Passando por Santa Maria para uma palestra no Centro Universitário Franciscano, no fim de agosto, o economista e professor universitário Fernando Ferrari Filho concedeu uma entrevista ao "Diário de Santa Maria" sobre o cenário de crise econômica que o país e o Estado vivenciam.
Projeção de queda da economia em 2015 chega a 2,44%
De orientação keynesiana, o economista, que é professor da UFRGS e presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon), não vê saídas miraculosas para o Rio Grande do Sul. Para o Brasil, Ferrari aponta alguns erros da atual política econômica.
A corrente de pensamento inaugurada por John Maynard Keynes, da qual Ferrari e uma série de economistas é adepto e uma das referências no país, surgiu após a crise econômica de 1929.
Na época, imperava entre os condutores das políticas econômicas, na maior parte dos países, o liberalismo clássico, segundo o qual o Estado deve interferir o mínimo possível no funcionamento dos mercados.
Com o crash da bolsa de valores de Nova York e o impacto severo em todo o mundo e nos mais diversos setores, foi necessário uma mudança de pensamento. Keynes defendia que o Estado deve atuar para conter desequilíbrios na economia, de forma a fazer investimentos e, com isso, incentivar os investimentos privados, restabelecendo o emprego.
Assim, Ferrari defende o ajuste fiscal que o governo federal está fazendo, mas acredita que deve ser mais radical. Por outro lado, discorda da sobreposição do ajuste com a alta de juros, pela taxa básica de juros (a Selic).
Para o Estado, o economista, não vê saídas fáceis no curto prazo. Apenas reformas estruturais, que passam pela privatização de órgãos públicos, podem sinalizar para um futuro mais promissor. No curto prazo, é administrar as perdas.
Por isso, não é à toa que o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), tenha se comprometido com os eleitores para que o seu Estado não se torne o Rio Grande do Sul, com parcelamento de salários e outros cortes.
Já na política, o filho do deputado federal gaúcho Fernando Ferrari olha com saudosismo ao período que antecedeu o regime militar. Na época em que o seu pai era uma das referências do trabalhismo e chegou a inspirar outros gaúchos a se dedicarem à representação do povo pela política, "os parlamentares tinham princípios, eram transparentes, o debate era mais rico". Confira trechos da entrevista abaixo.
Uma medida ou outra
Analisando os resultados das finanças públicas do governo federal e dos indicadores de desemprego e inflação, Fernando Ferrari Filho conclui que o balanço que o governo Dilma fará no fim deste mandato será bem pior do que o dos primeiros quatro anos à frente do Planalto.
Desemprego maior, inflação maior, crescimento muito menor. Mesmo que seguisse o caminho apontado pelo economista, dificilmente o quadro se reverteria antes de 2017:
_ Se eu fosse ministro ou assessor econômico da equipe, optaria um dos dois: ou ajuste fiscal, ou choque monetário. Fazendo as duas coisas ao mesmo tempo, uma é perniciosa para a outra. Um choque monetário da forma como está sendo implementado acaba colaborando para o desajuste das contas públicas. E se a queda da inflação respondesse ao aumento da taxa de juros, ok, mas isso não está acontecendo.
Conforme estudos citados por Ferrari, quase a metade da inflação de 2015 será causada pelos preços administrados, como os combustíveis e a energia elétrica, e do fator cambial, que também pode ser controlado pelo governo.
Ou seja, não é a chamada inflação de demanda, quando os preços sobem porque há muito consumo.
_ Elevar os juros (pela taxa Selic) não consegue evitar essa dinâmica de preços, apenas quando a inflação é de demanda. Se os juros se elevam, as pessoas e empresas não compram mais a prazo. E a inflação brasileira não é, no meu ponto de vista, essencialmente de demanda. Se eu fosse consultado para opinar, eu faria o ajuste fiscal. A minha "tribo", dos keynesianos, entende que tem que ter o ajuste fiscal, com flexibilidade monetária.
Em outras palavras, a receita de Ferrari seria, de um lado, reduzir a taxa básica de juros, decisão que pode ser tomada pelo Banco Central, mas sem aumentar o acesso ao crédito, mantendo critérios rigorosos para empréstimos e financiamentos. Outra medida seria estabelecer as chamadas "bandas cambiais", que o Brasil já teve durante o começo do Plano Real.
Ou seja, haveria limites máximo e mínimo para a cotação do dólar. Quando estivesse perto de superar um desses limites, o governo entra no mercado. Com o tempo, o próprio mercado se acostuma com esse preço e tem mais segurança para investir.
_ No início do ano, o dólar estava R$ 2,65. Tanto para importador quanto para exportador, o ponto é: até quanto espero para tomar decisão? R$ 2,90, R$ 3,30... tem gente dizendo que só vai tomar decisão quando chegar a R$ 4.
De outro lado, enrijecer o ajuste fiscal, cortando mais fundo os gastos que dependem só do Planalto. Em relação aos impostos, o economista engrossa o coro dos que dizem que a estrutura tributária brasileira é equivocada. O mais justo seria haver mais tributos diretos, como o imposto de renda, e menos indiretos, como ICMS, ISSQN, entre outros.
No RS, buraco é mais embaixo
A semelhança encontrada entre a crise federal e a estadual é que elevar os tributos indiretos não é uma boa solução. Até o dia 22 de setembro, a Assembleia Legislativa deve votar se aumenta ou não a alíquota do ICMS, assim como mudanças na Previdência dos servidores estaduais.
Esta última, sim, seria uma saída apontada para, futuramente, o Piratini gozar de um maior equilíbrio nas contas. Com isso, dá para ver que, na avaliação de Ferrari, a saída para a crise gaúcha está longe como Uruguaiana. A comparação com a dificuldade logística da ligação Capital-fronteira não é em vão: retardar investimentos em infraestrutura, como melhorias em estradas, só gera mais pessimismo no nosso rincão.
Questionado se há saídas para não tornar o parcelamento de salários uma rotina, o presidente do Corecon, Fernando Ferrari Filho, não faz demagogia:
_ Pior é que não tem. A situação do Estado é muito pior. A União ainda tem autonomia de fazer política econômica, mas o Estado não tem. A única autonomia que o Estado tem é de mexer no ICMS, e do jeito que está sendo feito, não é impactante. É um desgaste político que não vai gerar o efeito esperado, porque não foi feito nenhum estudo.
O caminho apontado pelo docente pode soar como um remédio amargo para alguns:
_ O que o governo tem que fazer? Enxugar a máquina. Privatizar o que tem que privatizar. A questão é: as joias da coroa já foram. Alguém vai querer ficar com a coroa, que não vale coisa alguma? Tem ativos hoje do governo do Estado, como a Corsan, que não têm valor de mercado. Privatizar para se livrar, isso é positivo.
Mais uma vez, Legislativo e Executivo estaduais deveriam tomar decisões focando o longo prazo. Mesmo ao vender o patrimônio, não se pode esperar uma grande entrada de recursos, mas diminuir o peso das despesas no orçamento dos próximos anos.
O governo estadual, no pacote de ajuste fiscal, já prevê a abertura de mercado da fatia do Banrisul que cuida dos seguros, e põe no pacote das privatizações alguns ativos. Mas a medida ainda seria insuficiente, e deve passar pela Assembleia, onde pode encontrar resistência.
A única saída para dar algum fôlego de curto prazo, para Ferrari, é a união com outros Estados em crise para renegociar as regras da dívida com o governo federal. Um argumento que deve ser usado é que o RS foi prejudicado com a Lei Kandir, que isentava algumas atividades exportadoras do ICMS e previa compensação com repasses federais, o que não tem sido suficiente.
_ Tentar um novo pacto federativo é fundamental, livrar-se de patrimônio, não esperando que entrem recursos vultosos, mas para se livrar do passivo. E encarar a previdência, o IPE. Não dá mais para continuar como está. No curto prazo não terá resultado, tudo o que será feito tem de ser pensado no longo prazo.
Saudade da velha política
Já que a crise econômica está intimamente relacionada à política, que perde credibilidade a cada denúncia de corrupção, o filho do deputado federal que dá nome a avenidas e bairros, inclusive em Santa Maria, compara o período da política brasileira até 1964 e os últimos anos sem disfarçar o saudosismo.
_ Eu diria que antes da revolução, a política era feita de outra forma. Tinha os campos políticos bem determinados. Tinha o PTB, o PSD e a UDN, fora os mais de esquerda, como o PCB. Havia três bases político-partidárias e ideológicas bem sedimentadas. Você tinha uma identificação com esses partidos, e os parlamentares que tinham princípios éticos, as pessoas acreditavam nas instituições políticas, acreditavam no processo de, via parlamento, tentar avançar nas reformas estruturais do Brasil, tanto é que se avançou na questão agrária, da industrialização. O debate era rico nesse momento _ diz Fernando Ferrari Filho.
A principal qualidade dos políticos, ao menos da maioria, era a transparência:
_ Você tinha um Jânio Quadros, identificado com a UDN, o partido conservador. Você tinha um Amaral de Peixoto, do PSD, era conservador, mas um político claro, transparente nas suas posições. No PTB, você tinha vários trabalhistas, era o meu pai, era o Brizola, o Nereu Ramos, o Alberto Pasqualini, pessoas que você conhecia, não eram camaleônicas, que não eram movidas pela lógica do toma lá dá cá, pela lógica de fazer política como um meio e não como um fim.
Para Ferrari, hoje, essa lógica impera de forma generalizada no parlamento e nos executivos pelo país. A causa para a dominação dessa forma de fazer política é que os partidos que vencem as eleições, desde a redemocratização, não têm base de apoio no Congresso Nacional:
_ Esses partidos vitoriosos acabam sendo reféns da governabilidade. E fazem alianças espúrias. Enquanto quiser governar pensando só na governabilidade, vai ter essas coisas estapafúrdias que tem e isso cria uma crise institucional muito forte.
Para remediar tantos danos, a reforma política que está sendo votada no Congresso deveria ir muito mais fundo: limitar o número de partidos, ter mecanismos de tornar claras as identidades de cada sigla, dar fim à reeleição, aumentar a duração dos mandatos em todos os níveis, terminar com o financiamento de campanha.
E, como forma de tentar devolver ao Parlamento o papel o respeito de outrora, a reforma deveria atingir deputados, vereadores e senadores:
_ Em nível parlamentar eu proporia um mecanismo que impedisse que os representantes tivessem mais de dois mandatos, acabando com o político profissional.