Três dias após entrar em vigor a nova lei que considera crime - e não mais apenas contravenção - o fornecimento de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, o Departamento Estadual da Criança e do Adolescente (Deca) efetuou a primeira prisão de uma operação que pretende, nos próximos meses, coibir a venda a adolescentes. Em uma festa na Zona Sul de Porto Alegre, uma jovem foi presa em flagrante no último sábado.
A moça, de 18 anos, estava trabalhando no bar da casa de eventos situada na Avenida Tramandaí, no bairro Ipanema, e foi detida em flagrante por vender doses de vodca com energético a três adolescentes de 15, 16 e 17 anos. Três policiais civis e a delegada Andréa Magno, da Delegacia de Polícia da Criança e Adolescente Vítima (DPCAV), entraram à paisana na festa - intitulada A Culpa é do Open Bar III - e constataram o crime.
Longe de casa, adolescentes bebem livremente, brindando à ingenuidade dos pais
Venda de bebidas alcoólicas ocorre sem controle no centro de Atlântida
- Vamos para a delegacia resolver, que isso não dá nada - afirmou um integrante da produtora que organizou a balada, dando a entender que acreditava na fragilidade da lei.
- Cara, eu vou te dizer: vai dar sim - respondeu um civil, em alusão à lei sancionada terça-feira pela presidente Dilma Rousseff e publicada quarta no Diário Oficial da União.
De acordo com o texto estabelecido no projeto de lei do deputado Humberto Costa (PT-PE) e aprovado pela Câmara em fevereiro, é proibido vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, bebida alcoólica a uma criança ou a um adolescente. Por isso, foi detida a moça, que além de vender as bebidas, também é produtora da festa.
- Como foi ela quem entregou a bebida sem se certificar da idade do comprador, ela é quem se enquadra no texto da lei. Os adolescentes que compraram também são levados à delegacia, mas apenas para serem entregues aos pais ou responsáveis - explicou a delegada.
A jovem pagou fiança de dois salários mínimos e foi liberada, mas responderá na Justiça. O inquérito será instaurado, e o juiz decidirá a punição para o crime, que pode chegar a quatro anos de prisão e multa de até R$ 10 mil. De acordo com Andréa, vai ser aberta também uma investigação para apurar se houve responsabilidade da produtora ou da casa de eventos sobre o ocorrido.
William Cardoso, dono da New Follies produtora, afirmou que havia uma área restrita a maiores de 18 anos (ondeseriam servidas as bebidas) e que a segurança da casa é que falhou ao deixar entrar os três adolescentes. A casa de eventos Looper ainda não comentou o assunto. Em página própria no Facebook, a Looper declara obrigatória a apresentação do documento de identificação.
A operação já vinha sendo arquitetada antes mesmo de a lei ser sancionada, segundo a delegada. Os locais escolhidos para a abordagem discreta são aqueles que já foram denunciados ao Deca por venda de bebidas a adolescentes. No sábado, os policiais também fizeram campanha ostensiva de prevenção ao crime, durante as atividades do aniversário de Porto Alegre. O Deca recebe denúncias por meio do número 0800-642-6400.
Nas ruas, situação foge do controle
Depois de acompanhar a operação do Deca, a reportagem foi até a Cidade Baixa verificar o consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes. Distantes da vigilância dos pais, muitos jovens endossam as estatísticas do Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp): metade dos brasileiros entrevistados disse ter provado bebidas alcoólicas entre 12 e 14 anos e 41% entre 15 e 17 anos.
Na Rua José do Patrocínio, a maioria dos jovens compartilhava garrafas de vidro de destilados. Alguns estavam em volta de um isopor cheio de gelo e bebidas diversas, como vodca, cerveja, uísque e tequila. Uma estudante de 16 anos admitiu ter comprado em um supermercado. O dono de um bar no bairro disse que a apresentação da carteira de identidade é indispensável no momento da compra, mas, da porta para fora, o controle se perde.
- A gente tenta fazer certo aqui dentro, mas sabemos que é muito comum o adulto comprar e distribuir as bebidas para os adolescentes ali na rua. Aí, foge da nossa alçada - comenta o vendedor, que preferiu não ser identificado.
Como era
O texto do artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) era genérico. Dizia ser crime venda e fornecimento de "produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica". Nos anos 90, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao entender que álcool não se enquadrava no artigo, portanto, era contravenção penal sujeita a penas brandas, abriu precedente para que decisões esbarrassem na interpretação da lei.
Como é agora
A lei 13.106/2015, atualmente em vigor, inclui o termo "bebida alcoólica" na redação do artigo 243 do ECA. Fica proibido vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente e de qualquer forma, bebida alcoólica a crianças e adolescentes, além de outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica. O delito não depende que a criança ou adolescente consuma de fato o produto.