Um impasse entre prefeituras e o governo do Estado pode colocar em cheque o transporte escolar de cerca de 15 mil estudantes para o próximo ano letivo. São alunos que residem em zonas rurais de diversas cidades e utilizam o serviço integrado de deslocamento para escolas municipais e estaduais.
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Após diversas tentativas de negociação, 60 municípios romperam, no início desta semana, a parceria com o Piratini no Programa Estadual de Apoio ao Transporte Escolar (Peate). O convênio, que entrou em vigor em 2009, determinava que as prefeituras levariam, em um mesmo ônibus, alunos que moram em zonas rurais das duas redes de ensino, desde que os governos estadual e municipais repassassem às empresas os valores proporcionais ao número de passageiros vinculados a cada um dos sistemas.
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Só que, conforme o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Luiz Carlos Folador, os municípios têm recebido valores inferiores aos estabelecidos no acordo e estão tendo que arcar com os custos que seriam do Estado. Situação que, segundo ele, tem se tornado insustentável:
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Prestação de serviços em risco com atraso em repasses do Estado
- Um estudo nosso mostrou que a falta de investimento estadual no transporte obriga as prefeituras a desembolsar mais de R$ 80 milhões por ano. O Estado tem repassado cerca de 45% daquilo que deveria, e isso têm acontecido há anos. Não estamos nem pedindo para reembolsarem o valor que já gastamos, mas, sim, para aumentar o repasse para o próximo ano.
Diante desse cenário, há duas opções para que os estudantes não sejam prejudicados no próximo ano letivo. A primeira, que já vem sendo negociada, é um acordo entre prefeituras e governo. Nas últimas semanas, a Famurs apresentou uma emenda ao orçamento do ano que vem para tentar aumentar os gastos do governo com a despesa. Se for aceita a proposta - que deve ir à votação no Plenário da Assembleia até o final deste mês -, as prefeituras poderão voltar atrás na decisão de romper o convênio.
Caso municípios e Piratini não cheguem a um acordo, o Estado será obrigado a fazer novas licitações para garantir, sozinho, a manutenção do transporte nessas cidades. A situação, conforme o secretário de Educação do Estado, Vieira da Cunha, é preocupante:
- Nossa postura é de diálogo e negociação com os municípios. Estamos nos reunindo com a Famurs e demais entidades para chegar a um acordo. Caso isso não ocorra, vamos abrir licitações e, se não houver tempo hábil para isso até o início do próximo ano letivo, poderemos fazer contratações emergenciais para garantir que esses estudantes tenham como ir à escola. O que posso dizer é que o transporte será garantido aos alunos, de um jeito ou de outro.
A Famurs explica que os municípios só entrarão em um acordo se o valor estabelecido na emenda comece a ser repassado. Caso contrário, dependerá totalmente do Estado o transporte desses estudantes:
- Eu não acredito que nenhum governante irá deixar de cumprir com uma responsabilidade de garantir a educação das crianças e dos jovens. Só que os municípios, por causa de uma crise financeira, não têm mais condições de seguir arcando com valores que não competem a eles.
Pais e alunos já pensam em alternativas para chegar à escola
A preocupação em alcançar as notas para passar ao segundo ano do Ensino Médio somou-se, desde a última segunda-feira, a uma nova inquietação na vida da estudante Flavia Beck, 14 anos. Moradora da zona rural de Candiota, no sul do Estado, ela é uma das estudantes que pode ser afetada com a crise entre prefeitura e Estado.
A inquietação de Flávia também preocupa o restante da família. Além dela, o irmão Fernando, de 17 anos, precisa do transporte escolar diariamente para chegar ao colégio. Eles moram à beira de uma estrada, cerca de 20 quilômetros de distância da instituição de ensino. Sem a opção do serviço, teriam que recorrer a um ônibus de linha, que os deixariam em uma vila da zona urbana, e de lá pegariam outro ônibus escolar para chegar à escola. Só que os horários não batem, impossibilidando a alternativa:
- Nós aqui nem temos outra opção, por isso me preocupo tanto. Além disso, a qualidade dos veículos está péssima - comenta a mãe dos estudantes, Margarida Beck, de 35 anos.
A alegação de muitos municipios, conforme a Famurs, é a de que as prefeituras acabam tendo que retirar recursos de outras áreas para arcar com os custos do transporte. No caso de Candiota, são recursos que deveriam ser aplicados na própria educação e na qualidade dos veículos escolares que acabam sendo usados para o transporte desses alunos, explica a prefeitura.
- Várias vezes acontece de o veículo quebrar no meio do caminho, e meus filhos acabam perdendo provas, perdendo aula. Com certeza essa é um preocupação que já temos e que só deve aumentar com essa situação. Nos preocupamos por nossos filhos e por todos os estudantes que dependem desse serviço - desabafa Margarida.
Entenda o caso
- O Programa Estadual de Apoio ao Transporte Escolar (Peate) foi criado em 2008 e passou a entrar em vigor em 2009.
- Desde então, alunos das escolas estaduais e municipais que moram em zonas rurais contam com o mesmo serviço de transporte escolar. São cerca de 160 mil estudantes beneficiados com o acordo.
- Dos 497 municípios do Estado, 481 faziam parte do programa. Pelo menos 60 deles romperam a renovação do acordo para o próximo ano. Essa decisão afeta pelo menos 15 mil alunos.
- As prefeituras alegam que o custo com o transporte dos alunos que moram em zonas rurais e estudam em escolas estaduais é de R$ 178 milhões por ano. O Estado tem repassado entre R$98 e 105 milhões nos últimos anos, o que corresponde a cerca de 50% do custo total.
- Um estudo divulgado pela Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) em outubro revelou que as cidades gaúchas tiveram prejuízo de R$ 80,3 milhões com o transporte escolar em 2014. Mais de 80% das prefeituras foram afetadas.
- A Famurs reivindica que o repasse seja de R$ 185 milhões.
- Com o valor, as prefeituras poderiam, por exemplo, comprar 509 ônibus novos para 30 mil alunos.
* Zero Hora