Posicionados em frente ao Ginásio Tesourinha, agentes da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) uniformizados movimentam os braços, orientando o fluxo de veículos em frente ao local. Carros que chegam a toda hora para entregar donativos podem parar em fila dupla. Mais à frente, ônibus da Carris são abastecidos com roupas, edredons e colchões. Estacionadas sobre a calçada, viaturas da Defesa Civil são carregadas com alimentos e água.
Desde a semana passada, quando um temporal castigou o Estado e expulsou mais de 1,5 mil pessoas de casa somente na Região das Ilhas, em Porto Alegre, esse é o cenário nos arredores do ginásio, que se tornou o principal portal entre a solidariedade e a necessidade. É lá que é entregue a maior parte das doações a quem perdeu quase tudo com as cheias.
O território onde os donativos são recebidos e de onde saem para serem entregues a quem precisa é o mesmo. Mas, dos veículos que chegam até os que partem rumo aos locais mais afetados pelo temporal, as doações percorrem um caminho que exige o trabalho de muitas mãos.
Funcionários de pelo menos 10 órgãos da prefeitura e centenas de voluntários se revezam, das 7h às 19h, na recepção e triagem do que é entregue. O trabalho começa com a recepção dos doadores, que mal precisam sair do carro para entregar alimentos e roupas: assim que alguém estaciona, recebe ajuda para retirar as doações e colocá-las em carrinhos de supermercado, que são conduzidos até a entrada do Tesourinha.
- Hoje é meu primeiro dia. Pedi dispensa do trabalho para vir ajudar, porque há muita gente precisando - diz Gustavo Rodrigues, funcionário da Secretaria Municipal de Segurança, enquanto enxuga com o braço o suor que escorre pela testa. Durante a tarde quente de segunda-feira, ele trabalhou, principalmente, no atendimento aos doadores, do lado de fora do ginásio.
Do lado de dentro, o clima é um tanto caótico. Quando um carrinho chega, é preciso identificar o que há dentro dele: produtos de higiene e limpeza vão para um lado; alimentos, para outro. O problema é que as doações são tantas, e tantos os envolvidos no trabalho (somente como voluntários, atuam de 100 a 120 pessoas por dia), que o espaço ficou pequeno - os pedidos de licença para se deslocar são constantes.
Também na entrada do Tesourinha são recebidos os voluntários, que passam por um cadastramento antes de serem encaminhados para ajudar onde é mais necessário. Além deles e dos servidores públicos, algumas das mais de 200 pessoas abrigadas no local ajudam na triagem dos donativos. A maioria se divide em dois turnos - das 7h às 13h e das 13h às 19h.
As roupas são levadas direto para as arquibancadas, onde um grupo faz a separação de vestuário masculino, feminino, infantil e roupas de cama. Os brinquedos formam uma pilha volumosa, escorada junto a uma das arquibancadas. Diante das dezenas de crianças abrigadas no local, o montante é dos mais cobiçados:
- A gente não pode pegar, têm que esperar (pela triagem dos voluntários). Mas eu perguntei pra um tio se eu podia ficar com o urso e ele disse que sim - comemora Ketllen Gregorio, 12 anos, moradora da Ilha Grande dos Marinheiros abrigada no Tesourinha, abraçada em um urso de pelúcia amarelo que chegou ao local na tarde de segunda-feira.
Com a comida, são montados kits que incluem arroz, feijão, óleo, massa, açúcar, farinha, sal, azeite, biscoito, enlatado, café, achocolatado e leite em pó. Os conjuntos são acomodados nas arquibancadas até o momento de deixarem o ginásio.
Além das viaturas da Defesa Civil e de ônibus da Carris, kombis dos centros administrativos regionais (CARs) da prefeitura e caminhões do Demhab e do DMLU são utilizados para realizar o transporte dos donativos. O principal destino é a Região das Ilhas, onde há mais pessoas atingidas pelas cheias na Capital.
Até domingo, mais de 20 mil toneladas de alimentos e 15 mil peças de roupas foram arrecadadas. A metade já foi entregue aos necessitados, e muito mais deve chegar. Muita gente, porém, segue fora de casa. Entre os abrigados, muitos não têm ido trabalhar desde a enchente. Ou seja, as doações ainda são não só bem-vindas, como imprescindíveis.
Como ajudar:
- Os donativos são recebidos no Ginásio Tesourinha (Av. Erico Verissimo, s/n), das 8h às 20h;
- As principais necessidades são água, lonas, produtos de limpeza e higiene pessoal, óleo de cozinha e roupa íntima;
- Para os abrigados no Tesourinha, que fazem as refeições no local, alimentos perecíveis, como carne, verduras e legumes, também são bem-vindos;
- Materiais de construção, telhas e móveis devem ser entregues no Departamento Municipal de Habitação (Demhab), na Avenida Princesa Isabel, 1.115.