O rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), dividiu um dos mais importantes mananciais do país em dois momentos. Um deles, o antigo Rio Doce, resguardava uma quantidade incalculável de peixes e anfíbios. O outro, que avançou sobre o primeiro em uma onda de lama, deixou em seu rastro uma mistura de lodo e água sem vida aparente e com profundo impacto ambiental, social e econômico.
Se no Espírito Santo ainda foram feitas capturas de algumas espécies para tentar preservá-las, nos primeiros 300 quilômetros do curso d'água, em Minas Gerais, não houve tempo ou capacidade suficientes para resgatar os animais da morte certa. A perda foi total. Como resultado da mortandade provocada pela falta de oxigênio, acumularam-se nas margens ou foram arrastados rio abaixo em uma cena que chocou a população ribeirinha.
- É, certamente, o maior extermínio de peixes registrado na América Latina - sustenta o ecólogo e professor da Universidade Federal de Minas Gerais Ricardo Pinto Coelho.
Não há como ter certeza, hoje, do número de animais mortos pela avalanche de lodo. Levando-se em conta a biodiversidade do Rio Doce, é possível que pelo menos 71 espécies nativas de peixes tenham sido varridas do curso d'água - das quais 11 já se encontravam ameaçadas de extinção. Somadas às exóticas, são cerca de cem espécies afetadas.
Como é época de piracema, pescadores recebem abono
Diversas pessoas, em um ato de desespero e pena dos animais que se atiravam para fora d'água em razão do sufocamento, ainda tentaram resgatar alguns espécimes. A pescadora de Conselheiro Pena (MG) Maria Amélia de Farias, 47 anos, entrou em choque ao ver milhares de peixes mortos ou moribundos arrastados pela correnteza - um dos principais símbolos do desastre ambiental de Mariana. Tomou um curimba (tipo de peixe) nos braços e não conteve um choro convulsivo.
- Tentei me controlar, mas não consegui. Vi os bichinhos brigando para viver no meio daquele lodo e desatei a chorar - conta.
Maria Amélia tomou em mãos um punhado de outros exemplares ainda vivos e colocou-os em uma espécie de piscina natural formada entre algumas pedras à margem do rio. Na sexta-feira, o Rio Doce subiu de nível e inundou o criadouro improvisado com sua água alaranjada e estéril.
O que se sabe sobre o desastre ambiental que encheu de lama o Rio Doce
A pescadora não faz ideia de onde vai tirar seu sustento após o desaparecimento dos piaus, cascudos, dourados ou pacumãs que vendia aos clientes.
- Construí minha casa e criei meus três filhos pescando. Estou perdida. Comecei a fazer faxina, mas não consigo sobreviver com R$ 150 por mês - desabafa.
Estima-se que cerca de 2 mil pescadores viviam das águas do Rio Doce. Como começou há pouco a piracema, período de desova dos peixes em que a pesca é proibida, os profissionais registrados têm quatro meses de salário a receber do governo federal. Depois disso, restará a incerteza sobre o futuro do Rio Doce e da profissão.
- Não tem mais peixe no rio, está tudo morto. Será que vai voltar a ter peixe? Quando? De que tipo? Até lá, na minha idade, como é que vou voltar para o mercado de trabalho? - pergunta-se o pescador José Lino dos Santos, 55 anos.
São questões para as quais ainda não há resposta.
Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce e Governador Valadares. Em outra frente, no Espírito Santo, a reportagem já passou por Colatina e seguiu em direção a Linhares, no litoral capixaba. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: