Ainda relativamente jovens quando foram para a França, há 40 anos, os chefs Juan Mari Arzak e Pedro Subijana estavam decididos não só a aprender, mas também a dar destaque à culinária basca e compartilhar seus conhecimentos.
Na época, apesar da abundância de frutos do mar e a variedade de legumes, frutas e verduras da região luxuriante e montanhosa da costa do norte da Espanha, a gastronomia local não era muito conhecida no resto do mundo.
– Os chefs não compartilhavam nada uns com os outros; todo mundo morria de medo e protegia o que sabia; nem os aprendizes tinham acesso a tudo, revelou Subijana, 67 anos, em entrevista recente.
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– Mas percebemos que era através da generosidade que a nossa culinária basca podia crescer. Era importante fazer com que os chefs trabalhassem como se estivessem numa corrida de revezamento, onde alguém tem que abrir caminho e permitir que quem vem depois assuma o processo e traga inovações.
E dizer que eles deram certo é pouco.
Desde então, a região ganhou uma influência em termos mundiais muitíssimo maior que a área que a limita, graças, em parte, a essa filosofia de generosidade que instauraram: a região, de tradições centenárias e uma queda por ingredientes finos, se destaca como incubadora de profissionais qualificados e inovação.
Atualmente, San Sebastián, balneário à beira-mar com uma população de 185 mil habitantes, tem o maior número de restaurantes reconhecidos pelo Michelin per capita na Europa: são 16 estrelas em um raio de 24 km.
Quatro restaurantes bascos estão entre os vinte melhores do mundo segundo a Restaurant Magazine. Juntos, o restaurante de Arzak, que leva seu nome, e o Akelarre de Subijana têm três estrelas.
Para Andoni Luis Aduriz, membro da geração mais nova, Subijana ajudou a criar "um ecossistema único de solidariedade" na região basca, que ajudou a destacá-la ao redor do planeta.
Aos 44 anos, ele sabe disso por experiência própria: montou seu restaurante, o Mugaritz, considerado o sexto melhor do mundo, nas colinas que cercam San Sebastián, depois de trabalhar com outro chef local famoso, Martín Berasategui.
– Ele poderia ter me dispensado, mas, em vez disso, me ofereceu sociedade no Mugaritz e compartilhou sua experiência. O resultado são 25 anos de sucesso, comemora Aduriz.
E prossegue, contando que, em 2010, se beneficiou mais uma vez da solidariedade basca, depois de ser forçado a manter o Mugaritz fechado vários meses por causa de um incêndio.
– Eu estava ameaçado de falir e os outros poderiam muito bem ter comemorado o desaparecimento de um concorrente, mas não teve um chef que não tenha oferecido ajuda para eu reabrir o mais rápido possível.
Apesar dessa cooperação toda, porém, os chefs bascos também nutrem uma concorrência saudável, principalmente com apresentações divertidas e inovações.
No Arzak, um prato de frutos do mar pode ser servido em uma tela de vídeo onde aparecem as ondas do mar e o chocolate, ganhar o formato de porcas e parafusos.
Há um toque de gastronomia molecular, como quando o chef Eneko Atxa, do Azurmendi, seu restaurante tri-estrelado de Bilbao, cozinha um ovo "de fora para dentro", em um processo delicado que usa seringas para retirar uma parte da gema e substituí-la por um consommé de trufas quente.
Entretanto, a impressão é a de que as tradições quase sempre são mantidas, mesmo quando subvertidas. Victor Arguinzoniz, o chef de seu restaurante, o Asador Etxebarri, é especialista em grelhados sobre a chama – e criou um equipamento próprio para fazê-lo. Além disso, pode usar um tiquinho de cinza para dar mais gosto até à manteiga servida à mesa.
– A língua basca muda a cada dez quilômetros e acho que o mesmo acontece com a nossa comida – mas o que todos nós temos em comum é a infância numa família para quem a vida revolve à volta da cozinha, e não da sala, explica.
Sem dúvida, o que não falta na área são opções. Elena Arzak, filha e sócia de Arzak, frequenta o principal mercado de San Sebastián desde a mais tenra idade – mas por mais assíduas que sejam suas visitas, tem sempre alguma novidade ou algo de que se lembrar.
Dependendo da estação, é possível encontrar todas as especialidades regionais, como a hake kokotxa, parte carnuda sob a mandíbula do peixe, ou os filhotes de enguias vivos – esses, decididamente não recomendável para quem tem estômago fraco.
– Tem tanta coisa aqui que eu sempre esqueço exatamente o que é melhor e em qual temporada, comenta enquanto checa se a maçã verde Errezil, variedade local, está madura.
De fato, todos os aspectos da vida em San Sebastián parecem girar em torno de comida – desde as sociedades gastronômicas que são um equivalente menos formal aos clubes masculinos britânicos, onde os membros preparam as próprias refeições – aos bares minúsculos que servem pintxos, a versão basca das tapas, no centro histórico.
– É extremamente raro um lugar onde só os pratos mais exclusivos usem ingredientes de altíssima qualidade; a comida do dia a dia também conta com eles, que estão disponíveis em qualquer supermercado, afirma José Avillez, chef português cujos restaurantes incluem o Belcanto, em Lisboa, dono de duas estrelas.
– A verdade é que, no momento, a gastronomia basca alcançou tal nível de reconhecimento que é a nossa melhor marca internacional, vibra Joxe Mari Aizega, diretor geral do Centro Culinário Basco, inaugurado em 2011.
Sua escola, que será a primeira faculdade de uma universidade europeia ensinando técnicas vanguardistas, vai oferecer até doutorado em Ciências Gastronômicas, no ano que vem.
– Estamos atraindo estudantes do mundo todo porque promovemos não só a gastronomia contemporânea, mas também o equilíbrio sempre presente na culinária basca entre tradição e inovação, resume Aizega.
Aos 73 anos, e mesmo depois de quebrar a clavícula, Juan Mari Arzak ainda circula entre as mesas e de lá, para a cozinha que comanda ao lado da filha.
– Nosso ponto forte é evoluir e inovar sem jamais esquecer que somos um restaurante de família. Recusei todos os convites que recebi para cozinhar nos EUA e não sei mais onde porque nasci neste restaurante e quero morrer aqui, na minha cozinha.