A vida do vendedor de laranjas que se transformou no primeiro governador negro da história do Rio Grande do Sul virou filme, livro e exposição fotográfica. Na próxima quinta-feira, dia 22 de outubro, às 19h, o Teatro Dante Barone vai abrir as portas para o lançamento do projeto O Voto e o Pão, que conta a história de Alceu de Deus Collares, o menino pobre de Bagé que chegou ao Palácio Piratini depois de ser vereador, prefeito de Porto Alegre e deputado federal.
O título O Voto e o Pão é emprestado do poema que Collares compôs nos anos 1970, no auge da ditadura, e declama há quase quatro décadas com o vozeirão que conquistou milhões de eleitores. Aos 88 anos, recita esse e outros poemas em português e espanhol com voz firme, entonação inspirada no ator Paula Autran e nenhum lapso de memória. Cabelos completamente brancos, mantém a coluna ereta e o bom humor. Vive em uma casa no bairro Ipanema com a mulher, Neuza Canabarro, dois dos filhos dela e dois netos. É lá que recebe amigos e antigos colaboradores, lê (é fã de Castro Alves, Pablo Neruda e Norberto Bobbio) e assiste a filmes. Viaja apenas para as reuniões do Conselho de Administração de Itaipu Binacional, uma vez por mês, sempre acompanhado de Neuza, a quem não cansa de declarar sua paixão:
- É uma mulher extraordinária. Ela é o meu caminho.
Brinca com a condição de negro e com a longevidade e diz que se recusa a morrer. Da última vez que adoeceu, ficou 10 dias hospitalizado e desconfiou que estava sendo chamado por Leonel Brizola.
- Brizola tá fazendo partido lá em cima e tá me chamando, mas eu digo não vou, não.
Em seguida, emenda:
- Ninguém é mais apaixonado pelo Brizola do eu.
Leia outros trechos da entrevista
"A tragédia do preso é o tempo"
"Quando Dilma saiu do PDT, disse uns negócios meio fortes, chamei de traidores"
"Aqueles que cultivam mágoa são pessoas de mal com elas mesmas"
"Não tem ninguém mais apaixonado pelo Brizola do que eu"
Confira abaixo a entrevista com Collares:
O senhor foi o último governador que governou com inflação alta e crescente. Já tinha, naquela época, noção da gravidade da situação do Estado?
Tinha noção, consciência das dificuldades financeiras. O governo anterior (Pedro Simon/Synval Guazzelli) não tinha pago o 13º e também o mês de fevereiro. Naquela época, o governador assumia em março (hoje é em 1º de janeiro). Eu disse ao Orion Cabral, meu secretário da Fazenda, para pagarmos e não fazermos alardes, mas pedi para cobrar também, com muita eficiência, as dívidas de sonegadores e inadimplentes. Com aqueles que não havia acerto, entrávamos na Justiça. Entramos em juízo com 80, 90 ações de cobrança da dívida e 28 chegaram ao final com condenados em média a três anos de cadeia. Foi uma decisão muito forte pela consciência que a gente tinha de que o dinheiro não podia ficar naquele bolso. Aquele dinheiro era para realizar as obras que o Estado precisava, principalmente na educação, a nossa bandeira.
O senhor teve embates memoráveis com o Cpers porque tentou mudar a estrutura de ocupação das salas de aula implantando calendário rotativo. Aquela proposta não foi compreendida nem pelos professores nem pelas famílias. O que deu errado?
Tenho convicção de que estávamos iniciando um processo revolucionário. Eu tinha na secretaria a Neuza Canabarro, preparada, especialista e, acima de tudo, uma pessoa com vigor no campo das ideias. Decidimos pelo pleno aproveitamento das vagas da rede pública. Colocamos 200, 250 mil dentro da sala de aula. Aquilo ensejou um debate muito forte, mas, ao final do nosso governo, saímos de consciência tranquila porque cumprimos com o nosso dever. O aluno tinha que estar na sala de aula. A Neuza tentou fazer alterações no plano de carreira tal qual tínhamos feito no município.
Por que não foi possível fazer a mudança no plano de carreira do magistério?
É complicado. A impressão que se tem é que esse plano é uma espécie de pirâmide invertida. Tem os níveis 5 e 6 lá em cima e, o 1 e o 2, lá embaixo. Isso precisa ser alterado e a discussão tem de ser feita com o Cpers, que é o sindicato de defesa dos nosso professores. Um dos sindicatos de maior competência no campo da luta em defesa dos direitos dos professores. Mas é preciso mexer um pouco na estrutura para que se pague bem. O Rio Grande tem de fazer o que Porto Alegre fez no nosso governo: pagar bem o professor. O trabalhismo tem o mais avançado projeto de desenvolvimento no campo educacional, que se chama escola de tempo integral.
O senhor não se sente desconfortável vendo o PDT na Secretaria de Educação do governo Sartori sem conseguir produzir esses avanços?
Sou um homem de partido. No início fui contra, mas era minoria. Estamos no governo estadual e no nacional. E vamos sair dessa crise de cabeça erguida, como já saímos de outras. Não é só no Brasil. É uma crise global que repercute aqui. Agora, temos causas da crise que são problemas nossos, que precisam ser corrigidos.
Que falhas?
Os partidos precisam passar por uma grande transformação, que tenham, um conjunto de ideias e concepções e que sejam instrumentos de alta confiabilidade popular.
O senhor acha que a presidente Dilma Rousseff escapa do impeachment?
Não tem como aplicar impeachment. Impeachment só se aplica em quem cometeu um crime. Ela não cometeu crime nenhum, ela ganhou a eleição. Pode não estar dando certo. A crise é resultado de uma crise global, como está na Grécia, na Rússia, na China. É um estouro do sistema capitalista que está aí, principalmente do monopólio, do oligopólio, do cartel e do dumping. É isso que tem de desaparecer do capitalismo. Não tem socialismo, comunismo... A maior parte dos meus poemas são socialistas e comunistas, mas como processo de um sonho. Os intelectuais chamam de utopia. Não conhecemos um Estado comunista. Conhecemos ditadores, conhecemos na Rússia, na China, em Cuba. Ditadura. Onde o povo, lamentavelmente, não tem voz e não tem vez. Por maior fragilidade que tenha a democracia, é um milhão de vezes melhor do que ditatura. Ditadura não tem boa nunca. É sempre ruim. Deixa rastros de ódio, de perseguição, de traição, e isso não é bom para um povo. O povo tem que ser alegre.
O senhor considera golpe a tentativa de afastar a presidente?
Eu não chamo isso de golpe. Quem perdeu não se conforma e está tentando sobreviver. Mas perderam. E quem perdeu tem que botar a viola no saco e esperar a oportunidade de, com proposta melhor, ganhar. O voto é a tua única arma, põe o teu voto na mão.