Episódios envolvendo tiroteios, execuções, morte de criança por bala perdida, ônibus incendiado, sequestro e desaparecimento nos últimos 25 dias realçam o crescimento de um fenômeno cada vez mais em evidência em Porto Alegre.
A exemplo do que ocorre há décadas no Rio de Janeiro, onde o tráfico desce o morro para acertar as contas no asfalto, a capital gaúcha padece com o avanço de quadrilhas pela cidade, fruto de guerras pelo controle de pontos de tráfico e o descontrole sobre a criminalidade.
- A insegurança é enorme. Não é só traficante matando rival. Está atingindo a todos nós. Não tem dia, hora ou lugar. Estamos expostos a esses desatinos - lamenta a promotora Lúcia Helena Callegari, que atua junto à 1ª Vara do Júri de Porto Alegre.
A promotora diz faltar organização na segurança pública e critica a escassez de vagas em cadeias, que tem gerado a soltura de presos para cumprir pena em casa, alguns sob monitoramento de tornozeleiras eletrônicas.
- Há uma liberalidade para concessão desses benefícios aos criminosos e isso tem reflexo forte nas ruas - assegura.
O recrudescimento da violência coincide com a falta de dinheiro do Estado para investimentos. Em janeiro, o governador José Ivo Sartori restringiu contratações por 180 dias e determinou cortes no pagamento de horas extras.
Na Polícia Civil, a investigação de homicídios na Capital, por exemplo, está comprometida porque policiais que trabalhavam até 40 horas a mais por mês, agora não passam de oito horas adicionais. De acordo com Wilson Müller, presidente da Associação dos Delegados da Polícia Civil, o principal problema da corporação é "absoluta falta de pessoal".
- A defasagem é imensa. O policial escolhe o crime que vai investigar, sempre os mais graves e os mais recentes - observa Müller.
A Ugeirm-Sindicato, que representa escrivães, inspetores e investigadores, marcou paralisação para 28 de abril.
Na Brigada Militar (BM), o corte nas horas extras se soma à diminuição natural na tropa por conta de aposentadorias e a um antigo déficit de policiais militares (PMs), que beira 40%. O resultado é um enxugamento no patrulhamento. Nos cálculos da Associação Beneficente Antônio Mendes Filhos (Abamf), entidade que representa cabos e soldados da BM, o efetivo nas ruas emagreceu em 20%.
- Falta planejamento para segurança - reclama Leonel Lucas, presidente da Abamf.
Oficialmente, os gaúchos desconhecem os resultados do trabalho das polícias em 2015. Na semana passada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) se limitou a divulgar percentuais de redução e elevação de alguns crimes, sem revelar detalhes. Segundo o coronel Paulo Moacyr Stocker, subcomandante-geral da BM, a criminalidade de um modo geral está em baixa no Estado. Ele também garante que a redução das horas extras atingiu apenas 2% dos PMs nas ruas:
- Não falta policiamento. Poderia ser melhor? Sim. Há desafasagem histórica. Mas, hoje, os resultados provam que as ações melhoram em relação a anos anteriores.
Para Stocker, não existe uma onda de violência. Na opinião de Cléber Ferreira, delegado regional da Polícia Civil em Porto Alegre, a sequência de crimes é anormal e tende a reduzir.
Escalada de crimes
Dentro de um ônibus no Centro da cidade, um homem é morto com mais de 20 tiros. Na Zona Sul, uma bala perdida de fuzil invade uma casa e mata uma menina de sete anos enquanto dormia. Na Zona Leste, criminosos ateiam fogo em um ônibus. Confira abaixo a cronologia de alguns casos que têm assustado a população em diversas regiões de Porto Alegre nos últimos 25 dias.
27 de março
Homens encapuzados, armados e se dizendo policiais invadem a casa do líder comunitário Jorge Leandro da Silva, 43 anos, e levam a vítima, durante a madrugada, no Beco dos Cafunchos, bairro Agronomia. Silva segue desaparecido.
13 de abril
No início da noite, um policial civil reage a tentativa de assalto e mata um dos ladrões na Avenida Bastian, no bairro Menino Deus.
13 de abril
À tarde, o taxista Luciano Juceli da Silva Jaime, 42 anos, desaparece após uma corrida até o Beco dos Cafunchos, no bairro Agronomia. Táxis estariam proibidos de entrar no local por traficantes. Jaime ainda não foi encontrado.
15 de abril
O assalto a uma madeireira no Morro da Cruz, na zona leste de Porto Alegre, acabou com um policial civil e um assaltante baleados. O grupo de três criminosos trocou tiros com agentes da 19ª Delegacia da Polícia da Capital quando foram flagrados roubando o estabelecimento na Rua Primeiro de Setembro.
16 de abril
Em um provável acerto de contas, Gerson Fagundes, 38 anos, é executado com mais de 20 tiros de pistola dentro de ônibus da linha Passo das Pedras, em plena tarde, no cruzamento da Avenida Farrapos com a Rua Ramiro Barcelos, no Centro. A vítima tinha antecedentes criminais e estava armada.
17 de abril
Um tiro de fuzil disparado durante a madrugada mata a menina Laura Machado Machado, sete anos, enquanto ela dormia na casa que vivia com os pais e quatro irmãos no Loteamento Campos do Cristal, no bairro Vila Nova. Um dos irmãos, de 11 anos, também foi atingido de raspão. O disparo partiu de quadrilheiros em guerra por pontos de tráfico. A família abandonou a cidade.
18 de abril
Um policial civil reage a assalto a uma padaria na Rua Camaquã, na Zona Sul. Na troca de tiros, dois criminosos são baleados e uma pedestre que passava pelo local também é atingida de raspão.
19 de abril
Por volta da 20h, três homens mandam cerca de 30 passageiros descer e ateiam fogo em um ônibus da linha 376-Herdeiros, no Beco dos Cafunchos, bairro Agronomia. A ação seria represália pela prisão de um traficante. O trio fugiu em um Celta vermelho.
19 de abril
Por volta de 22h, um brigadiano reagiu a tentativa de roubo do próprio carro e matou a tiros o criminoso, que também estava armado, na Avenida Independência, junto à Praça Dom Sebastião.
20 de abril
Por volta das 3h30min, uma quadrilha invade o centro médico Mãe de Deus Center, na Avenida Soledade, bairro Petrópolis, tranca três vigilantes em uma sala, e arromba com maçarico dois caixas eletrônicos do Banrisul.
Colaborou Carlos Rollsing