Leandro Boldrini reconstituiu a sua versão sobre a morte de Odilaine Uglione por duas horas no prédio em que mantinha um consultório, no centro de Três Passos, na tarde desta quarta-feira. Ao sair à rua, ouviu gritos de "assassino" vindos das pessoas que se concentravam ao redor do edifício.
Boldrini chegou ao Centro Clínico São Mateus às 13h30min em um camburão da Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Vestia calça jeans, uma camisa polo da cor branca sob um colete à prova de balas e tênis. Tinha as mãos algemadas às costas e, com fome e sede, comeu bolachas e bebeu água antes do início da representação. Recusou, porém, uma fruta que lhe foi oferecida.
O médico permaneceu na sala onde ficava o consultório, no terceiro andar do prédio, por cerca de uma hora e meia. Ao entrar, quis saber quem estava no local - e foi tranquilizado ao ser informado de que se tratava de servidores da Polícia Civil e do Instituto-Geral de Perícias (IGP).
Cada passo dado no dia em que Odilaine morreu foi encenado pelo médico, investigado pelo caso, e fotografado por peritos. No depoimento dado à Polícia Civil em novembro (testemunho que embasou a reconstituição), Boldrini havia dito que ainda estava na sala quando ouviu o estampido do tiro que matou a mulher e que, logo após, desceu até a farmácia localizada no térreo do prédio.
Essa cena foi reproduzida às 15h desta quarta-feira. Assim que a imagem do médico surgiu atrás da porta de vidro que leva ao estabelecimento, as pessoas que acompanhavam a movimentação do lado de fora protestaram.
- Assassino! Não pesa a tua consciência? - berraram.
Por orientação da defesa, o médico não reproduziu o momento em que diz ter corrido em direção ao consultório de um amigo, distante a poucos metros de seu consultório. O diretor do Departamento de Criminalística do IGP, Paulo Frank, avaliou que a ausência não irá prejudicar o resultado da reprodução.
Às 15h30min, Boldrini deixou o edifício e retornou à Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc). No local, ele está preso desde abril de 2014, por suspeita de envolvimento na morte do filho, Bernardo.
Para participar da reconstituição, o médico foi escoltado por um forte esquema de segurança. A Brigada Militar ampliou o isolamento nas ruas próximas e espalhou policiais no entorno do edifício. Ao todo, eram 25 homens e mais de 10 viaturas.
Solicitada pela Polícia Civil ao IGP, a chamada Reprodução Simulada dos Fatos (RSF) tem por objetivo elucidar o envolvimento de Boldrini na morte da então esposa.
Investigação, à época do ocorrido, apontou se tratar de um suicídio - mas acabou reaberta em 2010. Responsável pelo inquérito, o delegado Marcelo Lech pediu à Justiça que a conclusão seja prorrogada por 60 dias.
- A investigação terá continuidade em 2016, sem que se possa precisar uma data específica para o encerramento, até porque novas diligências serão realizadas, a exemplo de oitiva de testemunhas - disse Lech.
Os trabalhos de reconstituição se dividiram entre terça e quarta-feira - além de Leandro, outras 11 testemunhas participaram da simulação. Entre elas, a secretária Andressa Wagner, apontada por perícia particular como autora da carta de suicídio assinada por Odilaine. Ela nega que tenha escrito o texto.
- Surpreendentemente, tivemos, ao final, um discurso isolado por parte da secretária do médico, falando que ele teria ficado segundos na sala, enquanto todos os presentes referiram o tempo de cinco minutos na sala juntamente com Odilaine - relatou Marlon Taborda, advogado da mãe de Odilaine, Jussara Uglione.
A MORTE DE ODILAINE
- Odilaine Uglione morreu às 18h50min do dia 10 de fevereiro de 2010, no hospital de Três Passos, horas depois de supostamente atirar contra a própria cabeça, dentro do consultório do marido, o cirurgião Leandro Boldrini.
- Testemunhas viram Odilaine chegar nervosa e entrar na sala para esperar Boldrini.
- Conforme o relato de testemunhas à época, Boldrini saiu correndo da sala e um tiro foi ouvido. Outras testemunhas, no entanto, disseram primeiro ter ouvido tiro e depois, visto o médico sair da sala.
- A investigação da morte foi arquivada com a conclusão de suicídio.
- Depois que Bernardo Uglione Boldrini, filho de Odilaine e de Leandro, foi morto, em abril de 2014, e o pai e a madrasta surgiram como suspeitos do crime, a família de Odilaine passou a tentar reabrir o caso de 2010, sustentando a tese de homicídio.
- A Justiça negou os pedidos até que uma perícia particular indicou que a carta de despedida, encontrada na bolsa de Odilaine, não teria sido escrita por ela, mas sim por uma funcionária de Boldrini à época.
- Assim que o resultado da perícia particular foi tornado público, a funcionária registrou ocorrência por calúnia e forneceu material escrito para que a perícia oficial fizesse a comparação com a carta de suicídio. Essa perícia ainda está em andamento.
- Em maio, o Ministério Público se manifestou pela reabertura do caso e o pedido foi acatado pela Justiça.
- O delegado Marcelo Lech foi designado para conduzir a nova investigação sobre as circunstâncias da morte de Odilaine.