O poder público acaba de anunciar uma triagem de todos os motoristas de táxi de Porto Alegre, para separar criminosos de profissionais honestos. Prova da necessidade desse crivo é a situação de um personagem conhecido das ruas da Capital, o taxista Sérgio Renato Borba Feltrin, 62 anos, conhecido como Sérgio Santa Maria (em referência à cidade de origem). A Justiça Estadual tornou-o réu na sexta-feira, acusado de usar sua rede de 13 táxis para lavar dinheiro do traficante Alexandre Goulart Madeira. Xandi, que era um dos líderes da facção criminosa conhecida como Os Manos, foi morto a tiros de fuzil em janeiro de 2015.
Trecho da denúncia do MP:
Importa esclarecer que Sérgio Borba Feltrin desempenhava "in loco", na própria sede, distribuindo os motoristas, controlando valores para a organização criminosa, e assegurando o bom desempenho dessas atividades, garantindo o branqueamento do lucro do tráfico.
Sérgio Santa Maria tem o apelido de "Barão das Placas" por administrar uma frota de carros. Ele vendia ou alugava a permissão de uso desses táxis, ilegalmente - só poderia transferir veículos para colegas se isso não fosse remunerado, mas ele cobrava. Ficou evidenciado que Sérgio era uma espécie de corretor de placas, procurado por quem pretende comprar, vender ou alugar uma licença.
"Barão das Placas" controla uma frota de 30 táxis irregulares em Porto Alegre
Aquilo que era apenas suspeita contra Sérgio Feltrin - a de que ele administra de forma ilegal uma frota de táxis - virou agora caso judicial. Ele e cinco colaboradores (também permissionários de táxi) foram transformados em réus por lavagem de dinheiro do tráfico e organização criminosa (formação de quadrilha). Conforme denúncia das promotoras de Justiça Ana Lúcia Cardoso da Silva e Roberta Brenner de Moraes, a rede de licenças de táxi administrada por eles servia tanto para disfarçar dinheiro do tráfico quanto para o uso no transporte da quadrilha de Xandi. Eles inclusive transportariam armas e drogas nos veículos, conforme a Polícia Civil.
EPTC suspende permissão de 13 táxis ligados a suspeitos de integrar quadrilha de Xandi
Como há escassez de táxis para quem se interessa pelo negócio - a frota não cresce há décadas na Capital -, o "Barão" recebia ofertas de até R$ 430 mil para venda de um táxi credenciado. Disfarçava a venda ou aluguel de veículos colocando "laranjas" para dirigir os carros autorizados, como ficou comprovado em reportagem publicada por ZH em junho de 2011.
Na ocasião, o repórter Francisco Amorim acertou com Sérgio a compra ilegal de uma licença para explorar um táxi. A negociação foi gravada em vídeo. Ele cobrava valores de R$ 230 mil a R$ 430 mil por um veículo licenciado pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) e, na época, calculou-se que pode ter faturado R$ 10 milhões com isso. Oficialmente, o "Barão" consta na EPTC como permissionário de apenas um táxi na Capital, desde os anos 90. Perante a EPTC, Sérgio Feltrin teve a licença suspensa e corre risco de cassação.
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Alegação de doença e prisão domiciliar
O próprio Xandi teria procurado Feltrin, que vendeu táxis para ele, por meio de contratos de gaveta envolvendo ele e outros 12 permissionários. Em cinco anos foram detectados pelo menos R$ 18 milhões em transações financeiras do bando, mas a estimativa é de que até cinco vezes esse valor tenham passado pela quadrilha. O cálculo foi feito por um grupo de agentes da Polícia Civil. Eles cruzam dados de quebras de sigilos bancários, financeiros e telefônicos, por meio de softwares que detectam movimentações pouco usuais.
Operação policial mira em contabilidade da quadrilha de Xandi
Feltrin chegou a ser preso em outubro pela Polícia Civil, suspeito de lavar dinheiro do tráfico. A prisão foi transformada em domiciliar, porque o réu alegou problemas de saúde - doenças de mobilidade e memória. O juiz Orlando Faccini Neto, da 8ª Vara Criminal de Porto Alegre, também determinou congelamento das contas bancárias dele e outros processados por vínculo com o traficante Xandi.
O ESQUEMA
Como funcionaria a lavagem, segundo o Ministério Público Estadual (MPE)
- A quadrilha de Xandi localizava um permissionário de táxi (com licença da prefeitura para atuar) e oferecia a ele valores entre R$ 50 mil e R$ 75 mil para que cedesse o veículo para exploração pelo bando. Além disso, pagava aluguel entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil a quem cedesse o carro. Firmava com os permissionários um "contrato de gaveta", que estabelecia devolução do dinheiro e dos veículos à quadrilha de Xandi, caso o contrato fosse rompido. A quadrilha seria "recompensada" com o dinheiro das corridas de táxi.
- Cinco permissionários emprestavam seu nome como "donos dos veículos", mesmo sabendo que serviam à quadrilha de Xandi. Nos documentos oficiais, incluindo Imposto de Renda, eram eles os "laranjas" com nome usado para legalizar a exploração dos táxis pela quadrilha. O dinheiro arrecadado por dia com o táxi era encaminhado a Sérgio Feltrin e por este à Xandi ou sua companheira.
CONTRAPONTO
O que diz Marcelo Fonseca do Nascimento, advogado de Sérgio Feltrin
"Meu cliente ignora qualquer relação dos táxis com tráfico. Eu prefiro não comentar o caso antes de ler as 5 mil páginas do processo". Em depoimento à Polícia Civil, Sérgio Feltrin admitiu conhecer Xandi e ter alugado quatro táxis para ele. Ele disse ainda ter dívidas com Xandi, mas não confirmou saber que se tratava de um traficante.