Meu amigo Carlos Urbim sabia ficar bravo. Não foram poucas as vezes em que ouvi aquele vozeirão de gaúcho fronteiriço, em geral domado por um temperamento de natureza risonha e afável, erguer-se acima da acomodação bem-comportada para denunciar pequenas e grandes injustiças ou demonstrações explícitas de mau gosto e vulgaridade. Urbim era daqueles que não tolerava deseducações, desrespeitos, mesquinharias e que ninguém esperasse dele os bons modos de reclamar baixinho daquilo que considerava que não estava bem.
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No mais das vezes, porém, Urbim parecia um embaixador das delicadezas do mundo radicado no território na rotina burocrática de todos os dias. Como escritor, lançou-se na literatura infantil com um livro autobiográfico chamado Um Guri Daltônico e por isso muitas vezes assisti ao meu amigo explicando para algum curioso como era esse negócio de não conseguir enxergar determinadas cores. Para a maioria das pessoas, é necessário um considerável exercício de imaginação para conceber o mundo com os olhos de Dadau, personagem do livro, o menino que na hora do jogo de futebol passa a bola para o jogador errado porque confunde as camisetas e às vezes morde a parte branca e sem gosto da melancia em vez da deliciosa polpa vermelha da fruta.
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Na convivência diária com o Urbim, era mais ou menos o contrário que acontecia. No jornal, no tempo em que trabalhamos juntos, me acostumei a vê-lo chamando atenção para nuanças que, distraídos, talvez nos passassem despercebidas. Não a cor berrante dos fatos que se impõem ou que nos são impostos, mas o matiz discreto de uma emoção ou de um gesto delicado que nem todos percebem ou se dão ao trabalho de mencionar em público. O Urbim via muito mais do que 50 tons de cinza onde muitos só enxergam preto ou branco - e sabia colorir todas as conversas com aquela genuína capacidade de rir alto e de se espantar que muita gente deixa para trás depois de uma certa idade.
Pensando no Urbim e no que as pessoas têm dito e escrito sobre ele desde o momento em que a sua presença sempre cheia de vitalidade e energia transformou-se na matéria intercambiável da memória, percebo como são coloridas todas as histórias ligadas a ele. Não por acaso. O coração do Urbim era como aquela gigantesca caixa de lápis com 360 cores brilhantes que deixaria o guri daltônico tonto, mas que o homem generoso que ele foi soube franquear a todos a sua volta - e que os leitores sempre poderão descobrir, ou reencontrar, nos livros que ele deixou.