A crise financeira do Estado não só chegou à sala de aula como também está afetando a alimentação e a higiene dos alunos. O repasse da complementação da merenda escolar está atrasado há 45 dias, afetando 520 mil alunos dos 986 mil de toda a rede, e a verba de autonomia das escolas, usada para manutenção das instituições e compra de materiais como folhas de ofício e papel higiênico, não chega desde junho.
Há duas semanas, a merenda no Instituto Estadual Nossa Senhora do Carmo, do Bairro Formosa, em Alvorada, se restringe a bolachas. A verba mensal de R$ 8 mil - que já está defasada, segundo a diretora Luciane Bringmann - este mês caiu para R$ 5 mil devido ao atraso na complementação que deveria ter sido depositada pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc).
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Cardápio alterado
O cardápio enviado pela 28º Coordenadoria Regional de Educação (CRE) virou utopia. O café com leite e o pão com margarina foram substituídos por biscoitos. A refeição de arroz com brócolis, frango com milho, feijão e frutas virou arroz, feijão e carne.
Com o que tem na despensa, só é possível atender a 40% dos 997 alunos. São priorizados os alunos do primeiro ao quinto anos. Quando - e se - sobra, parte dos demais também consegue comer, explica a diretora.
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Financiada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a alimentação escolar recebe complementação do Estado nas escolas que têm programas como o Mais Educação, Ensino Médio Politécnico, Turno Integral e nas instituições com até cem alunos.
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Sem verduras
Além de reduzir em quantidade, Luciane confessa que a escola precisa abrir mão do sabor. O feijão, que antes era temperado com orégano, pimentão, cebola e alho, agora leva apenas sal e alho.
- O orégano se torna supérfluo numa situação como essa. Ainda fazemos um esforço muito grande para que fique gostoso para que as crianças não deixem sobras no prato - complementa.
Neste mês, a escola não conseguiu comprar nada de verduras, frutas e legumes. As caixas de leite da despensa são suficientes para usar apenas mais uma vez.
- Nossos alunos comem de repetir. Hoje, estou dando duas bolachas para cada um, mas eles reclamam - conta a professora do segundo ano, Dirce da Silva.
Por estar localizada em uma região de periferia, a alimentação da escola é, para muitos, a refeição mais importante do dia. Professora do quarto ano, Jane Monteiro conta que há alunos que vão à aula sem almoço. O pequeno Fernando Cardoso Teixeira, 11 anos, resume a opinião da turma:
- Eu preferia quando era comida porque a gente consegue aprender melhor.
Arrocho até no papel higiênico
Além da vontade de fazer uma refeição completa, Fernando traz na mochila um rolo de papel higiênico, outro reflexo no arrocho das finanças estaduais. Há dois meses, as escolas estaduais não recebem a verba de autonomia, recurso depositado mensalmente para manutenção - higiene, limpeza e materiais de papelaria - e para investimentos de bens duráveis - como mesas, cadeiras e a infraestrutura da escola. Quem não tem outras reservas já está enfrentando problemas.
No Instituto Estadual Nossa Senhora do Carmo, cada aluno é orientado a trazer o papel higiênico que for usar, assim como professores e funcionários. A água sanitária, usada principalmente para limpeza de banheiros, está no fim.
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Para repor, Luciane planeja fazer um torneio de futebol em que a inscrição será um kit de limpeza. Nos 14 anos em que está na escola, Luciane nunca viu a verba de autonomia da escola - que é de R$ 5,8 mil -, não ser paga.
O retorno do mimeógrafo
Um antigo aparelho de fazer cópias, usado antes de surgirem as copiadoras digitais, está de volta às aulas da professora do segundo ano, Dirce da Silva. Com a contenção de xerox na Nossa Senhora do Carmo, ela trouxe de casa o seu mimeógrafo, aparelho que não usava há pelo menos três anos e que já foi aposentado em muitas escolas.
Como as atividades são para alunos em fase de alfabetização, ela usa até quatro cópias para cada aluno por aula e se nega a comprometer ainda mais o aprendizado dos pequenos. Para driblar a redução do uso de folhas de ofício, faz as cópias no verso das folhas do trabalho de conclusão de curso da filha, que se formou em artes gráficas.
- Eu faço o que posso. Entre a escola e a comunidade, a escola deveria ser referência, mas assim está difícil.
A última vez que a escola comprou um toner com tinta preta para a copiadora digital, pagou R$ 250. Por enquanto, não há previsão de ser recarregado.
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Jeniffer Gularte
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