No início de agosto, Marina Silva era considerada um peso morto na campanha de Eduardo Campos. Não tinha conseguido transferir seu patrimônio eleitoral para o cabeça de chapa e ainda atrapalhava as negociações feitas por Campos em quase metade dos Estados brasileiros, por discordar das posições políticas dos aliados.
Para piorar, dificultava o trânsito dele em setores vitais da economia, como o agronegócio. Com a morte de Campos, Marina chega ao fim de agosto como um fenômeno nas pesquisas, empatada com Dilma Rousseff e à frente de Aécio Neves no primeiro turno. No segundo turno, venceria a petista.
De coadjuvante de uma campanha que não conseguia chegar a dois dígitos se transformou em protagonista da disputa, quebrando a polarização PT-PSDB, inaugurada em 1994 e mantida nas quatro eleições seguintes.
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Como as redes sociais vão interferir na próxima eleição?
Ao passar de patinho feio a cisne, Marina subverteu a lógica eleitoral vigente nas últimas eleições. E derrubou os esteios que sustentavam, no imaginário da classe política, a estrutura de uma candidatura com chances de ganhar a eleição: partido forte, marqueteiro famoso, tempo de rádio e TV, experiência administrativa aprovada e dinheiro para financiar a campanha. O alicerce de sua candidatura é feito de outro material: comoção pela morte trágica do companheiro de chapa, carisma, distanciamento dos partidos políticos tradicionais e imagem de honestidade.
Marina não tem afinidade com o PSB que a hospeda, vetou a palavra "partido" quando tentou criar a Rede Sustentabilidade, o dinheiro ainda é escasso (tende a jorrar com a ascensão nas pesquisas), seu tempo de rádio e TV é minúsculo (2min03seg) comparado ao de Aécio (4min35seg) e insignificante perto do de Dilma (11min24seg). O programa de TV é pouco mais do que uma produção caseira. Para completar, a única experiência administrativa dela é a de ministra do Meio Ambiente de Lula, uma gestão controversa, marcada por críticas de que era um entrave ao desenvolvimento do país pelo radicalismo em defesa do meio ambiente.
Como explicar, então, a liderança de Marina nas pesquisas, que os adversários torcem para não passar de uma bolha? Há pelo menos sete motivos que explicam o resultado das sondagens até aqui:
1. Comoção pela morte de Eduardo Campos
Em geral, a morte melhora a biografia de qualquer pessoa. Quando se trata de um jovem de família conhecida, pai de cinco filhos e político bem-sucedido, com velório e enterro transmitidos pela TV, a comoção aumenta. Herdeira da candidatura, Marina foi beneficiada pela superexposição e pela proximidade com a viúva e os filhos de Campos. É essa a principal explicação do PSDB para a explosão nas pesquisas.
2. Herança dos protestos de junho
Pesquisas feitas em 2013 mostravam que Marina era uma das poucas figuras do mundo político que tinham conseguido passar incólumes pelos protestos que levaram multidões às ruas naquele inverno. A popularidade da presidente Dilma Rousseff despencou, os partidos eram rechaçados pelos manifestantes e a hashtag #naomerepresenta era aplicada aos políticos em geral. A extrema esquerda, representada por PSOL, PSTU, PCB e PCO achou que podia capturar essa insatisfação e transformá-la em votos. Seus candidatos nunca saíram da casa de 1%. Até a entrada de Marina, a soma dos indecisos e dos que pretendiam votar nulo ou em branco estava na faixa de 24%. Hoje, caiu para 7%, segundo o último Datafolha. Ela herdou os índices de Campos, tirou votos dos adversários e atraiu parte desse contingente de insatisfeitos.
3. Desgaste dos partidos políticos
Ao analisar os protestos de 2013, o governador Tarso Genro concluiu que eles atestavam a falência do sistema partidário atual e confirmavam o que chamou de "crise da representação". A receita de Tarso era a aposta na democracia direta e na reforma política. A adesão à candidatura de Marina, que não conseguiu formar a sua Rede a tempo de concorrer, indica que o governador tinha razão: o eleitor de Marina dá sinais de que não se importa com partidos. Sua escolha é pessoal.
4. Guerra PT-PSDB enfraquece Dilma e Aécio
Os vinte anos de guerra entre PT e PSDB produziram um clima de animosidade que contaminou a campanha e desceu a níveis alarmantes no submundo da internet. Os dois partidos gastam mais energia para desqualificar o adversário do que para apregoar as virtudes dos seus candidatos. Resultado: parte dos eleitores acaba se convencendo de que Dilma e Aécio não merecem seu voto e identificam em Marina uma opção descontaminada. Repete-se o fenômeno que deu a vitória a Germano Rigotto (PMDB) na eleição para o governo do Rio Grande do Sul em 2002, quando Antônio Britto (PPS) e Tarso Genro (PT) se atacaram tanto que acabaram abrindo caminho para a terceira via.
5. Efeito dos mensalões do PT e do PSDB
A condenação dos líderes petistas envolvidos no escândalo do mensalão e o processo que envolve o PSDB de Minas Gerais em um esquema do gênero, com a troca recíproca de acusações, favorece Marina, que não tem ligação com nenhum dos dois. Marina cultiva a imagem de mulher ética, religiosa e simples, que não se envolveu com financiamento irregular de campanha. As falcatruas que envolvem o pagamento do jatinho que caiu matando Eduardo Campos não bateram na conta de Marina, embora ela tenha viajado no avião, quando era vice. Como não tratava das questões operacionais da campanha, a denúncia de uso de empresas fantasmas no pagamento do avião e os indícios de crime eleitoral não colaram nela.
6. Aval de pessoas de credibilidade
O escudo de Marina para se proteger das acusações dos adversários de que é inexperiente e concorre com um partido sem quadros suficientes para compor um governo é o aval de pessoas como o senador Pedro Simon, que abraçou a candidatura dela com mais empolgação do que a sua própria. Dias antes da confirmação de Beto Albuquerque como vice, Simon dizia que a candidatura só seria viável com um vice do Sudeste, já que são paulistas os vices de Dilma e Aécio.
- Uma chapa com a Marina do Acre e o Beto do Rio Grande do Sul é uma piada.
Confirmada a candidatura de Beto, Simon mudou de ideia e se transformou no principal padrinho da dupla no Rio Grande do Sul. Com o discurso de que vai governar "com as melhores cabeças" e que essas pessoas estão nas universidades e em outros partidos, Marina tenta se vacinar contra a acusação de que não tem como formar um ministério de qualidade. Ela cita pessoas como Pedro Simon, Eduardo Suplicy e José Serra para dizer que, se eleita, vai formar um governo de coalizão, sem precisar ceder a pressões de partidos aliados.
7. Um vice de outra banda
As divergências de posição com Beto Albuquerque, apontadas como sinal de que o discurso da "nova política" não combina com a prática, é usado pro Marina para abrir caminho em setores resistentes a ela, como o agronegócio. Beto recebeu doações de campanha da indústria de armas, o que Marina não aceita. Na entrevista ao Jornal Nacional, ela chegou a dizer que nunca foi contra os transgênicos, o que não é verdade. A proximidade com Neca Setúbal, herdeira do Banco Itaú, e com Guilherme Leal, dono da Natura, serve como credencial para melhorar o trânsito no meio eleitoral, embora deixe um flanco aberto para as críticas de que é mais uma contradição entre o discurso da "política diferente" e a prática da "velha política".