Prestes a receber os pedidos de abertura de inquéritos e de ações penais contra parlamentares e autoridades com foro privilegiado citados na Operação Lava-Jato, o Supremo Tribunal Federal terá de passar por uma discussão interna sobre a capacidade recursal a que terão direito futuros réus.
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Desde junho de 2014, as ações penais deixaram de ser analisadas pelo plenário e passaram para competência das duas turmas que compõem a Corte. A mudança foi feita sob a justificativa de que daria maior celeridade aos julgamentos. No entanto, deixou uma lacuna na estrutura recursal do Supremo: em quais condições cabem os chamados embargos infringentes nas turmas.
O tema já preocupa criminalistas. Eles temem que o STF entenda que não serão aceitos os infringentes no caso de julgamento nas turmas, o que eliminaria por definitivo a possibilidade de reversão de uma eventual decisão desfavorável. A dúvida ocorre porque o regimento da Corte admite o recurso contra condenação em ação penal quando existem quatro votos contrários à sentença do julgamento em plenário.
Contudo, não há uma especificação de regra no caso das turmas, embora o recurso seja previsto nesse caso. As turmas são compostas por apenas cinco ministros cada, enquanto o plenário conta com os 11 ministros da Corte. Na prática, sem os embargos infringentes, os condenados perdem o direito a um "rejulgamento".
O recurso foi tema de uma ampla discussão no processo do mensalão e sua análise serviu para a reverter algumas condenações e absolver oito condenados do crime de formação de quadrilha. Tiveram as penas reduzidas por causa da revisão do julgamento os petistas José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino; José Roberto Salgado e Kátia Rabello, do Banco Rural; Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, do chamado núcleo publicitário.
A absolvição possibilitou a Dirceu e Genoino iniciarem o cumprimento da pena já no regime semiaberto - com trabalho externo durante o dia. Ambos atualmente cumprem pena em regime aberto - na prática, estão em prisão domiciliar.
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O Supremo é a única Corte em que os infringentes são previstos. Após a Constituição de 1988, esse recurso foi excluído de todos os tribunais superiores. Diante do impasse, a Corte tem ao menos três caminhos: descartar o cabimento dos infringentes nas turmas, regulamentar o tema - definindo quantos votos divergentes ensejam a proposição do recurso - ou acatar a sugestão de Marco Aurélio, de que apenas um voto contrário é suficiente para o recurso.
Em conversas reservadas, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, tem mostrado preocupação com o tema e vai estimular que o assunto seja discutido internamente. A avaliação do presidente da Comissão de Regimento do STF, ministro Marco Aurélio Mello, é de que os infringentes devem ser aceitos na turma mesmo se houver apenas um voto divergente. Nesse caso, ele defende que a competência para julgar o recurso é do plenário.
O ministro defende que seja aplicada a previsão do Código de Processo Penal, em que apenas um voto pela absolvição possibilita o recurso. Para que o tema seja discutido, diz Marco Aurélio, deverá ser suscitado por algum dos ministros ou será preciso esperar os desdobramentos de um caso concreto.
'Tratamento isonômico'
O ex-ministro Carlos Ayres Britto, que presidiu o Supremo no julgamento do mensalão, vê a necessidade de que a Corte decida sobre em quais casos poderão ser aceitos os embargos infringentes.
- Do ponto de vista da tramitação mais rápida dos processos, o Supremo decidiu bem em mandar, em linhas gerais, as matérias penais para turmas. Mas é preciso ver como fica o recurso dos embargos infringentes, é preciso que haja previsão normativa para que nas turmas o contraditório e a ampla defesa sejam os mesmos do pleno - afirmou.
Ayres Britto lembra que, mesmo com a mudança do julgamento das ações penais para as turmas, alguns réus têm direito à reserva de plenário, caso dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
-É preciso assegurar um tratamento isonômico considerando as garantias constitucionais do pleno - destacou.
O criminalista Celso Vilardi - que defende executivos da Camargo Corrêa presos na Operação Lava Jato - acredita que, se não houver mudanças no regimento do STF, a tendência é de que os réus tenham direito ao recurso de embargos infringentes com apenas um voto contrário. Vilardi, que também defendeu o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares no julgamento do mensalão, questiona ainda a mudança feita pela Corte, de levar as ações penais do plenário para as turmas.
- Tenho dúvidas da constitucionalidade dessa modificação.