À frente de um dos maiores conglomerados empresariais do país, Marcelo Odebrecht sempre foi um personagem de extrema influência nos debates sobre a economia e a política nacional. Desde a manhã desta terça-feira, ele é o mais célebre condenado pelo juiz Sergio Moro na Operação Lava-Jato. Numa decisão de 234 páginas, em que esmiuçou em 1.090 itens as ações ilegais do empreiteiro, Moro condenou Marcelo a 19 anos e quatro meses de prisão por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele terá ainda de pagar uma multa no valor de R$ 1,13 milhão. À Petrobras, o Grupo Odebrecht terá de pagar R$ 240 milhões, como ressarcimento pelos prejuízos causados pelo esquema delituoso.
Na sentença, o magistrado afirma que, somente em pagamento de propinas, Marcelo repassou R$ 108 milhões e US$ 35 milhões aos agentes da Petrobras. Como o crime de corrupção ativa foi cometido 11 vezes, a pena foi de 10 anos de reclusão. Para dificultar o rastreamento do dinheiro, Moro diz que ele "desenvolveu especial sofisticação", com utilização de recursos em contas secretas mantidas no Exterior pelo Grupo Odebrecht e pelos executivos da petrolífera, tudo para dar aparência legal aos pagamentos de suborno. Nessa complexa operação, Marcelo lavou US$ 16,2 milhões e 1,9 milhão de francos suíços. Na contabilidade do juiz, foram 50 ações de lavagem de dinheiro, pelas quais sentenciou o empreiteiro a oito anos e quatro meses de cadeia.
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A menor pena foi por associação criminosa, estipulada em um ano de reclusão. De acordo com Moro, não se trata de uma quadrilha com "estrutura rígida e hierarquizada", daí o período menor em comparação com as demais condenações. Além de Marcelo, o titular da 13ª Vara Federal de Curitiba condenou outras oito pessoas, entre elas quatro ex-executivos da Odebrecht, bem como o operador Alberto Youssef e os ex-diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa, Renato Duque e Pedro Barusco - estes também já sentenciados em outras ações penais. Como colaboraram com as investigações, Barusco, Costa e Youssef tiveram as condenações suspensas por Moro.
Segundo Moro, os dirigentes da estatal receberam propina nos contratos obtidos pelo Grupo Odebrecht nas refinarias Presidente Vargas e Abreu e Lima, no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro e no contrato da Braskem com a estatal. Somente para Paulo Roberto Costa, então diretor de Abastecimento da Petrobrás, o conglomerado teria pago US$ 9,4 milhões e 1,9 milhão de francos suíços, de junho de 2007 a agosto de 2011. "Não como negar que a Odebrecht é responsável por todos esses repasses, já que não só as contas em nome de off-shores da Construtora Norberto Odebrecht figuram no fluxo financeiro, transferindo em alguns casos diretamente para contas dos agentes da Petrobras, outras vezes para contas intermediárias", diz o despacho do juiz.
Preso no Complexo Médico Penal de Curitiba há 263 dias, desde que foi detido na 14ª fase da Lava-Jato, Marcelo Odebrecht é considerado peça chave nas investigações, não só pela proeminência que suas empresas têm nos contratos com a Petrobras, mas também pela relação próxima que sempre manteve com políticos poderosos. Na sentença, Moro faz questão de constar que Marcelo preferiu apresentar respostas por escrito, algumas incompletas, recorrendo ao "subterfúgio para não ter que enfrentar o exame oral, direto e cruzado, em um interrogatório em audiência aberta." Por isso, seu silêncio incomoda os investigadores e tranquiliza os beneficiários do esquema. Em depoimento à CPI da Petrobras, em setembro, ele chamou os delatores de "dedo-duro" e disse que, caso suas filhas discutissem, e ele perguntasse quem começou, "talvez brigasse mais com quem dedurou do que com aquela que fez o fato".
Nos últimos dias, contudo, cresceram os rumores de que, com a saúde debilitada em função do prolongado tempo na cadeia, Marcelo estaria propenso a colaborar com as investigações em troca de uma redução de pena. Em combinação com Léo Pinheiro, da OAS, Marcelo estaria interessado não só em diminuir sua estadia na cadeia, mas também evitar a insolvência da empresa, que nos últimos tempos vem perdendo contratos e diminuindo o corpo de funcionários. Na decisão, Moro afirma que "apesar dos recentes boatos de possível negociação de acordo de colaboração pelo executivos da Odebrecht, o fato não impede a prolação da sentença, nem de eventual benefício superveniente." Ou seja, caso Marcelo aceita contar tudo o que sabe sobre os desvios na Petrobras, o juiz pode reconsiderar a decisão e atenuar o período de reclusão. Em defesa do instrumento de delação, na sentença Moro escreve que "crimes não são cometidos no céu e, em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos."
Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério Araújo estão presos desde 19 de junho de 2015, quando foi deflagrada a 14ª fase da Lava-Jato, chamada de Erga Omnes.
Veja a lista de condenações:
Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht: condenado a 19 anos e quatro meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Márcio Faria da Silva, ex-presidente da Construtora Norberto Odebrecht: condenado a 19 anos e quatro meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Rogério Santos de Araújo, ex-diretor da Construtora Norberto Odebrech: condenado a 19 anos e quatro meses de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Cesar Ramos Rocha, ex-gerente financeiro da Norberto Odebrecht: condenado a nove anos, 10 meses e 20 dias de prisão por corrupção e associação criminosa.
Alexandrino de Salles Ramos de Alencar, ex-diretor da Odebrecht: condenado a 15 anos, sete meses e 10 dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
Renato de Souza Duque, ex-diretor da Petrobras: condenado a 20 anos, três meses e 10 dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.
Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras: condenado a 20 anos, três meses e 10 dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Essa seria a pena definitiva se não houvesse o acordo de delação premiada que pode resultar no perdão judicial, redução da pena ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Cabe somente ao julgador conceder o benefício.
Pedro José Barusco Filho, ex-gerente executivo da Petrobras: condenado a 20 anos, três meses e 10 dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Essa seria a pena definitiva se não houvesse o acordo de delação premiada que pode resultar no perdão judicial, redução da pena ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Cabe somente ao julgador conceder o benefício.
Alberto Youssef, doleiro: condenado a 20 anos e quatro meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Essa seria a pena definitiva se não houvesse o acordo de delação premiada que pode resultar no perdão judicial, redução da pena ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Cabe somente ao julgador conceder o benefício.
À tarde, a defesa de Marcelo Odebrecht emitiu uma nota comentando a condenação. Veja, na íntegra:
"A sentença condenatória proferida contra Marcelo Odebrecht é manifestamente iníqua e injusta porque não encontra fundamento nas provas produzidas nos autos da ação penal, como antecipadamente demonstrou a defesa em suas alegações finais, cuja fundamentação passou ao largo da decisão agora divulgada: os delatores isentaram Marcelo Odebrecht; os corréus isentaram Marcelo Odebrecht; as testemunhas isentaram Marcelo Odebrecht; e os documentos produzidos não vinculam Marcelo Odebrecht a qualquer ilícito investigado na Operação Lava Jato. Com efeito, com o devido respeito, a condenação imposta só pode ser concebida como grave erro judiciário ou como expressão de puro arbítrio do julgador. A defesa de Marcelo Odebrecht continuará lutando por sua liberdade e por sua inocência perante as instâncias superiores, estando, mais do que convicta, certa de que a justiça prevalecerá com a sua completa absolvição.
Brasília, 08 de março de 2016 – Nabor Bulhões"