Quatro leis criadas há menos de dois anos parecem ter sido moldadas para o mundo do faz de contas em Caxias do Sul:
1 - É proibido fumar em área pública coberta. No mundo real, o cidadão não hesita em distribuir fumaça sob um teto ou parede;
2- Cobrar para cuidar de um carro na rua é delito passível de prisão. Nas ruas de Caxias, o que mais se vê são flanelinhas exigindo dinheiro dos motoristas sem pudor ou receio;
3 - Alimentar pombos é vedado pelo risco de doenças e outros transtornos. Nas praças centrais, a bicharada engorda diariamente com farta ração;
4 - Jogar lixo no chão pode render multa. Isso não impede a sujeira pelas ruas e calçadas.
Os itens acima são apenas exemplos novos do cotidiano de uma grande cidade. Há uma lista extensa de afrontas, tais como vender pirataria, não consertar ou construir calçadas, circular de carro com som nas alturas e por aí vai. Os disparates só prosperam porque sabemos exigir qualidade de vida e postura dos legisladores, mas somos os primeiros a desrespeitar as regras. O agravante: se o poder público já não conseguia fiscalizar a longa lista de leis mais antigas, o que dirá fazer cumprir as normas recentes.
Minimizar as infrações cometidas também é hábito recorrente entre a população, daí a explosão de irregularidades. Isso pode ter relação direta com o debate ético instalado no país. Em tese, ninguém aceitaria ser enquadrado como fora da lei por jogar lixo no chão enquanto políticos são denunciados por corrupção e desvio de dinheiro pública.
- Esse é o demônio da equivalência moral. Se imagina que roubar pouco dinheiro é melhor do que roubar muito dinheiro. Que matar uma pessoa é melhor do que matar 10 pessoas. Enquanto houver essa ideia, vamos perpetuar o descumprimento das leis - pondera o sociólogo e professor da FSG Adão Clóvis Martins dos Santos.
Para o especialista, a crise de todas instituições tidas como referência contribui:
- Se não há ponto de referência, por que não posso comprar um DVD pirata? É um equívoco: ou participamos desse novo acordo de ética ou nada será efetivo. Tem que começar de baixo para cima.
Há de se reconhecer, porém, que o município poderia fiscalizar e exigir mais do cidadão, o que não ocorre. O secretário municipal do Urbanismo, Fábio Vanin, diz que o poder público como um todo não soube criar mecanismos para o cumprimento de leis. Descarta, porém, que ampliar a quantidade de servidores na fiscalização seria ideal:
- Poderíamos ter mais fiscais, mas não isso não resultaria em efetividade.
Vanin comanda uma pasta com 20 fiscais do Código de Posturas. Questionado sobre o descaso da população, o secretário tece uma teoria:
- De onde surgem as leis? Elas são discutidas no Legislativo, por pressão de um grupo social, é ideia de uma parcela da sociedade, não está presente na consciência de todos os cidadãos. Na prática, se vê a lei como boa para o próximo, não para si.
O professor Santos vai além:
- O espírito de uma comunidade pode estar muito distante da lei aprovada. A lei pode ser bem intencionada e causar reflexão, mas esquecemos do elemento fundamental do processo pedagógico que deve acompanhá-la. Se imagina que com a lei aprovada está concluída a tarefa das autoridades. É necessário, porém, educar a população, e isso não depende apenas da escola.
Legislação ignorada
Quatro leis aprovadas há menos de dois anos são ignoradas em Caxias do Sul
Flanelinhas, fumantes sob marquises, lixo no chão e dar comida aos pombos são comuns
Adriano Duarte
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