Autor da façanha de vender mais de 1 milhão de livros recontando a história do Brasil ao estilo jornalístico, na coleção Terra Brasilis, o escritor Eduardo Bueno volta à carga. Aos 56 anos, Peninha prepara seu primeiro romance histórico e afia a língua para o retorno do programa Extraordinários, palco de controvérsias em que se envolveu recentemente.
Performático como de costume, o autor fanático pelo Grêmio e por Bob Dylan não fugiu de polêmicas nas duas horas de conversa no seu escritório em Porto Alegre. Nas respostas mais virulentas, inclinava a cabeça até o gravador e repetia aos berros alguma frase de efeito, recheada de palavrões:
- Será que gravou? - perguntava, rindo.
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Os que os brasileiros ainda precisam aprender sobre a história do 7 de Setembro? A versão ensinada nas escolas sobre a Independência corresponde aos fatos?
No instante em que o então príncipe D. Pedro decidiu desafiar seu pai, o rei D. João VI, e permanecer no Brasil, a independência já ficou desenhada. Poderíamos estar muito bem festejando hoje aquele 9 de janeiro de 1822, o dito Dia do Fico, como o momento em que o Brasil rompeu seus laços com Portugal. Até porque o que aconteceu no 7 de Setembro foi mera formalidade - embora, curiosamente, sem formalidade alguma, já que o príncipe estava desarranjado, com uma caganeira... real. No colégio, os alunos seguem aprendendo a versão cristalizada pelo quadro de Pedro Américo, pintado 60 anos depois, e a pedido de D. Pedro II, mais interessado em "fabricar" uma versão da história do que em desvendá-la. O importante seria deixar claro que, naquela ocasião, como em outras, o Brasil sempre mudou para continuar igual: nesse caso, para se manter uma nação retrógrada, dependente do braço escravo, meramente agroexportadora e avessa aos avanços republicanos. Afinal, além de ter sido um dos últimos países do continente a se tornar independente, foi o único que se manteve como uma monarquia, e o único que não aboliu a escravidão. Isso se repetiria várias vezes: na proclamação da República, na revolução de 30, no Estado Novo, no golpe militar em 1964. E, apesar de certos avanços sociais, também com o PT, que, após chegar ao poder, aliou-se a Sarney e a Collor, e teve presidente que andou até visitando Maluf...
Neste dia 7, também começa a ir ao ar uma propaganda que você protagonizará, no papel de "maior historiador do mundo", para a mais bairrista marca de cerveja do Rio Grande do Sul. Como será esse papel?
Será exagerado, histriônico e debochado... como eu mesmo (risos). Sempre achei sensacional a ideia de ironizar essa certeza tão gaúcha de que somos os maiores e os melhores em tudo - que, aliás, eventualmente parece ser levada a sério por certos segmentos da mídia... Desta vez, o tema será a Revolução Farroupilha e eu, vestido como Bento Gonçalves, entro num bolicho para "ensinar" praqueles magrões do Bom Fim a "verdadeira" história da revolta: que nós não apenas a vencemos, "ganhamo de vareio, dando uma tunda nos brasileiro", tudo assim mesmo, sem plural, no mais perfeito gauchês. A gravação foi hilária. E o melhor é que vai estrear neste 7 de Setembro... E ainda no mesmo dia em que Extraordinários volta ao ar. Acho que vou até pedir uma cópia para agência para mostrar pros meus colegas de sofazão como é que se faz história de verdade (risos).
Falando em Extraordinários, sua participação no programa do canal SporTV provocou polêmica nas redes durante a Copa, por causa de uma declaração considerada preconceituosa sobre o Nordeste. Ficou algum arrependimento ou aprendizado?
Não, ao contrário. Se ficou arrependimento é porque eu não fui mais virulento na minha reação. Qualquer um com dois neurônios entenderia que foi uma brincadeira. Quem acompanhava o programa sabia que eu e o Xico Sá ficávamos nos alfinetando. Ele dando a entender que gaúcho era veado, e eu pegando no pé dos nordestinos. E aí no meio da conversa ele disse "Nordeste, a parte mais rica do Brasil". E eu falei "é, aquela bosta", totalmente de gozação, é facílimo perceber isso. Os caras pegaram só essa parte e criaram um escândalo enorme.
Programa Extraordinários, exibido durante a Copa do Mundo no SporTV
Em uma das respostas à polêmica, você disse que não admitia conversar com quem não tivesse lido pelo menos 40 livros sobre o Nordeste e disse que queria declarar "guerra ao nordestino babaca". Essa posição se mantém?
Mantenho, e mais. Mais! Tudo isso eu falei sem ter lido o que eles disseram. Agora eu li. Então eu quero guerra, guerra, guerra! Estou louco pra ir para o Nordeste, subir num ringue, desde que seja para lutar com palavras! Ou então não... Vamos debater. Uma rádio da Bahia me deu sete minutos para eu me "defender". Falei que o Nordeste é uma bosta porque é uma bosta. E o Nordeste é uma bosta porque o Brasil é uma bosta. E o Brasil é uma bosta porque, no fundo, o mundo é uma bosta. E o mundo é uma bosta porque a humanidade também é. Agora, o Nordeste especificamente é uma bosta por uma série de razões sociais, econômicas, mas também ecológicas, nada a ver com seu povo sofrido. Mas que é um lugar de coronelismo, de clientelismo, e de muita incompetência, isso é inegável. Ainda uma sociedade de casa grande e senzala
Eu conheço todo o Nordeste - e eu amo o Nordeste! E fiz mais pela região que todos esses idiotas que estão me criticando na internet juntos. Escrevi um livro, Capitães do Brasil, no qual contei a história de cada capitania do Nordeste e de todas as tribos indígenas que viviam lá, antes de elas serem massacradas. Se em vez de ficarem na internet tivessem lido, teriam aprendido um pouco por que o Nordeste em particular e o Brasil em geral são como são...
Você já disse que despreza as redes sociais, que não tem e nunca terá. Por quê?
Se dependesse de mim, seria o extermínio geral das redes. Estou cagando pra esses idiotas da internet. Quem tem que dar opinião é quem está qualificado. Tem opinião para dar, vai lá escrever um livro que periga eu ler. Não quero saber o que gente que só navega na rede e nunca leu uma porra de um livro
na vida tem a dizer. Nem escrever eles sabem.
Não parece uma contradição alguém com essa veia polêmica tão forte, que diz tudo o que pensa, não querer ouvir as opiniões alheias?
Não. Eu só entro em polêmica construtiva, verdadeira. Eu gosto de polêmica, desde que ela venha para se debater uma coisa de verdade. Se quiserem discutir sobre o Twitter, por exemplo, com quem eu vou discutir? Com as pessoas do Twitter? E no Facebook não entro nem fodendo. Aliás, vou dedicar a minha vida a processar o Facebook (por causa do perfil falso criado em seu nome na rede). Pra abrir um perfil, tu não precisas provar nada. Pra fechar, tens que mostrar o exame de fezes da tua bisavó! E aí não se consegue fechar. Estou consultando advogados, e dos mais radicais...
Ao mesmo tempo em que suas obras históricas são sucesso de público, são criticadas por historiadores que apontam uma visão superficial e simplificada dos fatos históricos. Olhando para trás, há algo que você mudaria hoje em seus livros?
Não, não. Sempre achei isso uma falsa polêmica. Primeiro, porque ela nunca veio à tona mesmo para ter um debate. Todos os que eu chamei para o debate, não sei por que, fugiram da raia! Eu até sei: sou um cara de raciocínio rápido, debochado, cínico, controverso. Então o cara vem discutir comigo, está fodido. Mas na verdade os caras recusaram o debate porque não se sustentava. Fui acusado de fazer livros de divulgação. Aí eu disse: "Ah, legal são os de vocês, né, que são de não-divulgação". (risos) Tanto é que os grandes historiadores do Brasil, que admiro e respeito, esses saíram em minha defesa sem eu ter falado com eles. Meus livros têm muito dos méritos do jornalismo: a fluidez do texto, os truques e ganchos para prender a atenção. E quais são os defeitos do jornalismo, que meus livros também têm? Uma inerente superficialidade. Porque tu só consegues a fluidez narrativa se não esmiuçar demais. Para atingir o público que eu queria tinha que ser assim.
Pedro Bial e Peninha revisitaram a história em série do Fantástico, em 2007
Como você avalia a relação do brasileiro com a sua história?
Das mais frágeis, né? Eu fiz um trabalho no History Channel que terminava sempre com a mesma frase, que é um clichê, mas é verdadeiro: povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la. Não é privilégio do brasileiro, mas os uruguaios e argentinos sabem muito mais da sua história do que a gente. Aqui os meus livros são considerados um fenômeno total, e são. Venderam quase 1,3 milhão de exemplares, num país de 200 milhões de habitantes. Ou seja, nós, os letrados, continuamos falando só para nós mesmos. O povo segue ali, do lado de fora...
Depois de 10 anos sem publicar, você já disse que a trilogia Carioca, que está escrevendo, é o projeto mais importante de sua vida. O que os leitores podem esperar desse romance histórico que pretende traçar a biografia do Rio desde sua descoberta, em janeiro de 1502, até a retomada do Morro do Alemão, em 2012?
É a melhor coisa que já fiz na vida. Sinto que todos os livros que eu fiz antes são uma espécie de preparação. Há muitos anos as pessoas sugerem que eu escreva ficção, desde o tempo em que eu era jornalista. Sempre soube que tinha um romance fermentando dentro de mim. E um dia amadureceu. Eu tomo banho pensando em livro a vida inteira. Tenho mais ideias de projetos do que eu possa realizar em três encarnações. E aí um dia veio na minha cabeça essa história do Rio de Janeiro, do nascimento até os dias de hoje. Tive até que me apoiar na parede, porque veio a porra inteira de uma vez. Quase desmaiei! O livro vai ter também uma inovação de estilo, que é uma linguagem diferente para cada período histórico, desde o português falado no século 16 até a gíria estilo Tropa de Elite.
O que a biografia do Rio revela sobre a alma brasileira?
Durante quase 300 anos, o centro das decisões do Brasil foi o Rio de Janeiro, capital do país por 200 anos. Mas antes e depois disso o Rio de Janeiro exerceu o poder. De certa forma, foi capaz de se apoderar do imaginário do Brasil. Porque o Brasil é muito mais africano e nordestino do que carioca. Mas o Rio é tão mágico, em função da sua paisagem - e da ganância especulativa que isso despertou -, que mesmo o Brasil sendo africano, nordestino, amazônico ou sulista, o neguinho diz: ah, o Rio de Janeiro! E o Rio segue ditando modas e comportamentos, desde 1808 para cá.
Se fosse usar a história do Rio Grande do Sul para um romance, o que escolheria? Que período da história gaúcha lhe instiga mais? E que personagem?
Gostaria de escrever uma história similar à Carioca sobre o Rio Grande do Sul, que teria a ver com O Tempo e o Vento, mas em outra linguagem. Sempre fui muito ligado nos charruas e minuanos, e o gaúcho é um personagem inacreditável. Então, se esse lance der plenamente certo, como acho que vai dar, ameaço os gaúchos com um futuro livro sobre eles! E depois me mudo, porque não vou poder ficar aqui (risos).
E teria algum período específico?
Tudo. Desde os charruas. Eu não posso entregar, mas meio que já estruturei, termina com Brizola enfrentando Collor - e perdendo para ele, é claro. Até porque, depois de 1983, não aconteceu mais nada de relevante no Rio Grande do Sul, né. Então termina aí, com o Grêmio campeão do mundo (risos)!
Acho melhor mudarmos de assunto (risos). Após o sucesso da coleção Terra Brasilis e da febre dos livros de história, por que decidiu se dedicar a obras encomendadas?
Foi circunstancial, como tudo na minha vida. Nunca tive um plano de carreira, sempre fiz tudo aos trambolhões. E os livros de história fizeram um sucesso estrondoso, venderam quase 1,3 milhão de exemplares. Eu inventei esse mercado dos livros de história escritos por jornalistas. Sabia que existia uma demanda reprimida para a história colonial do Brasil tratada com um novo olhar. O que eu fiz foi pegar algo que estava aprisionado na sala de aula, que todo mundo achava que conhecia... Pedro Álvares Cabral, descobrimento do Brasil, capitanias hereditárias. Peguei isso e dei uma nova roupagem. Meus livros foram lidos pelo presidente do Brasil e pelo motorista do presidente do Brasil. Digo isso porque quando o Fernando Henrique nos chamou em Brasília, depois de ler os livros, conheci o motorista dele, e o motorista dele também tinha lido.
Coleção, lançada entre 1998 e 2007, vendeu mais de 1 milhão de exemplares
E por que então, no auge do sucesso, largou tudo para escrever livros encomendados?
Fui convidado pelo FH para escrever a história da Caixa Econômica Federal - e foi o primeiro livro sob encomenda. Peguei só pelo dinheiro, achando que a história era uma porcaria e que o dinheiro era uma maravilha. Aí virou quase o contrário: como era um negócio com o governo, 30% já ficou retido na fonte. Então o dinheiro não era tudo isso, mas a história era maravilhosa. Porque a Caixa foi fundada em 1861 pelo Mauá e pelo D. Pedro II, e eles brigaram por causa da Caixa... o Machado de Assis também foi superligado com a Caixa. Aí com esse livro eu caí nesse mercado institucional, e os caras começaram a me convidar cada vez mais. E com isso criei uma editora, a Buenas Ideias, com o meu irmão, Fernando, e a Ana Adams. E a gente fez 23 livros.
E aquela obra incompleta sobre Bob Dylan guardada na sua casa, ainda pode virar livro?
Ela está guardada, mas essa obra era ligada ao Victor Maymudes (o ex-motorista que trabalhou por três décadas com Bob Dylan), que morou na minha casa e contou tudo. Eu tenho as fitas originais e as transcrições, mas eu deixei uma cópia nos Estados Unidos. Como ele morreu, agora o filho dele está lançando um livro com essas fitas, sem ter falado nada para mim. Então é um assunto encerrado. Mas o Bob Dylan me proporcionou tantas coisas que não vou entrar no mérito. Todos os livros que eu escrevi foram muito por causa dele, ouvindo ele. Tem uma rádio chamada Dylan Radio, que toca Bob Dylan 24 horas por dia, 365 dias por ano. Minha secretária nunca reclamou de nada, mas um dia entrou na minha sala e disse: "Eu trabalho aqui há sete anos e há sete anos o Bob Dylan canta todos os dias. E eu queria saber se um dia, um só dia, a gente poderia ouvir alguma outra coisa!"
E ela conseguiu?
Claro que não! Podia ter pedido qualquer coisa, menos em relação ao Grêmio e ao
Bob Dylan!
Outra polêmica em que você se envolveu foi o processo movido pelo ex-árbitro Carlos Eugênio Simon, em que você e a Ediouro acabaram condenados a pagar uma indenização de R$ 88 mil por injúrias no livro Grêmio - Nada Pode ser Maior. Em sua sentença, a juíza disse que entendia que um torcedor pudesse chamar o juiz de ladrão no campo, mas que eternizar isso em livro era diferente... O que você responderia para ela?
Ah, eu nunca li, nem jamais leria, sentença proferida por juiz! O estilo purgativo não me seduz... Mas escrevi um livro sobre os primórdios do Judiciário no Brasil, e que, não por acaso, trata também das origens da corrupção no país. Chama-se A Coroa, a Cruz e a Espada. Recomendo aos excelentíssimos juízes que o leiam. É óbvio que não se pode generalizar, mas a nossa queridíssima Eliane Calmon deixou bem claro que existe uma banda podre, e bem larga, no judiciário. Então, prefiro passar ao largo de qualquer coisa que envolva, oh céus, tribunais, desembargadores e juízes. Juiz de futebol, então, nem se fala... No caso de Simon, para mim sempre foi um medíocre como apitador. O recado que quero enviar é que ele acha, como andou alardeando, que arrancou dinheiro de mim.... Ocorre que quem pagou tudo foi a editora.
E está confirmada a adaptação de seu livro A Coroa, a Cruz e a Espada para o cinema?
O Walter Salles já comprou os direitos autorais. Ele é obcecado com a história do Bispo Sardinha, aquele bispo que foi comido pelos índios, que aparece neste livro. Eu já fiz o argumento para o filme, 40 páginas, e o projeto está inscrito para captação de recursos. Neste mês deve começar pré-produção e roteiro, eu só vou colaborar. Aliás, eu considero esse meu melhor livro. Muitas pessoas não conhecem, porque saiu bem depois dos outros da coleção Terra Brasilis.
E qual vai ser a próxima polêmica?
Bom, o programa Extraordinários está voltando. O programa é muito maior do que isso, mas se a polêmica voltar, estou pronto para ela.
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