A guerra política instalada com a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff tirou de vez do vocabulário de deputados e senadores o termo, até então, mais citado ao longo de 2015: ajuste fiscal. Na mesma semana em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou resultados nada animadores para o país - outra retração forte no PIB e mais uma disparada da inflação -, não sobrou tempo para governistas ou oposicionistas se preocuparem com contas públicas.
Sem atenção necessária do Congresso, mergulhado em conflito político, economistas, acadêmicos e analistas de mercado avisam: a tormenta que assola a economia brasileira deve piorar em 2016, e o azul no horizonte pode estar mais distante do que se imaginava. Está cada vez mais difícil para o grande barco Brasil navegar em águas turbulentas e sob impacto de dados negativos que mais parecem ondas, vento e chuva.
O contido otimismo observado no início do ano com posse de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda foi se desfazendo ao longo dos meses com a dificuldade de aprovar mudanças consideradas fundamentais. Se em janeiro a expectativa do mercado era de que a economia ficasse praticamente estagnada, com modesto avanço de 0,15% em 2015, em dezembro as projeções são de retração de 3,5%, a maior em 25 anos. Se naquela época empresários já se despediam felicitando 2016, hoje desejam Feliz 2018 e há quem espere por 2019 com ansiedade.
- As coisas mudaram após a prisão do senador Delcídio Amaral. O debate em torno do impeachment, que aparentemente havia sido superado, tomou conta. Se havia dificuldade em discutir medidas, como a reforma da Previdência, hoje isso sequer conversado. O fundo do poço, espera-se, será em 2016. Resolvido o conflito político, é mais fácil a recuperação da confiança do setor privado - afirma Roberto Elerry, professor da Universidade de Brasília.
Com o cenário turbulento, é difícil fazer uma previsão segura de quando a economia de fato deixará de piorar. É mais fácil identificar o ritmo da queda, que deve ocorrer de forma mais lenta no próximo ano. A expectativa é de que o PIB volte a ficar acima de zero e a inflação retorne para dentro da meta do governo em 2017. Isso se o conflito político amainar na largada de 2016.
Se é verdade que a turbulência vivida hoje é reflexo de escolhas ruins nos últimos anos, também é fato que o cenário externo está longe de ser favorável - como já foi. A retomada dependerá de dois pontos relevantes: o tamanho da desaceleração da China, principal cliente de matérias-primas brasileiras, e a mudança na política monetária americana.
Os dois movimentos são tidos como certos mas ainda há dificuldades para medir os impactos efetivos no Brasil. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta avanço asiático de "apenas" 6,5%, o menor em décadas, e a presidente do banco central dos Estados Unidos, Janet Yellen, sinalizou que, com a "boa performance" da economia americana, o juro pode subir nesta semana, causando mais pressão sobre o câmbio aqui.
Isoladamente, 2015 será o terceiro ano mais desastroso para economia brasileira - só 1981 e 1990 foram piores. Se observado o comportamento trimestral, a preocupação aumenta. Nos últimos oito trimestres, houve recuo da atividade econômica em seis, indicando que a crise atual é mais estrutural que as anteriores, em geral mais agudas. Lembra a situação de países que enfrentam situações de guerra, como Rússia (-3,8%), Iêmen (-2,2%) e Ucrânia (-5,5%), conforme projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 2015.
- O cenário de 2015-2016 é completamente diferente de 2002-2003, quando houve problemas fiscal e com câmbio. A China desta vez se retrai e pode até entrar em choque. Se subirmos mais o juro, como em 2002, a iniciativa privada entra em colapso. A solução passa necessariamente por organização das finanças públicas e corte nas despesas ditas obrigatórias - afirma o economista Paulo Rabello de Castro.
Coordenador do Movimento Brasil Eficiente, Castro sugere que o governo deixe de dar "reajustes inflacionários a certas castas" e pare de cortar investimentos.
A solução ideal varia conforme a cartilha ideológica, mas economistas de diferentes matizes concordam que são necessários ajustes. A discordância refere-se à intensidade das medidas de correção. Em mar revolto, força a mais ou força a menos pode fazer o barco virar.
Retomada do crescimento somente em 2017
O que dois anos atrás parecia um simples quadro de desaceleração econômica logo passou a ser encarado como período de estagnação. Depois, veio a chamada recessão "técnica". Agora, o risco, apontam economistas, é que o país caminhe para depressão mais profunda, embora ainda haja certa dificuldade de conceituar quando uma se torna a outra.
Entre as poucas certezas está a que 2016 será outro ano de recuo no Produto Interno Bruto (PIB) - será a primeira vez que o país registra dois anos seguidos de contração na economia (a série histórica oficial, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística tem início em 1948). Mas não há como garantir que seja o fundo do poço, apesar de a maioria das projeções de analistas e consultorias apontar o segundo semestre de 2017 como início de uma recuperação.
- O mais preocupante é a forte queda da formação bruta de capital (o investimento), que compromete o crescimento futuro. Se não houver uma reação, a queda do PIB tende a ser ainda pior do que se espera hoje - alerta Thaís Marzola Zara, que coordena o departamento de macroeconomia da Rosemberg & Associados.
Evidentemente, as projeções de analistas estão sujeitas a constantes revisões e mudanças. O problema é que realmente ainda não há sinais encorajadores para quem pretende exercitar o otimismo. Nos últimos dois trimestres, com as dificuldades do governo em aprovar medidas de ajuste e retomar a confiança do empresariado, bancos e consultorias passaram a revisar as próprias estimativas para baixo. Por enquanto, o impeachment ainda não faz parte do cenário-base, mas a percepção é que a solução para o conflito político será positiva para a economia e que 2017 não deve ser tão contagiado pelo pessimismo quanto 2016.
- Só o efeito estatístico já garante 2,2 pontos percentuais a menos de PIB no próximo ano. É o chamado carry over, que ocorre pelo fato de o resultado do PIB ser calculado por meio de uma média. Assim, como os últimos trimestres de 2015 devem estar abaixo da média do ano, 2016 já começa no terreno negativo - afirma Thiago Curado, da consultoria 4E.
Fábricas ainda em retração
Quando a economia brasileira ainda navegava em um mar de tranquilidade e sequer se pensava em crise, a indústria foi o primeiro setor a dar sinais de que algo não andava tão bem. Enquanto agropecuária e serviços avançavam, a produção industrial estacionou e, de 2011 para cá, só recuou. A expectativa é de que continue andando para trás também em 2016.
O aumento de custos ao longo do ano tem sufocado ainda mais a produção, que, no acumulado de 2015, já caiu 11%. Energia mais cara e alta no custo de insumos, por conta da valorização do dólar, tornam-se uma pressão extra em um setor fragilizado.
- Desde 2008, a vida do empresário de indústria não tem sido fácil. Mas, antes, o problema era em parte compensado pelo volume robusto de investimento externo, o que não tem acontecido mais. Continuamos não inseridos em grandes cadeias globais e reféns de problemas estruturais, que minam a possibilidade de solução no curto prazo - avalia Julio Sergio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica e um dos maiores especialistas do tema no país.
A chance de fôlego maior está no dólar alto, mas o efeito é limitado. Empresários reclamam da oscilação forte da moeda, o que impede planejamento de investimentos de médio e longo prazo.
- A desvalorização do real acaba por não compensar outros fantasmas do setor industrial, como a falta de acordos comerciais. O horizonte ficou muito resumido ao mercado interno - afirma o economista Marcos Troyjo, diretor do BricLab, na Universidade de Columbia, em Nova York.
Sem vagas e com salário menor
Em alta desde o início do ano, o desemprego já chega a 7,9% da população economicamente ativa em 2015 - o dado mais recente é de outubro. Fechamento de vagas temporárias após festas de final de ano deve ajudar a empurrar a taxa a dois dígitos em 2016.
O corte de postos de trabalho, que afetou até agora principalmente a indústria (há perda de empregos em todos os 18 ramos pesquisados pelo IBGE), deve aparecer com mais força também no comércio, que demonstra uma diminuição da resistência à recessão. O professor Anselmo Santos, do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp, chama atenção para a redução do salário médio.
- Tem havido demissões de um lado e as contratações que ocorrem tem sido com salários menores. A taxa de desemprego mostra caráter perverso da crise, mas de certa forma também mascara a perda de poder aquisitivo das pessoas. É ainda pior do que parece - afirma Santos.
Economista e professor da PUC-Rio, José Márcio Camargo diz que pode ocorrer uma recuperação leve só a partir de 2017 e que, antes disso, a taxa de desemprego continuará a subir
- Devemos terminar o próximo ano com desemprego em torno de 11% ou mais se a crise política instalada em Brasília se arrastar por um período mais prolongado. Acho difícil o governo conseguir segurar, pelo fato de que a confiança dos empresários já caiu de tal forma que ninguém hoje está disposto a investir. Se não for feito o ajuste, a inflação vai subir e os salários vão cair. Não tem muito como fugir disso - descreve Camargo.
Estratégia correta é essencial para segurar alta de preços
Após ultrapassar 10% em 12 meses, a inflação passa a ser um dos problemas mais delicados para a equipe econômica nos próximos meses. Se adotar a estratégia errada agora, avaliam especialistas, o Banco Central (BC) pode permitir uma nova disparada nos preços em 2016 ou aprofundar a recessão sem necessidade.
A questão que separa economistas de diferentes vertentes ideológicas também divide os diretores do BC, indica a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom): a recessão fará com que os preços avancem naturalmente de forma mais lenta ao longo de 2016 ou será preciso continuar elevando o juro para que isso ocorra?
Depois de sete altas consecutivas, o BC tem optado, desde setembro, por manter a taxa em 14,25%, mas a aceleração forte dos preços em outubro e novembro tem reforçado o argumento dos críticos.
- Se a existência de recessão fosse condição suficiente para estabilização de preços, não teríamos inflação recorde na década de 1980. O BC tem tido duas limitações importantes que o impedem de aumentar a taxa: a recessão e a dívida pública. Aceita essa paralisia, que é real, precisamos pensar em alternativas - afirma Monica de Bolle, doutora em economia pela London School of Economics e pesquisadora do Peterson Institute, que sugere o uso da taxa de câmbio como uma opção.
Se o recuo econômico não foi suficiente para aplacar o ritmo da inflação, tampouco fez efeito o forte aumento de juro, já que grande parte da alta veio do reajuste das tarifas administradas pelo governo, lembra José Luiz da Costa Oreiro, professor de economia da UFRJ e presidente da Associação Keynesiana Brasileira. Para ele, continuar elevando a Selic só vai causar depressão econômica.
Uma alternativa seria o BC adotar uma "meta ajustada de inflação" para 2016 e 2017. A ideia seria suavizar a trajetória do IPCA perseguida pelo BC nos próximos anos. Isso já ocorreu entre 2003 e 2005, com bons resultados.
Valorização do dólar segue e pressionará índice de inflação
"Taxa de câmbio é invenção de Deus para humilhar economistas." A frase, bastante comum entre acadêmicos e analistas que acompanham a área, exemplifica bem a dificuldade que especialistas têm de prever com certa segurança o comportamento do dólar. Apesar disso, não há quem ouse dizer que o preço da moeda americana cairá ao longo dos próximos meses. As dúvidas resumem-se basicamente à altura do topo e à capacidade do Banco Central (BC) de suavizar a escalada.
A mais recente projeção do mercado financeiro é de que a moeda chegue ao final de 2016 valendo R$ 4,20, aproximadamente 10,5% a mais do que hoje, mas especialistas em câmbio arriscam dizer que o valor possa chegar a R$ 5, depois de confirmada a perda de grau de investimento do país por agências de classificação de risco. No meio da semana, a Moody's anunciou que está em processo de revisão da nota brasileira, seguindo o caminho já trilhado pela Standard & Poor's em setembro.
- O downgrade do país seria um tranco forte neste momento de absoluto caos na economia. Somado ao aumento do juro americano, vai estimular a saída de recursos de qualidade do mercado financeiro e, ao mesmo tempo, provocar a contração dos ingressos, mesmo aqueles para o setor produtivo - avalia Sidnei Moura Nehme, economista e diretor-executivo da NGO Corretora.
Se as turbulências domésticas vêm afastando investidores estrangeiros, nos próximos meses é a possibilidade de aumento de juro americano, cada vez mais concreta, que assusta. Apesar de o BC ter instrumentos para suavizar a alta do dólar, boa parte das reservas cambiais está comprometida com mecanismos adotados nos últimos meses. Atualmente, o BC tem cerca de R$ 110 bilhões negociados em contratos no mercado futuro.
- O governo pode tentar estabilizar o barco, içando velas, distribuindo melhor o peso, mas não vai conseguir mudar a direção da maré. Levando em conta que o câmbio interfere na inflação no curto prazo, o BC deve dar atenção especial ao assunto - resume João Ricardo Costa Filho, economista da consultoria Pezco Mycroanalysis.