A cena: cacos de vidro pelo chão, sangue, minha filha berrando, apavorada. Foi o que encontrei depois de subir a escada. Só me lembro do estrondo e dos gritos. E do pânico. Do meu pânico. A casa da praia não é lugar para isso. Nenhuma casa deveria ser. Nenhum lugar deveria ser.
Minha filha de nove anos tomava banho no feriado. Iríamos jantar na casa de uns amigos ali perto, no Remanso. Ela desligou o chuveiro. Quando foi abrir a porta do box, blof!. O vidro temperado explodiu e se espatifou em centenas de cacos. Muitos deles caíram sobre o corpinho dela. O maior corte foi no pé. Tive alguns segundos de apagão. Fiquei catatônico.
Minha mulher enrolou nossa filha numa toalha, peguei uma roupa, vesti-a. Entramos no carro e fomos para o hospital. Nessa altura eu já intuía que os ferimentos - os aparentes - não eram graves. No fim, foram alguns cortes e três pontos no pé. Poderia teria ter sido pior, pensei enquanto voltávamos para casa. Pensamento idiota. O que poderia - o que deveria, aliás - é não ter acontecido.
Conto essa história por um motivo. Para alertar. Isso aconteceu no sábado, há uma semana. Minha filha já está bem, vai tirar os pontos logo, logo. Venho contando esse episódio para algumas pessoas. E a minha certeza aumenta cada vez que alguém revela: "já aconteceu comigo" ou "já aconteceu com alguém que eu conheço".
Vidros temperados que explodem do nada. Uma caseira de Atlântida, descobri depois, quase perdeu o movimento em uma das mãos. Estava limpando o box e, de repente, o vidro estourou. No meu caso, diante dos cacos e do sangue, fiz questão de limpar logo. Já imagino a alegação da fabricante. A culpa é da instalação ou do manejo. Já a instaladora empurrará a responsabilidade para a fabricante, ou para minha filhinha, que nada fez além de tentar abrir a porta. Tem alguma coisa muito estranha nisso.
E não quero que mais gente se machuque. Ou que se assuste. Há também elogios. Fomos muito bem atendidos no Hospital Santa Luzia, de Capão da Canoa. Tanto que, quando estávamos indo embora, minha filha, já mais calma, virou pra mim e disse, com o rosto inchado de tanto chorar: "Papai, quando eu tiver de tomar pontos de novo eu quero que tu me tragas neste hospital aqui". Eu ri, ela também.
Filhos que se machucam quando tentam caminhar vida afora. Concreta e simbolicamente. Com dor, mas sem gravidade. Faz parte. E pode ser importante, se servir como aprendizado. Depois eles levantam e seguem em frente. Quase sempre.
Mas, no caso do box que estourou sozinho, não há lição, não há aprendizado, não há nada, só dor inútil e desnecessária. Um vidro explode quando uma criança de nove anos está tomando banho. O que se aprende com isso? Nada. Se você tem box de vidro temperado em casa, talvez passe uma vida sem que ele se quebre. É a maior probabilidade. Não vejo necessidade de sair correndo e trocar.
Mas me senti na obrigação de escrever este texto. De contar o que me aconteceu. E se alguém tiver passado por isso, escreva pra mim. Sei que existem problemas mais importantes no mundo. E me desculpo se alguém se sente ofendido com o meu relato. Um vidro feito para não quebrar e que se espatifa sem motivo aparente. E não foi o único. Isso me intriga.
Opinião
Tulio Milman: uma dor inútil
Leia o texto publicado na ZH deste sábado
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