Prezado Papai Noel:
Provavelmente não mereço, mas queria pedir um presente, ou melhor, um presentão. Não fui boa menina: pratiquei poucos exercícios, estudei pouco, comi muito, encontrei menos minhas pessoas queridas do que considero importante, queixei-me da situação política e econômica mais do que ajudei a debelá-la. Mas, mesmo assim, vou lhe dizer o que desejo.
Queria muito uma "penseira". Como talvez o senhor não seja leitor de Harry Potter, lhe explico do que se trata o objeto cobiçado. O jovem bruxo dessa saga estuda numa escola chamada Hogwarts, na qual seu diretor, Alvo Dumbledore, é um ancião muito sábio e sobrecarregado de preocupações. Estou eu também tornando-me uma senhora madura cheia de preocupações, embora a sabedoria seja questionável. Pois bem, para administrar a sobrecarga de pensamentos importantes, Dumbledore dispõe de uma penseira em seus aposentos.
Trata-se de uma bacia de pedra rasa, contendo em seu interior uma substância leitosa e prateada sempre em movimento. O diretor encosta sua varinha na têmpora e retira alguns dos pensamentos dos quais não necessita no momento. Eles saem sob a forma de uma espécie de raio e são depositados na penseira, onde ficam disponíveis para serem consultados quando necessário.
Pessoas dos 50 em diante, como eu, tendem a fiscalizar sua memória com a atenção de um cão pastor e o pânico de um animal acuado. Qualquer falha liga o alarme das fantasias do envelhecimento e da demência. Por outro lado, a esta altura, estamos sobrecarregados de um enorme acervo de rostos, vozes, eventos, ideias e fantasias. É muita gente e muita coisa para manter vivo na memória, óbvio que algumas delas terão que descansar em algum tipo de bastidor leitoso e prateado.
Quando não conseguimos lembrar algo, mesmo que seja o nome de um ator coadjuvante de um filme dos anos 70, entramos em pânico: é o Alzheimer batendo! Por isso, penso que se tivesse uma penseira saberia onde está tudo aquilo que não consigo evocar imediatamente quando preciso. Assim, poderia tranquilamente revolver a penseira com a varinha e resgatar a memória fugidia, considerando natural de que ela esteja lá e não dentro de mim. Teria certamente a calma que me falta quando começo a procurar a memória que não se apresenta à consciência com prontidão. Qualquer um sabe que aquilo que buscamos com angústia tem a teimosia de se esconder.
Na verdade, na falta de um objeto mágico desses, desenvolvi a paixão por cadernos, caderninhos e cadernões. Tenho-os para todos os fins: anotações de leituras, horários, sonhos, pautas para colunas, finanças, planejamentos variados. Adoro essas minhas memórias auxiliares e as consulto o tempo todo. Portanto, caro Papai Noel, se não encontrares penseira no mercado vou precisar de mais caderninhos...