Com o propósito de contribuir para o debate sobre a retomada do desenvolvimento do Estado, ZH solicitou a lideranças empresariais, sindicais e políticas artigos analíticos e propositivos a partir da seguinte questão: O Rio Grande tem saída? Como? A série, iniciada em junho com opiniões de representantes de entidades empresariais, teve continuidade em julho com sindicalistas e lideranças classistas e em agosto com parlamentares. Em setembro, é a vez de governantes.
*Jair Soares, Governador do Estado de 1983 a 1987
A severa e crônica crise financeira vivida pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul, pelo menos nos últimos 40 anos, cuja face mais sofrida é, hoje, o parcelamento da remuneração dos servidores civis e militares, ativos e inativos do Poder Executivo - a parcela paga no dia 31 de agosto foi menor do que um salário mínimo regional -, transcende os umbrais do Palácio Piratini, sem que isso implique reduzir a responsabilidade do governador do Estado e de seus auxiliares diretos. Os vários diagnósticos produzidos por fontes idôneas e consubstanciados em densos relatórios, nos últimos 30 anos, convergem: o Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul caminha para o colapso. Urge que providências de ordem estrutural e de gestão venham a ser adotadas.
Do ponto de vista estrutural, há dois grandes desafios cruciais para evitar a falência: a questão previdenciária e a questão da dívida renegociada com o governo federal, no final do século passado. No plano da previdência social do servidor público - e tal vale para União, Distrito Federal, demais Estados e municípios -, será inevitável mais uma reforma, especialmente em razão do fim do bônus demográfico e da necessidade de ajustamento da atual plataforma de benefícios às respectivas fontes de custeio, hoje notoriamente insuficientes. O segundo desafio está no contencioso com o governo federal, que tem por objeto a dívida renegociada com a União, em 1998 - a ser submetido pelo governador José Ivo Sartori ao nuto do STF -, porque envolve, sim, um conflito federativo; é outro nó a ser desatado, especialmente quanto ao comprometimento mensal e inescapável de 13% da receita líquida.
Quanto à gestão propriamente dita, e escrevo com a responsabilidade de quem governou este Estado de 1983 a 1987, seja-me lícito sugerir, sem embargo das providências já em andamento: 1) reforço no sistema de fiscalização e de cobrança administrativa dos tributos estaduais, especialmente do ICMS, com a utilização intensiva de meios eletrônicos para o controle das operações respectivas e da correspondente arrecadação, sem prejuízo da atuação presencial dos servidores fazendários; 2) priorizar a recuperação de créditos inscritos como Dívida Ativa do Estado, quer do ponto de vista extrajudicial - protesto de certidões de dívida ativa -, quer judicial. A Dívida Ativa do Estado está, hoje, na casa dos R$ 30 bilhões. Aqui, é fundamental que o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul seja aparelhado, do ponto de vista da tecnologia da informação, visando à celeridade das execuções fiscais; 3) admissão de que títulos representativos de precatórios judiciais (hoje na casa dos R$ 7 bilhões) possam ser utilizados, via negociação, para quitação parcial de créditos inscritos como Dívida Ativa, modelo adotado por outras unidades da federação; 4) pleito - mais um - perante o governo federal, juntamente com as prefeituras municipais: compensação pelas exonerações em matéria do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), nos últimos cinco anos, em razão da redução de alíquotas, à guisa de apoio à indústria automobilística e de eletrodomésticos, dentre outras; 5) acertamento com o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS), relativamente às situações de aproveitamento de tempo de serviço e de contribuições de segurados regidos pelo Regime Geral de Previdência Social, para fins de aposentadoria no serviço público estadual. Embora de uso corrente a assertiva de que o Estado - amplamente considerado - não quebra, cuido observar, por exemplo o que aconteceu recentemente na Argentina: várias províncias foram à bancarrota, sem falar no caso da Grécia.
Na expectativa de que, em breve espaço de tempo, vençamos a recessão econômica, inequívoco fator de redução do recolhimento de tributos em geral, e do ICMS em especial, afora outros nocivos efeitos no segmento empresarial e no nível de emprego, há que se ter presente que "lições de casa" devem e podem ser feitas. A bem da prestação de serviços públicos essenciais, de que são credores mais de 11 milhões de conterrâneos, espaço há para a redução de gastos de custeio, a curto, médio e longo prazos, sendo indispensável, contudo, o comprometimento, para tal desiderato, dos demais poderes e das instituições autônomas. De resto, no DNA do ajuste fiscal, sob exame da Assembleia Legislativa, a prioridade não dever ser, em caráter exclusivo, o aumento das alíquotas de ICMS e de outros impostos.