Em meio à paisagem de uma escola pública degradada pelo tempo, emerge um museu de dar inveja. Lá, os curadores são os próprios alunos - uma estratégia lúdica para reduzir os índices de evasão no Ensino Médio. O mentor é o professor Guy Barros Barcellos, 27 anos, formado em Biologia. Ele estimula uma postura questionadora dos estudantes, desafiando-os a, juntos, construírem o museu de ciências no Instituto Estadual de Educação Paulo da Gama, em Porto Alegre.
Quando for inaugurado, no início de 2015, serão mais de dois anos de trabalho. Por enquanto, as peças produzidas pelos estudantes de 1º ano do Ensino Médio são resguardadas em uma sala de cortinas azuis, armários e classes bem cuidadas. Microscópios, maquetes e cartazes formam o reduto da curiosidade de adolescentes instigados a pensar sem medo de errar.
- Claro que eu corrijo, explico, mas os deixo soltos para criar o próprio pensamento. Meu objetivo é que saibam fazer pesquisas - disse Guy.
Veja galeria de imagens do museu no Paulo da Gama
Os jovens são cobaias do livro Manual de Implantação de Museus Escolares, lançado pela ediPUCRS, em 2013, de autoria do próprio Guy, que ingressou na escola em novembro de 2012.
- Antes, eu não me interessava em vir na aula - conta Wagner Nogueira, 17 anos.
- O meu pavor é isso. É que eles vão embora da escola. O primeiro ano é o mais crítico - comenta Guy.
Enquanto Peterson de Abreu e Gustavo Teixeira, ambos de 15 anos, montavam um boneco do corpo humano escolhido entre os livros didáticos, Lucas Oliveira, 17, olhava para o aquário que acabara de montar.
- Estou louco para ver os peixes se reproduzindo - descreve Lucas.
A paixão que fez com que o professor chegasse à escola já com uma coleção de 500 fósseis, alguns com milhões de anos, vem de berço. Ele é filho do museólogo e oceanólogo Lauro Barcellos e cresceu visitando museus. Sobre o tema, já ministrou oficinas em Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina.
O lugar que abriga também projetos dos alunos de 2013, com fósseis inspirados no filme Jurassic Park, e reprodução do sistema solar e esqueletos produzidos pelas turmas deste ano, ficou minúsculo. Em breve, os exemplares ganharão redomas e serão exibidos pelos corredores da escola - apenas o começo de um desejo de tornar curadores todos os alunos que passam pela instituição.
ETAPAS PARA FORMAR UM ALUNO-CURADOR EM TRÊS TRIMESTRES
1) Primeiro, ocorre a familiarização com os assuntos, com pesquisas. Palestras também são importantes. Neste ano, a escola recebeu a visita do criador do Globo Ecologia, Claudio Savaget, e do diretor do complexo de museus da Furg, Lauro Barcellos.
2) A segunda fase é de explicação e compreensão por meio da prática dos projetos, em que o professor vai sanando as dúvidas conforme a demanda.
3) Nos últimos três meses, os alunos apresentam o trabalho na Mostra Científica Cultural do Ensino Médio Politécnico, que, neste ano, ocorre em novembro.
DICAS PARA INSPIRAR
Montar um museu é demorado. O professor Guy Barcellos levará mais de dois anos até inaugurá-lo, o que só deve ocorrer no início de 2015. Veja dicas para fazer o mesmo.
- É importante que o professor inicie uma coleção de objetos, contendo fósseis, rochas, plantas para estimular a criatividade dos alunos.
- Maquetes, esqueletos, aquários, sistema solar ou mesmo cartazes com os resultados das experiências são catalogados e armazenados para o lançamento do museu.
- Todo o acervo produzido deve ser guardado em uma sala.
- Mesmo que não haja um ambiente específico para a exposição, o material pode ser disposto nos corredores, em redomas de acrílico ou vidro, por exemplo, estimulando o interesse da comunidade escolar.
- Antes de virar peça de museu, os trabalhos passam pelo crivo de especialistas de diversas áreas que escrevem uma carta de estímulo sobre o projeto dos grupos, elogiando e sugerindo melhorias.
- Mesmo sendo feito nas aulas de Ciências, o museu pode englobar outras áreas do conhecimento, partindo sempre do interesse dos alunos, que são divididos em grupos.
- Mais importante do que construir um museu é ensinar a pesquisar.
O processo também estimula o professor a investigar.
- Conhecer outros museus é importante. Os alunos visitaram o de Ciência e Tecnologia da PUCRS, o de Paleontologia da UFRGS e os da Universidade Federal de Rio Grande.
TODO ASSUNTO É VÁLIDO
A maior parte da ementa da disciplina é elaborada a partir dos anseios dos alunos, tendo os seus projetos como ponto de partida. Veja exemplos estudados este ano
- Grandes ditadores da história
- Poluição, uma ameaça aos animais marinhos
- Processos industriais de maquiagem
- Ciência e religião
- O universo: as origens
- Buracos negros
- Serpentes do Rio Grande do Sul
- Animais que vivem nas cavernas (morcegos)
- Homofobia, casamento gay e feminismo
- Aquários
- Plantas medicinais
- Surf: a ciência por trás do esporte