Com os olhos cobertos por uma venda, a imagem que simboliza a Justiça remete à ideia de um Judiciário cego: em tese, os réus, sejam que for, devem ser tratados da mesma forma, com imparcialidade e sem distinção. No Brasil, o principal defeito atribuído ao sistema judiciário não é a cegueira, e sim a letargia. Mas, na tarde desta sexta-feira (31), a Justiça gaúcha deu o primeiro passo para alterar esta imagem: exatamente às 14h31min, iniciou-se a primeira audiência de custódia da história do Presídio Central, em Porto Alegre.
Em apenas 10 minutos, o juiz Victor Santanna de Souza decidiu pela homologação do flagrante de Alef Willian Castro da Silva. Preso por roubo menos de 24 horas antes - às 15h15min da quinta-feira, na altura do número 1.515 da Avenida Praia de Belas, na Capital -, o contador de câmara fria contou ao magistrado, com voz baixa e mansa, que alterna 20 dias de trabalho em Bagé com alguns dias de folga em Porto Alegre. Na quinta, na companhia de uma "ficante", decidiu assaltar para garantir um dinheiro extra.
- Eu tava precisando de dinheiro pra sair - disse Alef, sentado no centro de uma sala com não mais do que 20 metros quadrados, ocupada por 14 pessoas, incluindo juiz, promotor, defensor, assistentes judiciários, escrivães, técnicos de informática e policiais militares.
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Às 14h41min, depois de um breve diálogo com o detido, o juiz avisou-o de que decidira pela manutenção de sua prisão preventiva. Além de antecedentes por violência doméstica, diz o magistrado, Alef não comprovou ter residência fixa ou manter alguma atividade lícita, embora tenha dito trabalhar em um frigorífico. Para completar, pesou sobre o detido a suspeita anterior de participação em um homicídio.
- Esta conduta não é uma coisa isolada na tua vida - sentenciou o juiz, ao decidir pela manutenção de prisão preventiva.
Adotadas para garantir a rápida apresentação dos presos em flagrante a um juiz, de acordo com o estabelecido em tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil, as audiências de custódia visam a solucionar uma falha histórico do Judiciário nacional. Levados ao magistrado no dia seguinte à prisão, os detidos têm a sua situação definida rapidamente, abreviando um tempo de espera que, antes da adoção deste modelo, podia demorar de semanas até vários meses.
Nesta sexta-feira, em apenas 32 minutos (incluindo breves intervalos), foram realizadas quatro audiências de custódia - em todos os casos, os detidos foram mantidos em prisão preventiva. As audiências duraram entre quatro e 10 minutos. No total, serão realizadas 16 audiências no dia.
- Estamos vivendo um momento histórico - afirmou o juiz Victor Santanna de Souza. - Esta prática não irá resolver imediatamente os problemas da criminalidade ou a superlotação dos presídios, mas acredito que, no médio e longo prazo, vai resultar em uma mudança cultural, com reflexos na ação policial e, em um segundo momento, na manutenção como presos apenas daquelas pessoas que ofereçam risco efetivo à sociedade.
Como foram as audiências
Confira os quatro casos acompanhados por ZH. No total, foram 32 minutos, incluindo rápidos intervalos:
Audiência 1
Duração: 10 minutos
Detido: Alef Willian Castro da Silva
Preso em flagrante por: roubo
Antecedentes: violência doméstica e suspeita de participação em homicídio
Decisão: prisão preventiva mantida
Audiência 2
Duração: 8 minutos
Detido: Luís Felipe Furquim Lopes
Preso em flagrante por: roubo
Antecedentes: tráfico de entorpecentes
Decisão: prisão preventiva mantida
Audiência 3
Duração: 7 minutos
Detido: Juliano Gomes Bonifácio
Preso em flagrante por: porte de arma (revólver com numeração raspada)
Antecedentes: tráfico de entorpecentes
Decisão: prisão preventiva mantida
Audiência 4
Duração: 4 minutos
Detido: Marcelo Nunes Silveira
Preso em flagrante por: assalto a ônibus
Antecedentes: não informado
Decisão: prisão preventiva mantida