Referência para uma população de 23 mil pessoas da Restinga, a Unidade de Saúde Macedônia vem sofrendo de uma patologia antiga na saúde da Capital: a venda de fichas para consulta médica.
Essa enfermidade, que surge a partir da ação de aproveitadores, só existe por conta da falha na estrutura do sistema público de saúde. Faltam médicos de família no posto e, com isso, o número de fichas, que antes passava de 20, minguou para seis. Quem não pode pagar pela ficha, ou não tem condições físicas para enfrentar mais de 12 horas de espera ao relento, amarga a falta de atendimento.
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Na quinta-feira pela manhã, a reportagem do Diário Gaúcho negociou um lugar na fila com uma dessas pessoas que está se aproveitando da deficiência no quadro de pessoal do posto para lucrar. Supostamente em busca de uma ficha para a mãe, a repórter conversou por telefone com uma mulher chamada Raquel. Ela confirmou que costuma ficar na fila por um preço que varia entre R$ 25 e R$ 35 (confira a negociação no áudio).
- É R$ 25 com o lanche - disse a mulher.
O lanche é um pão com manteiga, ou só um pão, que quem contrata o serviço precisa providenciar para aquela que fica na fila. Sem o lanche, o valor sobe para R$ 35. Às 7h do dia seguinte, a contratante chega à fila, faz o pagamento e assume o lugar. Na quinta-feira, por volta das 15h, Raquel informou que a repórter seria a primeira da fila porque ainda não havia aparecido mais nenhum paciente para pernoitar diante do posto.
De acordo com a vice-coordenadora do Conselho Municipal de Saúde, Djanira Corrêa da Conceição, que é moradora do bairro, a prática da venda de lugar na fila é um problema antigo, que surge onde não há médico. Atualmente, um médico do Macedônia está em férias, outro exonerou-se e há apenas uma médica que cumpre jornada de quatro horas diárias na unidade.
- O principal problema é o acolhimento, que não está sendo feito. E deveria ser feito durante o dia todo. Tem a falta de médicos de família, que atendem desde o bebê até o idoso, e também o posto não está no seu lugar (a sede está em obras) - comenta.
O líder comunitário Nelson da Silva também confirma a dificuldade para conseguir atendimento, vivida por ele mesmo.
- Eu estou há dois meses correndo para renovar uma receita. Tem uma ficha para idoso por dia. São seis para clínico no dia e só tem um médico atendendo. Segundo eles, o problema é a deficiência de pessoal.
Os líderes comunitários contestam os números apontados pela prefeitura no que diz respeito ao atendimento. A prefeitura usa o Censo 2010 para informar que são atendidas 23 mil pessoas no Macedônia. Os líderes falam que o número fica entre 45 e 50 mil.
Sem acolhimento
Djanira explica que, no acolhimento, o paciente que está se sentindo mal e necessita de atendimento imediato passa por triagem e, se for o caso, consegue uma consulta no mesmo dia. Cada médico, segundo ela, atende 12 fichas por turno.
Já se o paciente pode esperar, como ocorre, por exemplo, com quem precisa renovar a receita de uma medicação, a consulta é agendada para o período entre uma semana e 15 dias. Como há apenas uma médica que atua durante quatro horas por dia, não há acolhimento e há apenas seis fichas para consulta.
Conforme Djanira, as dificuldades na Unidade Macedônia já foram apresentadas na reunião semanal que envolve usuários, trabalhadores dos postos de saúde, prestadores e a secretaria municipal da saúde.
"Não é justo ficar a noite toda na fila"
Um morador da Restinga, usuário do posto, foi até o local à tarde, na esperança de pernoitar diante da unidade de saúde e conseguir uma ficha para a filha. Mas o número de pessoas à espera no local era maior que o de fichas a serem distribuídas na manhã seguinte. Segundo ele, havia duas pessoas vendendo lugar na fila.
- Tinham que ter um outro procedimento para agendar consulta. Não é justo ficar a noite toda na fila. A gente paga imposto e a saúde tem que funcionar - reclama o usuário.
Secretaria desconhece a prática
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) diz desconhecer a prática da venda de fichas no posto. A secretaria diz que, no momento, há três profissionais médicas atendendo no local: duas clínicas e uma ginecologista.
A SMS confirma que há um médico de 40 horas semanais de trabalho que está em férias (retorna em 11 de março) e outro médico de 40 horas pediu demissão no dia 3 de fevereiro deste ano. Em relação ao quadro de pessoal do ano passado, houve a redução de 20 horas médicas.
Como medida para tentar resolver o problema, a prefeitura informou que está realizando processo seletivo emergencial e concurso para preenchimento de vagas de médico de família, porém, sem dar previsão.
A SMS explica que, na mudança de endereço, por conta da reforma, em maio de 2015, não houve alteração em termos de oferta de serviços. A obra, conforme a secretaria, prevê a ampliação de salas, pintura, redistribuição dos ambientes internos e melhoria do ambiente da unidade. A previsão é de que o retorno ao prédio reformado e abertura ao público ocorra em meados de maio.
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