À medida que a lama vinda da barragem de Mariana avança pelas águas do Rio Doce, no Espírito Santo, as chances de um banho despreocupado diminuem na mesma velocidade. As crianças de Linhares, no litoral do Estado, sabem disso e aproveitam para cair na água enquanto é tempo. Os mergulhos, bananeiras e as brincadeiras de pega-pega na água vão acabar dentro de alguns dias.
- A gente vem quase todo dia aqui brincar. Por enquanto ainda dá - diz Lucas, filho de um dos pescadores da cidade, enquanto outros três amigos se divertiam e se refrescavam no rio.
Depois de passar pelo município de Colatina, a tendência é que a lama alcance o território de Linhares entre sábado e domingo. A previsão, no entanto, pode se alterar a qualquer momento em função da instabilidade do trajeto. Há uma série de fatores que influenciam no deslocamento, entre eles a mudança de declividade no trecho e o efeito da maré na região.
A demora soa como uma boa notícia tanto para quem deseja fazer a despedida dos banhos no Rio Doce quanto para pescadores, voluntários e representantes do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) e do Ibama. Eles se apressam para retirar peixes da água e salvar espécies nativas da região na chamada operação Arca de Noé.
Na quinta-feira, a Justiça Federal determinou que Samarco adotasse, em 24 horas, medidas para que a lama que atingiu o Rio Doce com a ruptura da barragem da empresa em Mariana, Minas Gerais, não chegasse ao mar. A mineradora, que pertence à Vale e à anglo-australiana BHP Billiton, será multada em R$ 10 milhões por dia caso a determinação não seja cumprida.
Em um comunicado enviado por e-mail, a Samarco informou que está tomando providências para impedir que a lama chegue ao Oceano Atlântico. Segundo a empresa, nove mil metros de barreiras de contenção começaram a ser instaladas na foz do Rio Doce, em Regência, e seguirão até Linhares.
Ainda conforme a mineradora, os estudos foram realizados em conjunto com a Fundação Pró-Tamar, pescadores da região e representantes do Instituto Chico Mendes (ICM Bio).
Vou viver de quê?
O pescador Augusto Ribeiro, que vive em Marilândia, assistiu com revolta à passagem da lama por Marilândia, município vizinho a Colatina. Acordou ainda na madrugada, por volta das 3h da quinta-feira, mas a mancha só foi aparecer pela manhã.
- De manhã a lama já estava sujando muito rápido. Me assustou. Senti uma tristeza profunda, uma revolta. Infelizmente eu vivo disso, é minha fonte de renda, é como sustento minha família. Vou viver de quê? Não tem nada que repare isso.
Augusto nasceu às margens da ES-248, em uma casa ribeirinha, que foi aumentando ao longo dos anos e ganhou até um campo de futebol perto do rio. Aprendeu a pescar com o pai aos oito anos de idade. Desde lá não parou mais.
- Tô com 54 anos. Nunca fiz nada diferente do que pescar na minha vida. Nem estudar eu estudei, rapaz - conta.
As duas tarrafas que tem em casa sempre garantiram o sustento da família. Nos últimos dias, serviram para resgatar peixes do rio antes da passagem da lama.
- A tarrafa que era no rio, agora só no campo de futebol - brinca o pescador.
No caminho até Linhares, um centro de captação de água foi montado para os municípios que suspenderam o abastecimento pelo Rio Doce. Centenas de caminhões-pipa estacionam em uma área improvisada, à beira da estrada, para carregar 10 mil litros cada com água da Lagoa do Batista.
- Rapaz, o estrago é muito grande. Peixes morrendo, as coisas se acabando, esse lago sofrendo agora com a captação da água. Está bem difícil a situação. A gente trabalha aqui até uma, duas horas da manhã, sem parar, direto, para poder distribuir para a população. Quando chego em casa, nem água na torneira tenho - relata Wenderson Costa, servidor da prefeitura de Colatina.
Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce e Governador Valadares. Em outra frente, no Espírito Santo, a reportagem já passou por Colatina e segue em direção ao litoral capixaba. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: