Gilberto Gil e Caetano Veloso abriram na semana passada, em Amsterdã, uma histórica turnê em comemoração aos 50 anos de carreira - o espetáculo deve chegar a Porto Alegre no final do mês de agosto. Nos trechos do show já disponíveis online, vemos os dois velhos amigos sentados lado a lado, banquinho e violão, revisitando sucessos de um e de outro em versões delicadas e intimistas.
O show é apenas isso, o que já seria bastante, mas é muito mais. A comemoração de um dos encontros mais importantes da história da música popular brasileira é também a celebração de uma amizade de juventude que chega sólida e renovada à velhice - a voz de um cobrindo os silêncios do outro, o repertório de olhares que revela uma cumplicidade que dispensa roteiros ou jogadas ensaiadas, o carinho e o cuidado em cada gesto. Uma amizade que se renovou e reinventou ao longo dos anos - assim como suas longas e produtivas carreiras, que, honrando o passado, jamais se tornaram reféns dele.
Nos últimos 50 anos, Gil e Caetano sempre estiveram próximos do seu público. Houve épocas em que apareciam na televisão com mais frequência e suas músicas tocavam mais no rádio, mas nunca sumiram de vista ou perderam a relevância - da mesma forma como raramente frequentaram as listas dos discos mais vendidos. Por caminhos distintos, Gil ingressando na política, Caetano escrevendo, ambos acabaram ampliando seu poder de influência para além da esfera musical.
Ao contrário dos artistas que fazem muito sucesso em pouco tempo, que são como paixões avassaladoras e de difícil manutenção, os dois baianos construíram um longo e estável casamento com o público, o que talvez explique por que, mesmo longe das listas de mais vendidos, continuam se manifestando e sendo ouvidos sobre todos os assuntos possíveis - da redução da maioridade às novas estrelas do funk, da autorização prévia das biografias à Lei Rouanet - como se representassem não apenas a eles próprios e suas obras, mas uma determinada visão de mundo que sempre vale a pena levar em conta, mesmo para discordar.
Reconhecidos pela crítica e pelo público, Gil e Caetano fazem parte do que se pode chamar de cânone da MPB - aquilo que todos concordamos que se tornou um patrimônio do país. Conquistaram esse status não apenas pela explosão criativa do Tropicalismo e pelo que produziram nas últimas cinco décadas, mas pelo papel que ocupam na história cultural do Brasil.
Artistas como eles, que conseguem sobreviver aos humores do mercado e às oscilações da fama, porém, são uma minoria. Podemos debater quem é mais famoso, quem vende mais, quem dialoga melhor com o público e quem está realmente criando algo de novo e original, mas a disputa definitiva, na arte, é aquela travada entre o que passa e o que permanece. A posteridade de um artista, ao contrário do que muitos imaginam, não é definida pela devoção dos fãs, pela conta bancária ou pelo número de seguidores no Twitter. Quem decide quem sai do jogo e quem continua na disputa é um único jurado: a História.