petista, foi obrigado a ir de viatura depor à Polícia Federal.
O que dizem os juristas:
Fábio Konder Comparato, professor emérito de Direito da Universidade de São Paulo (USP):
– Óbvio que há corrupção histórica, sobretudo na Petrobras, e a PF está certa em coibi-la. O problema é que isso existia nos anos 1990 e nada foi feito a respeito. Fernando Henrique e o seu faz tudo, Sérgio Motta, usaram dinheiro para comprar a emenda da reeleição. Nada foi feito contra eles. Aécio Neves é mencionado por delatores como beneficiado por corrupção, mas não está indiciado. Fizeram vista grossa. A Lava-Jato fez uma seleção de fatos contra o PT. Em 1985, os EUA retiraram apoio de governos militares, o que enfraqueceu a opção de golpes. Desde então, 13 presidentes latino-americanos sofreram impeachment, que é uma forma civil de impedir a governança. Podem retirar o governo, mas quero ver equacionarem a questão econômica. Isso não vai mudar de uma hora para outra.
Ives Gandra Martins, professor emérito de Direito da Universidade Mackenzie:
– O Congresso diz que vai julgar a presidente pelas pedaladas fiscais, mas será por muito mais. A Lava-Jato escancarou todo um esquema de governança embasado em troca de favores. Dilma paga pelo conjunto da obra. Ela é citada 71 vezes na delação de seu ex-correligionário, o senador Delcídio Amaral. Ele é enfático ao dizer que ela sabia que a compra da refinaria de Pasadena era um mau negócio. A própria presidente reconheceu que, em uma operação que envolvia quase US$ 2 bilhões, se tivesse sido alertada sobre as cláusulas que assinou, não teria concordado.Ora, esta grave omissão, em que não procurou aprofundar-se nas condições de celebração de negócio bilionário, demonstra, pelo menos, a ocorrência de culpa gestora. Isso tudo é levado em conta por quem vai julgar.