Um problema antigo e que se repete todo ano. A semana dos trotes dos calouros da Universidades Federal de Santa Maria (UFSM) é um marco na cidade. Há mais de uma década, a festa é a mesma, no mesmo lugar, a Praça Saturnino de Brito, com os mesmos problemas: som alto, sujeira e desrespeito. Além desses incômodos, nos últimos acontecimentos, um ingrediente a mais: a violência. O questionamento, a cada novo episódio, segue igual: qual é a alternativa?
Em 15 de agosto, Eduardo Camargo, 30 anos, foi morto na Saturnino. Ainda que o crime tenha acontecido depois da festa dos universitários, a sensação de insegurança ficou mais forte. A Polícia Civil já chegou à autoria do crime. Segundo o delegado Carlos Alberto Dias Gonçalves, o responsável seria um adolescente de 17 anos, que, teria antecedentes por outros dois homicídios e estava foragido.
Antes disso, no dia 13, uma jovem de 20 anos já havia sido agredida e assaltada por dois homens durante a comemoração na praça. No começo do ano, em março, houve troca de tiros na praça. Um adolescente de 15 anos foi baleado e uma jovem de 21 levou um tiro de raspão. As ocorrências motivaram medidas emergenciais por parte dos órgãos públicos, mas não foi suficiente. Segundo Ivone Sangoi, que faz parte da Associação dos Amigos do Centro, as últimas medidas adotadas aliviaram um pouco o stress de todas as noites, mas os problemas continuaram.
- Bloquearam as ruas, colocaram vigilância, fecham os bares às 22h e há policiamento, mas, infelizmente, não dá certo, porque as pessoas dão jeito de seguir bebendo, continuam com o som alto e prolongam a festa. Eles fazem xixi em tudo que é canto, mesmo tendo banheiros. Vem gente de fora, que traz insegurança. Os jovens precisam fazer a festa, mas a praça não é o lugar para isso - afirma Ivone.
A constatação da moradora é consenso entre boa parte dos envolvidos - poder público, estudantes e empresários: a Praça Saturnino de Brito não é o local mais indicado para a realização da festa. Além disso, a maioria das pessoas afirma que é necessário um espaço com infraestrutura, segurança e atrações culturais. As alternativas têm sido debatidas, e a esperança é que, até o ano que vem, alguma solução seja colocada em prática.
Segundo a coordenadora do curso da História do Centro Universitário Franciscano (Unifra), que pesquisa espaços urbanos e sociabilidades, Roselaine Casanova Corrêa, não existe, em Santa Maria, um espaço urbano que proporcione lazer para a sociedade.Ela afirma que, em outras cidades, como Pelotas e Passo Fundo, existem locais mais bem estruturados e que o jovem, por natureza, precisa desse lugar.
- Nós já fomos jovens e sabemos que é um momento importante, que eles querem um espaço de convivência e, por não haver outros lugares na cidade, a Praça Saturnino de Brito se torna o point, pois oferece uma estrutura melhor. É preciso que o poder público se dê conta disso e resolva a situação. Depois da tragédia na boate Kiss, a sensação é que o poder público se apartou das decisões, com o receio de proporcionar um espaço, que possa vir a não ser devidamente seguro e, depois, recaia neles - acredita Roselaine.
Outras opções têm de sair do papel
Pedro Judacheski, dono da empresa Antecipei, da incubadora tecnológica da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), defende a ideia de promover a semana da calourada no Centro de Eventos da instituição. Segundo ele, a festa seria voltada para o público universitário, em um espaço fechado, com atrações culturais e onde pessoas de fora também participassem.
- Não é fácil unir município, universidade e órgãos de segurança. É um cenário político difícil de articular. Desde maio, evoluímos bastante em trazer a festa para o campus, mas tudo ainda é muito incipiente. É algo que precisa ser feito - garante Judacheski.
O jovem afirma, ainda, que, pela experiência com festas, a inserção da comemoração no campus irá atrair a atenção dos jovens. A opinião é compartilhada por Mateus Luan Klein Karling, acadêmico de Relações Públicas e coordenador de comunicação do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFSM. Segundo ele, a reunião dos jovens na Praça Saturnino de Brito é um reflexo da cidade, que não apresenta oportunidades para os estudantes.
- Não podemos dizer que, se trocasse de lugar, as pessoas iriam aceitar de uma hora para outra, mas, se houver melhores possibilidades, com estrutura adequada, haverá o interesse em mudar. Queremos um espaço de cultura e lazer, que possa ter atrações e que não atinja de forma negativa outros setores da sociedade - diz o estudante.
O reitor da UFSM, Paulo Afonso Burmann afirma não ter conhecimento sobre a iniciativa da empresa. Sobre a transferência da festa da praça para o campus, ele avalia como absurda:
- Além afastar os jovens do convívio com a cidade, pedagogicamente os afasta da discussão e da solução para os mais diferentes conflitos e problemas da sua cidade. Caracterizaria uma intervenção da UFSM nas prerrogativas do poder municipal e numa descaracterização do papel da universidade.
Outra alternativa é gare. De acordo com o prefeito Cezar Schirmer, o local já vem sendo avaliado como um espaço de lazer e entretenimento.
- Eu sempre entendi que a gare poderia ser um local para eventos, tanto que temos levado atrações para lá. Estamos discutindo esse espaço para manter entretenimento, arte, cultura, gastronomia, onde as comemorações podem se inserir. O que não podemos é obrigar as pessoas a saírem de um local e irem para outro espaço - afirma o prefeito.
A reitora do Centro Universitário Franciscano (Unifra), Iraní Rupolo, afirma que não é preciso mudar de lugar, mas oferecer uma programação adequada e atrativa para os jovens:
- Penso que não deve tirar da praça, porque é um bom local. Mas o que vamos levar para discussão é propor um dia do acolhimento, quando os jovens chegam na cidade. Que aconteça no início de março e em agosto também. Com atividades culturais, com brincadeira, do gosto dos jovens, não impondo o que nós achamos que eles vão querer.