O Canto Alegretense, o hino extra-oficial do Rio Grande do Sul, ontem foi cantando em ritmo de saudade por gaúchos e gaúchas de todas as querências. O apresentador, historiador e compositor dos famosos versos, Antônio Augusto Fagundes, morreu, na noite de quarta-feira, em Porto Alegre, aos 80 anos.
Nico - que gerações acompanharam na tela da RBS TV, onde, por 30 anos, apresentou o Galpão Crioulo - morreu por causa de uma infecção respiratória, no Hospital Ernesto Dornelles, onde estava internado havia um mês. Milhares de pessoas passaram pelo Palácio Piratini para se despedir de Nico. Músicos e compositores de Santa Maria e região também estiveram lá, e lamentaram a morte do tradicionalista.
- Tio Nico foi sempre uma figura extrovertida, sempre tive nele a imagem de um guru, de um pai. Dentro do tradicionalismo, ele é a figura responsável por essa expansão da arte do Rio Grande do Sul - lembrou o músico Luciano Maia, em entrevista por telefone, da Capital.
Nos últimos anos, Nico Fagundes enfrentou uma série de problemas de saúde. Em 2000, sofreu um derrame que lhe deixou sequelas. Nem por isso deixou de trabalhar. Ao lado do sobrinho Neto, seguiu à frente do Galpão Crioulo. A partir de 2010, porém a saúde começou a se fragilizar. Naquele ano, quando veio a Santa Maria para fazer parte do júri da 18ª Tertúlia Musical Nativista, teve um mal súbito e foi internado às pressas no Hospital de Caridade. Diagnosticado com uma severa infecção, foi transferido à Capital, onde ficou em coma induzido por duas semanas. Em 2012, nova infecção generalizada determinou sua aposentadoria da TV.
Um gaúcho multifacetado
Mestre em Antropologia Social pela UFRGS, Antonio Augusto Fagundes constituiu uma sólida trajetória como pesquisador. Foi autor de livros que resgatam e recontam a história e as estórias do Estado. Entre eles, Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul, que compila quatro mitos e 94 lendas, propondo uma classificação para os relatos e mostrando que o imaginário local vai muito além do Negrinho do Pastoreio. Também de sua autoria é a Antologia da Poesia Épica no Rio Grande do Sul. Da ficção para os fatos, escreveu História do Rio Grande do Sul, em que discorre sobre os episódios fundadores do Estado e sua integração com a região do Prata.
Nico Fagundes ainda dirigiu dois longas-metragens nos anos 1970: Negrinho do Pastoreio (1973) e O Grande Rodeio (1975). Foi autor ou coautor de cerca de cem músicas regionalistas. A mais famosa, Canto Alegretense, feita em parceria com o irmão Euclides "Bagre" Fagundes.
Tão longa e rica trajetória rendeu a Nico amigos por todas as querências. Você confere manifestações de artistas e tradicionalistas da região que conviveram com ele e que agora conviverão com a saudade.
Músicos, compositores e tradicionalistas falam sobre Nico Fagundes
"Eu tive a chance de, durante cinco anos, viajar bastante com o Tio Nico, porque trabalhei com Os Fagundes. Ele foi sempre uma figura extrovertida. Sempre tive nele a imagem de um guru, de um pai. Dentro do tradicionalismo, ele é a figura responsável por essa expansão da arte do Rio Grande do Sul. Não foi só um homem que gostava da cultura em geral. Foi um estudioso, um cara que pesquisou a fundo a nossa cultura. E por saber adentrar nesses meios da televisão, foi um dos principais divulgadores do regionalismo."
Luciano Maia, músico
"Acredito que o legado que ele deixou como pesquisador e como homem de cultura no Rio Grande do Sul foi muito grande, não apenas a figura como apresentador, mas também como uma pessoa que elevava o Estado e sempre fazia questão de valorizar o gaúcho. Se não fosse por ele, talvez, nosso movimento não fosse tão forte. Ele dizia que era apreciador da minha obra. Lutou uma vida inteira para deixar um legado. E conseguiu."
Gujo Teixeira, compositor
"Ele foi meu parceiro. Gravei três músicas dele, e uma foi um grande sucesso: Rio Grande Amanhã. O considero um artista polivalente, porque além de apresentador de televisão, compositor, ator, fez inúmeros trabalhos em prol da cultura do Estado. Muito reconhecido, até nacionalmente. Posso definir Antonio Augusto Fagundes como um exímio riograndense, que hoje deixa um legado na história do Estado. Ele tinha uma sensibilidade ímpar, autor do Canto Alegretense, que ainda está na boca do povo. Ele deixou o coração do Rio Grande triste."
João Chagas Leite, músico
"Ele foi o maior representante do nosso nativismo, do nosso movimento. Era carinhoso, amigo... Tínhamos uma laço familiar muito forte: ele era primo da minha mãe. E mesmo com a tristeza, temos a segurança de que ele está em um lugar tranquilo e em paz. Acredito que até a BR-290 poderia ganhar o nome de Nico Fagundes, já que é a rodovia que liga o Rio Grande ao mundo. Torcemos que nossos queridos se tornem anjos. Ele era uma grande liderança."
Pirisca Grecco, músico
"Ele foi amigo do meu pai, e eu era muito amiga dele. O conheci há muito tempo. Há 30 anos, quando cantei na 5º Califórnia da Canção, eu não usei vestido de prenda, mas uma roupa especial para representar a Ana Terra, e fui muito criticada. Uma das poucas pessoas que me apoiou e incentivou foi o Nico. Na última Tertúlia, eu o encontrei e conversamos muito. E ele me disse: "Você tem que voltar a cantar, porque você é uma pioneira. Ele era muito amigo e um grande incentivador da arte gaúcha. Fica um vazio. Mas Deus sabe nosso caminho e nosso ciclo, e sabemos que ele cumpriu seu ciclo com muito empenho."
Oristela Alves, cantora
"O conheci pessoalmente e ele sempre foi um grande defensor da cultura e da tradição do Rio Grande. Foi patrão do 35 CTG, um estudioso que dedicou muitos anos à pesquisa. Com certeza, vai ser uma perda grande para a cultura gaúcha, mas o legado que ele deixa, por meio das pesquisas que fez, dos livros e músicas que escreveu não se perde. Realmente foi uma figura fantástica na defesa do nosso Estado. É uma pena que pessoas com esta qualidade, com estes importantes serviços prestados não tenham uma sobrevida. Mas isso é Deus quem sabe e, com certeza, ele estará lá em cima dando sua contribuição".
Ildo Wagner, presidente da 13ª Região Tradicionalista (13ª RT)
"Quando o movimento era executado por pessoas mais simples, o Nico era um doutor que puxava o movimento (para a frente). Ea um cara que tinha uma memória muito boa, um pesquisador. Escreveu livros de indumentária - e que bom que nós temos obras fantásticas escritas por ele para saber como as coisas devem ser. O Nico foi um poeta, uma das pessoas que levou o movimento tradicionalista gaúcho para a grande mídia. Divulgou o movimento e não deixou de fazer aquelas coisas mais simples. Ele puxou a dianteira, criou o grupo Cavaleiros da Paz e viajou pelo mundo levando a cultura do Rio Grande e mostrando as autenticidades como elas eram."
Erival Bertolini, ex-presidente da 13ª RT e do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG)