Quando chegou ao campus da Universidade Estadual da Califórnia, em Long Beach, na tarde de 11 de setembro de 2001, para dar sua aula de história, a professora Linda Kelly Alkana foi informada de que as atividades tinham sido suspensas em razão dos "ataques maléficos". Acostumada a lembrar os estudantes de que "maléfico" não é uma categoria útil para se compreender a história, Linda elaborou um questionário para colher dados a respeito da percepção de seus alunos sobre o que ocorrera. As perguntas eram focadas naquilo que cada um entendia que tinha acontecido.
Nos nove anos seguintes, a professora seguiu aplicando o mesmo questionário a cada semestre, totalizando 864 alunos de 18 a 21 anos entrevistados. Em 2011, Linda produziu um interessante estudo sobre as respostas. Esse trabalho deveria ser lido por todos os que afirmam que os ataques de sexta-feira foram o 11 de Setembro da Europa.
Na primeira pesquisa, feita dois dias depois dos ataques, 31 entre 39 estudantes descreveram o que havia acontecido em termos de aviões, prédios e mortes e culpavam vagamente "terroristas" pelos atentados – embora 10 dos 39 tenham mencionado a Al-Qaeda. O último questionário foi aplicado em 10 de maio de 2011, nove dias depois da morte de Osama bin Laden. Desta vez, os alunos tinham oito anos no momento dos atentados. Metade culpava total ou parcialmente a Al-Qaeda, um terço responsabilizava "terroristas", e um respondeu: "A pessoa responsável foi Saddam". Teorias conspiratórias também tinham adeptos. Um estudante escreveu: "De acordo com o governo, eles foram atacados por Osama bin Laden. Mas pessoalmente acredito que foi uma demolição planejada/controlada pelo governo. Cada um tire suas próprias conclusões".
Na conclusão do estudo, Linda escreveu a propósito de um discurso do presidente Barack Obama sobre a ideia de "não esquecer" os atentados de 2001: "Para a maioria dos 800 estudantes que participaram de minha pesquisa nos últimos nove anos, 'não esquecer' o 11 de Setembro claramente não é a questão _ muitos não se lembram do 11 de Setembro com nenhum grau de precisão, e poucos aprenderam sobre isso".
Embora ainda estejamos longe de saber tudo sobre a tragédia de sexta-feira, o que salta aos olhos é que não se trata de um 11 de Setembro. Como eu já havia assinalado na coluna Olhar Global, o único homem-bomba (a imprensa francesa chama-o de "kamikaze") identificado até agora é Ismael Omar Mostefai, 29 anos, nascido numa banlieue (subúrbio) de Paris, condenado oito vezes por delitos comuns entre 2004 e 2010 e que teria passado meses na Síria em 2013. Outros dois seriam franceses com passagem pela Bélgica. A foto de um passaporte sírio obtida por meios obscuros e publicada por um jornal sérvio foi tomada por alguns como evidência de que um dos terroristas teria se passado por migrante – conclusão que seria curiosa se não fosse, sob todos os ângulos, no mínimo apressada.
Nada disso, porém, parece interessar ao presidente François Hollande, sempre o mais afoito quando se trata da Síria e do norte da África. Na sexta-feira, ele anunciou "fechamento de fronteiras" – forma sub-reptícia de incriminar migrantes e sugerir que os terroristas seriam estrangeiros tentando fugir da França _, apenas para se corrigir um dia depois e dizer que haveria apenas "controle". Também anunciou "estado de guerra", sem esclarecer exatamente em que direção os franceses devem marchar.
Se o 11 de Setembro nos ensinou algo, é que histeria em geral e oportunismo em particular sempre rendem bons frutos políticos em momentos de comoção nacional. No meio da confusão, pelo menos um francês trouxe a verdade a público. Em entrevista à rádio RTL, o ex-chanceler Dominique de Villepin disse com todas as letras:
– Não nos esqueçamos que nós criamos o Estado Islâmico. Esses resultados começaram na guerra de 2003 (contra o Iraque). Espera-se que a atual linha adotada pela França seja revertida por seus aliados antes que uma onda de violência antimigrantes e antiislâmica se espalhe pela Europa.