Uma das mais aguardadas iniciativas do governo do Estado, o Complexo Prisional de Canoas já colhe polêmicas antes mesmo de ser inaugurado. Um estudo realizado a pedido da prefeitura canoense aponta problemas nos espaços destinados à ressocialização dos presos, como as salas de aula e os locais para trabalho - considerados diminutos e em número insuficiente.
O estudo foi feito pelo sociólogo e consultor em segurança pública e direitos humanos, Marcos Rolim, a pedido do prefeito de Canoas, Jairo Jorge. Foi uma contribuição a partir de uma visita, salienta Jorge. O documento, de 25 páginas, foi enviado ao governador José Ivo Sartori e ao secretário de Segurança Pública, Wantuir Jacini, que se comprometeu a analisar os apontamentos e tentar equacionar os ajustes necessários. O prédio do Canoas1, o primeiro de quatro presídios previstos, está 99% concluído.
A Nota Técnica sobre o Presídio de Canoas foi feita após análise no complexo, durante visita no dia 28 de outubro. Rolim fez diversos apontamentos e sugestões em relação à educação dos apenados, trabalho, celas, iluminação, espaço para visitas íntimas, estruturas das visitas, galerias, cantinas, entre outros. Confira alguns pontos levantados pelo especialista:
Trabalho prisional - no presídio de Canoas não há previsão para áreas de formação profissional e trabalho prisional. As salas que poderiam ser utilizadas para este fim são minúsculas e não podem receber maquinários ou projetos que demandem espaço. Ainda que nelas seja instalada alguma alternativa profissionalizante, será possível acomodar alguns poucos internos apenas. O projeto arquitetônico não se preocupou com a oferta de formação profissionalizante e trabalho prisional, o que configura desrespeito à Lei de Execuções Penais (LEP).
Educação - Foi observado o mesmo problema quanto aos espaços para atividades pedagógicas e salas de aula. O projeto também não partiu do pressuposto de que a educação é um direito do preso e uma necessidade pública. Ambas as lacunas produzirão ociosidade, maximizando o sofrimento da privação da liberdade, em nova violação à LEP.
Celas coletivas - O complexo penitenciário de Canoas não ficará superlotado com o decorrer dos anos, porque ele já foi concebido para ser superlotado. As celas do complexo são para oito presos cada. Em cada parede lateral, há quatro camas de concreto, dispostas duas em baixo, duas em cima. Ao fundo da cela, há dois espaços pequenos, sem porta, onde estão dois vasos sanitários e dois chuveiros. Na parede do fundo, há uma janela, insuficiente para aeração e iluminação natural. É tão pequeno o espaço que não há a possibilidade de instalação de qualquer outro equipamento ou mobiliário, sequer prateleiras. Originalmente, a LEP previa cela individual para os presos.
Pátio - Os prédios possuem um espaço denominado "pátio", como extensão de um refeitório coberto. São áreas também muito reduzidas. Eles são cercados por paredes muito altas e cobertos por uma tela - planejada para impedir o arremesso de objetos. Pelo tamanho da área, não será possível a prática de exercícios ou de esportes. Além disso, sua conformação impede um bom ângulo de incidência para os raios solares. Salvo no horário em torno das 12h, não haverá sol ali, apenas luminosidade. Por esta razão, entendo que a expressão adequada para este espaço é "poço de luz".
Visitas íntimas - Cada prédio possui três quartos para visitas íntimas. Trata-se de uma das poucas iniciativas meritórias da planta. O problema é que, pela lotação planejada, será impossível ajustar os horários das visitas de tal modo que estes espaços possam dar conta da demanda. Esta limitação será também criadora de tensionamento interno e poderá dar margem à seleção arbitrária de presos "merecedores" da visita e/ou agenciar dinâmicas internas de "compra" de acesso.
Visitas comuns - O complexo não possui uma estrutura adequada para recebimento de visitas. Não há equipamentos, nem salas ou brinquedoteca. Também não se dimensionou a demanda real de visitas. O complexo foi projetado para 2.800 presos. Para esta quantidade de internos, é possível que tenhamos 200 mil visitas/ano. A grande maioria dos visitantes será submetida a longos períodos de espera para passagem pelos detectores de metal e para que suas sacolas sejam escaneadas. Não há espaço externo para abrigá-las do sol ou da chuva.
Inexistência de cantinas - O estabelecimento não contará com cantinas. A Lei de Execução Penal, entretanto, estabelece: o estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais,locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração. Novo desrespeito à legislação e outra forma de tensionar as relações internas desnecessariamente.
O prefeito canoense endossa as observações feitas por Rolim, mas enfatiza que agora é tarde para grandes reformas, já que o presídio está pronto. Ele diz que a prefeitura oferece arquitetos para ampliar módulos de sala de aula e trabalho, além de adaptações nos pátios e salas de visita. Além disso, pode intervir para melhorar espaços nos três outros presídios previstos para Canoas.
- Agora vamos ajeitar a prisão no que for possível melhorar. Cela individual não terá, infelizmente - pondera Jairo Jorge.
O VAIVÉM DE UMA OBRA