O governo de Santa Catarina não sabe qual o custo mensal de um apenado. Desconhece o índice de reincidência daqueles que ocupam seus presídios e penitenciárias superlotados e carentes de recursos humanos. Mantém mulheres presas em presídios masculinos e suspeitos que aguardam julgamento trancafiados em unidades destinadas àqueles que já foram condenados, em desobediência à Lei de Execução Penal no que diz respeito à alocação de presos.
Esses e outros apontamentos fazem parte de um relatório divulgado na primeira semana de novembro pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina. O documento é resultado de uma auditoria operacional na gestão do sistema prisional catarinense realizada entre outubro de 2012 e março de 2013. A iniciativa partiu do próprio TCE, que, em 2012, definiu segurança pública como um dos temas de maior relevância para a fiscalização. Naquele ano, o sistema prisional passava às mãos da recém-criada Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania (SJC) – até 2011, estava sob responsabilidade da Secretaria de Estado da Segurança Pública.
Após a conclusão do levantamento, o pleno do tribunal decidiu, em 19 de dezembro de 2014, que a secretaria teria 30 dias para apresentar um plano de ação que fixasse prazos para a adoção de providências que atendessem a uma série de determinações do TCE, entre elas, o cálculo do custo mensal do apenado dentro do sistema e a correção de problemas estruturais das unidades.
Secretaria prometeu ações até 2017
No dia 30 de março, a SJC entregou ao TCE um plano de ação para resolver os apontamentos do relatório, mas, no dia 6 de julho, a Diretoria de Atividades Especiais do tribunal informou ao governo do Estado que o documento precisava de ajustes. No dia 11 de setembro, o documento voltou para o TCE e foi repassado ao Ministério Público junto ao tribunal no dia 11 de novembro, para elaboração de parecer. Depois, o processo será encaminhado ao relator, para elaboração de relatório e proposta de voto a ser submetida ao pleno.
A secretaria afirma que o quadro de agentes penitenciários foi ampliado em julho, passando de 2,1 mil para 2,5 mil vagas, e que 266 novos agentes foram formados em outubro. Segundo a SJC, diversas unidades prisionais estão com plano de reforma e melhoria de infraestrutura sendo executados até o final de 2016 e há previsão de construção e ampliação de unidades prisionais até o primeiro trimestre de 2017. O cálculo do valor de custeio de cada preso dentro do sistema deve ficar pronto ainda em dezembro, segundo a SJC. O índice de reincidência está em teste no Sistema Oficial de Administração Prisional do Estado.
Principais apontamentos
1 - Custo mensal por preso
O TCE descobriu que a secretaria não calcula quanto cada preso custa por mês aos cofres públicos. Esse cálculo é uma exigência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Cada Estado deve informar o custo do preso, por unidade prisional, todos os meses. Para descobrir o valor, a equipe da auditoria fez as contas para o mês de dezembro de 2012, com base em informações oficiais da secretaria.
Custo médio por preso: R$ 1.649,03
Custo médio em unidades administradas por empresas: R$ 3.010,92
Custo médio em unidades administradas pelo Estado: R$ 1.544,41
Custo total: R$ 24.578.792,15 para 14.905 apenados
2 - Superlotação
A auditoria descobriu que, dos 49 estabelecimentos penais de SC, apenas quatro não estavam superlotados em dezembro de 2012. À época, o Estado havia lançado o Pacto Pela Segurança, que previa novas vagas, mas, segundo a auditoria, seriam insuficientes.
14.905 apenados
10.431 vagas (dezembro de 2012)
Déficit de vagas: 4.474 (30% do total)
Pacto pela Segurança+ 6.736 vagas- 1.250 vagas (desativadas)
Saldo: 5.486 vagas até 2015
Aumento de 30,8%
Índice de crescimento da população carcerária: 9% ao ano (segundo o Ministério da Justiça)
Dezembro de 2016 (estimativa para SC, Ministério da Justiça)
População carcerária: 21.390
Vagas no sistema prisional: 16.061
Déficit de vagas: 5.329 (30% do total)
3 - Alocação de presos
A Lei de Execução Penal determina que quem aguarda julgamento deve ser acomodado em um presídio, cadeia pública ou central de triagem. Quem já foi julgado cumpre pena na penitenciária. Quem está no regime semiaberto fica em colônias agrícolas ou industriais ou em alas específicas de penitenciárias e quem está no regime aberto tem de dormir na casa do albergado. A mesma lei estipula que a alocação de presos deve respeitar critérios como gênero e idade. A auditoria descobriu que, para milhares de apenados, essas regras básicas não eram respeitadas em dezembro de 2012 em Santa Catarina.
- 2.394 homens
- 457 mulheres deveriam estar em penitenciárias, mas estavam em presídios
- 1.615 homens e 253 mulheres estavam em presídios ou penitenciárias, mas deveriam estar em colônias agrícolas e industriais.
- 1.150 homens e 88 mulheres estavam em presídios, mas deveriam estar dormindo nas casas do albergado.
- 13 mulheres que aguardavam julgamento estavam em presídios masculinos.
- 50 homens que deveriam estar em presídios, já estavam em penitenciárias, como se tivessem sido condenados
4 - Reincidência
A auditoria constatou também que, a exemplo do custo mensal por preso, o Estado não forneceu ao Ministério da Justiça as informações sobre reincidência dos apenados nos anos de 2010, 2011 e 2012. A exceção foi a Penitenciária Industrial de Joinville, administrada em parceria com a iniciativa privada.
5 - Agentes penitenciários
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária estabelece que os Estados devem possuir, no mínimo, um agente penitenciário para cada cinco presos trancafiados em presídios e penitenciárias.
Sistema prisional catarinense deveria ter 2.475 agentes, mas só tinha 1.544 em dezembro de 2012.
6 - Equipes de saúde e assistência social
O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária exige que, para cada 500 presos, haja pelo menos um profissional de cada uma das oito profissões técnicas do sistema prisional: médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, odontólogo, auxiliar de consultório dentário, psicólogo, nutricionista e assistência social.
Em dezembro de 2012, o sistema prisional de Santa Catarina deveria empregar 200 destes profissionais (25 de cada profissão), mas contava com 156.
O que o TCE solicitou ao estado
- Passar a calcular o custo total do preso por mês no sistema e em cada unidade e informar os valores ao Ministério da Justiça.
- Disponibilizar vagas compatíveis com a necessidade do sistema carcerário.
- Adequar o número de agentes penitenciários à população carcerária
- Corrigir problemas de infraestrutura das unidades.
- Passar a registrar o índice de reincidência dos apenados.
- Obedecer a Lei de Execução Penal no que diz respeito à alocação do preso, levando em conta o gênero.
- Adequar o número de profissionais da equipe técnica de saúde e assistência social dos estabelecimentos penais.
- Limitar a capacidade máxima dos futuros estabelecimentos penais de acordo com resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
- Realizar a manutenção corretiva e preventiva das unidades do sistema prisional, no tocante à infraestrutura, equipamentos de segurança e sistema de incêndio.
- Garantir tratamento igualitário aos presos do sistema de cogestão e de administração direta, especialmente quanto à assistência material e à saúde.