Um telão na sala de reuniões colada ao gabinete do ministro exibe em letras e números gigantes as metas do Plano Nacional da Educação. No comando do Ministério da Educação desde a última segunda-feira, o filósofo Renato Janine Ribeiro não tira os olhos desses objetivos, diante da árdua missão de qualificar o ensino no país. Um dia depois da posse, o paulista de 65 anos, almoçou com técnicos da pasta, analisando uma por uma das metas, da alfabetização na idade certa à qualificação de professores.
Janine Ribeiro assume o MEC depois da passagem do ex-governador do Ceará, Cid Gomes, pela pasta. Professor da USP, chega com o apoio da academia e com tarefas urgentes. Reorganizar o acesso ao Fies e o repasse ao Pronatec, apesar dos cortes no orçamento, é uma delas.
Em rápida cerimônia, Janine toma posse como ministro da Educação
Em rede social, Renato Janine Ribeiro destaca Educação
Governo confirma Renato Janine Ribeiro como novo ministro da Educação
Ele, no entanto, escolhe o investimento no ensino básico como um dos seus principais desafios, envolvendo as universidades públicas nesta tarefa. Também não teme assuntos polêmicos: defende que alunos da universidade pública devolvam à sociedade, de alguma forma, o incentivo que receberam ao longo dos anos. Com a voz rouca de tantos discursos e entrevistas, o ministro concedeu entrevista a ZH:
O senhor, como colunista, escreveu bastante sobre ética. Agora, está ingressando num governo que atravessa uma crise ética. Como o senhor se sente em relação a isso?
Sempre fiz críticas éticas à política, mas discordo que o problema seja de governo ou do PT. A condenação deve ser contra a corrupção praticada por quem quer que seja, pelo partido A ou B. O que acho muito ruim na política brasileira é que há uma discussão que instrumentaliza a questão da corrupção para atacar aquele lado do qual se discorda, mas que não quer no fundo o fim da corrupção. Quando a corrupção favorece a pessoa que está reclamando, ela finge que não existe. E isso é um sinal de uma imaturidade muito grande na discussão política.
E o sistema de controle? Agora o senhor está assumindo uma pasta que tem muitos programas e muito dinheiro público. O senhor pensa em pedir um pente-fino?
Fazer um pente-fino é errado porque você tem que ter sistemas permanentes de controle. Já existem sistemas de controle. Aí você está vendo (aponta para o telão) as 20 metas do Plano Nacional de Educação. Essas são as metas aprovadas no ano passado para serem atendidas até 2024, em 10 anos. Então, com essas metas você pode saber o que está sendo feito. Pode cruzar essas metas com as ações que existem, quanto foi despendido ou não. Pode então ter, eventualmente, alguém que faz uma prestação de contas primorosa, mas terminou o ano gastando mal. Do ponto de vista ético, eu não sei o que é pior, se é desviar o dinheiro ou não fazer aquilo que ele tem que fazer.
Uma das metas do PNE é a valorização dos professores. Quais os planos para incentivar o magistério?
Até 2020, o salário dos professores da educação básica, de Estados e municípios, deve chegar ao mesmo valor de quem teve a mesma escolaridade, chave absoluta para a carreira de professor ser atraente. Você faz quatro anos de biologia, por exemplo, e quer ser professor de biologia. Se você ganha 72,7% do seu colega que está trabalhando em laboratório de análises químicas, por que você vai ser professor?
O Rio Grande do Sul não consegue ainda pagar o piso do magistério. Há toda uma discussão envolvendo Estados e municípios a respeito da mudança da forma de cálculo, não mais pelo Fundeb, mas pela inflação. O senhor é a favor da mudança dessa forma de cálculo?
Isso eu tenho que estudar para poder te responder. Essa negociação é muito difícil. É claro que um município ou Estado, para cumprir isso, tem que ter saúde financeira. Mas isso é uma coisa que ele tem que construir.
A União pode ajudar?
Não posso prometer recursos da União, não tenho delegação pra isso.
Por onde começa a qualificação da educação básica?
A educação básica tem que ser prioridade nacional. A União não está autorizada constitucionalmente a mandar nessa área, é dos Estados e municípios. Mas a União tem escala, que Estados e municípios não têm. Um exemplo que eu gosto de dar, de um futuro já bem adiantado, é o da capacitação dos diretores de escola. Você pode pegar escolas que têm mais de 600 alunos, são 17 mil no Brasil, é um número manejável. Os Estados e municípios que quiserem dirão: só pode ser diretor de uma escola quem tiver passado por uma capacitação oferecida pelo MEC. Isso é uma questão de gestão.
O senhor defende a participação das universidades federais. Como funcionaria essa integração?
Na medida em que elas formam professores para o ensino básico. Na avaliação do professor se leva muito em conta o conhecimento científico e muito pouco a performance na sala de aula. Essa é uma crítica normal. Você tem que avaliar o professor ali e dar condições para ele de crescimento econômico, financeiro e social na medida em que ele consiga realmente motivar seus alunos.
No que depender do senhor, muda mais alguma coisa nas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies)? Há queixas sobre a restrição do acesso ao crédito.
Sou a favor das novas regras como ministro e como ser humano. Você não pode fazer com que dinheiro público seja utilizado por uma decisão que não tenha critérios de mérito e de justiça. Nós vamos conversar com, pelo menos, uma parte das universidades. Vamos ainda definir qual a ação tomar para conversar com quais instituições.
As escolas brasileiras viveram décadas se preparando para o vestibular, agora o foco está migrando para o Enem. O senhor concorda com o modelo que existe hoje do Enem?
Essas coisas todas sempre podem ser discutidas, alteradas. O Enem trouxe alguns avanços significativos. Serve para ver como foi o ensino médio, para dizer para a sociedade inteira onde o ensino médio está bom ou está ruim. Todos os alunos e suas famílias têm que saber se aquela escola vale a pena ou não. Fora isso, também se criou esse papel de se tornar uma via de acesso à universidade, com grandes êxitos.
Em que pontos o Enem pode ser aprimorado?
Estou falando em tese: você tem todo um instrumento de avaliação que tem que mudar com muita frequência, porque chega uma hora que as pessoas trabalham o instrumento e não a realidade, o Enem se torna o fim em si. Você passa a ter colégio que prepara para Enem, cursinhos focado nisso.
O que acha da ideia do Enem online, defendida por Cid Gomes?
Estamos pensando um caminho para os treineiros (alunos que fazem o Enem apenas para testar).
São frequentes os casos de professores acuados pela violência de alunos e pais. O senhor vê solução?
Cultura de paz é uma meta. São duas coisas ligadas: ética e cultura de paz. Nós temos que ter mais discussão ética. Mas é uma coisa muito delicada, que tem que ser feita com muito cuidado, não pode ser doutrinação. Tem que ser também um processo educacional. Doutrinar nunca é educar.
Mas pode passar por uma campanha do governo federal?
Vai ter que passar. Nós temos uma secretaria aqui, uma das seis secretarias do MEC, cujo objetivo é justamente reduzir a desigualdade social. E inclusão social não quer dizer só cotas, mas quer dizer acabar com todas as formas de preconceito e discriminação.
O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa prevê crianças alfabetizadas até o terceiro ano do ensino fundamental. Oito anos não é uma idade elevada?
Olha, também não dá para colocar metas que você talvez não possa atingir. O que nós temos que fazer é conseguir essas conquistas gradualmente.
O Ciências Sem Fronteiras nasceu como uma proposta revolucionária, mas há críticas de que falta controle. Há quem chame o programa de Turismo Sem Fronteiras.
Isso tem até uma certa maldade. Todo o programa novo exige acompanhamento. É um desafio intelectual, você tem que bolar muito bem como se estrutura tudo. Às vezes, você solta muito para que as coisas se acomodem mais ou menos sozinhas e depois você observa se essa acomodação é boa ou não. Aí passa um dos problemas: como você controla mais? Como garantir que o estudante esteja realmente estudando, fazendo o que tem que fazer e, sobretudo, tendo uma responsabilidade social? Esses alunos estão tendo uma renúncia da sociedade brasileira em favor deles. Temos que passar para eles um senso de compromisso social, que muitas vezes falta.
E como vai ser feito isso?
Ah, não sei, tem que discutir. Entra no domínio da ética. Pelo menos o aluno de universidade pública, ele tem que ter muito claro que o ensino de qualidade que está tendo foi pago por outros. Aí bate um problema ético sério da sociedade brasileira: a privatização do diploma. Você cursa a universidade pública e encara o diploma como uma propriedade privada. Não deve nada a ninguém, não deve nada ao governo, nada à sociedade, à universidade, você se lixa. É horrível. Não estou dizendo que os estudantes são antiéticos. Só que não foi colocado para eles isso, eles não sabem. Então o rapaz entra na faculdade pública, o pai fica feliz, com o dinheiro economizado compra um carro melhor, e o aluno termina o curso sem que tenham dito para ele isso, que é óbvio, que a sociedade fez uma renúncia em favor dele.
O senhor acha que esse aluno tem que prestar um serviço social?
Pretendo colocar essa discussão. Mas não como imposição. Há questões em que o processo de discussão é muito mais rico do que uma medida.
Diante das restrições orçamentárias, o slogan Pátria Educadora não é exagerado?
Defendo o slogan. A palavra pátria já foi muito mal utilizada, empregada de forma autoritária. É importante recuperarmos para nós. Estamos lidando com as restrições orçamentárias. O que não der com economias vamos tentar adiar, mas não suprimir ações. Dá para passar por essa tormenta, não digo incólume, mas salvando o essencial.
Há uma percepção de que os notáveis que se tornam ministros, como Adib Jatene e Zico, acabam engolidos pela máquina pública, não conseguem levar adiante seus projetos. Teme ser vítima dessa maldição?
Essa pergunta é tão pessoal. O que me incomoda mais é a estranheza de ter me tornado ministro. É uma coisa muito diferente. Sempre tive uma vida basicamente privada, exerci um cargo na Capes, foi um cargo de poder, mas não de nível ministerial. De repente você está lidando com coisas, você vê uma cena que não acredita que você está ali. Sou eu que estou aqui? (risos). É uma questão quase de identidade, que nova identidade você está assumindo.
Qual a marca que o senhor quer deixar da sua passagem pelo MEC?
A preocupação hoje é este ano. Estou entrando num momento de dificuldades orçamentárias, que vai exigir cuidados maiores. A meta do governo, do que eu possa fazer em um pouco menos de quatro anos, vai no sentido de melhorar a educação, em tudo o que for possível, garantindo a justiça social, que acho que é um dos grandes ganhos (dos governos Lula e Dilma). Sou muito exigente em termos de qualidade. Vamos continuar tendo educação regular, com diploma e tudo, mas temos que favorecer cada vez mais formas de educação em que as pessoas aprendam o que querem e como querem.
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