
As mais de 2 mil páginas do inquérito policial da morte de Bernardo Uglione Boldrini, entregues na tarde desta terça-feira no Foro de Três Passos, sustentam que o pai, o médico Leandro Boldrini, foi o mentor do assassinato junto com a madrasta Graciele Ugulini. Segundo a polícia, eles queriam matar o garoto há algum tempo e contaram com a ajuda da assistente social Edelvania Wirganovicz.
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O trio teria atuado na ocultação do cadáver da vítima. Os detalhes foram divulgados em uma entrevista coletiva, aberta pelo Chefe da Polícia Civil, Guilherme Wondracek, que elogiou o trabalho de investigação:
- As provas colhidas são robustas. Há indícios suficientes para incriminar os três.
O quebra-cabeça do homicídio começou a ser montado com as imagens de um posto de combustíveis de Frederico Westphalen no dia 4 de abril, pouco antes de Bernardo desaparecer. A partir disso, os agentes interrogaram a assistente social que, sensibilizada, confessou o crime em detalhes e afirmou ter se sentido usada por Keli -como é chamada a madrasta -, que a procurou dois meses antes para tramar o assassinato. A madrasta, conforme o delegado Marion Volino, aparentou desde o começo estar feliz com o sumiço do enteado:
- Era visível a tranquilidade e até uma certa felicidade, em tese, pelo desaparecimento.
Com base em mais de cem depoimentos, a polícia teve certeza da péssima relação existente na casa de Bernardo. O casal, por outro lado, induzia a um cenário diferente, o que levantou mais suspeitas sobre a participação de Leandro na premeditação do crime.
- Graciele iniciou um contato com Edelvania em fevereiro. Alguns dias antes, ela havia ido à cidade de Redentora e conversado com uma amiga, e lá colocou que Leandro queria matar Bernardo e que ela também queria - frisou Volino.
As duas teriam passado, então, a organizar a logística do assassinato, planejando o que deveriam ter em mãos, como abrir a cova e de que forma induziriam o garoto à morte. A tática utilizada foi a saída de casa para a suposta compra de um aquário, um forte desejo de Bernardo. Um quarto suspeito, Evandro Wirganovicz - irmão de Edelvania -, ainda é investigado e segue preso temporariamente. O Ministério Público deu parecer favorável ao pedido de prisão preventiva para a madrasta, o pai e a assistente social.
>> A inclusão de Boldrini no crime
Para relacionar Leandro Boldrini à arquitetura do homicídio, a polícia explicou que Edelvania comprou o sedativo Midazolam com receita fornecida pelo médico. A assinatura, porém, depende de conclusão pericial. Além disso, gravações telefônicas - que ainda são mantidas em sigilo - indicaram que teria ocorrido um acerto entre os advogados dos suspeitos, após as prisões deles, para que Leandro fosse livrado da culpa.
As contradições no comportamento do cirurgião, que nunca se importou com o filho e demonstrou preocupação anormal nos dias anteriores à morte, conforme depoimentos, convenceram a polícia de que o casal havia armado um plano para apresentar à sociedade e às autoridades.
- O medicamento (Midazolam) saiu da sala de endoscopia onde ele trabalhava. Naquele dia 4 de abril, eles bajularam o Bernardo. Aquele clima de tranquilidade era anormal. Familiares comentam nas ligações que o mentor foi Leandro. Ele sabia, como apuramos em telefonemas, que o guri não veio sentado no banco de trás do carro na tarde da morte - explicou a delegada Caroline Bamberg Machado, que conduziu as investigações.
Questionada diversas vezes sobre a falta de uma prova material concreta contra Boldrini, ela salientou estar tranquila e convicta do seu trabalho.
>> Confira como os delegados apontaram a participação de cada um:
- Leandro Boldrini: teria atuado no crime e na ocultação do cadáver como mentor, junto da mulher. Teria auxiliado na compra de Midazolam fornecendo receita azul, além de planejar a história para ficar impune.
- Graciele Ugulini: seria uma das mentoras, com o marido. Também teria atuado no crime e na ocultação do cadáver.
- Edelvânia Wirganovicz: seria uma das executoras do homicídio e teria ocultado o cadáver.
A Polícia Civil apontou quatro qualificadoras para o crime: paga ou promessa de recompensa (Edelvânia teria recebido dinheiro para colaborar), motivo fútil (o homicídio teria sido cometido por desarmonia no relacionamento familiar), meio insidioso (aplicação de uma injeção letal) e dissimulação que impossibilitou defesa da vítima (para realização do crime, casal teria informado que vítima buscaria um aquário).
Caso sejam condenados por esses crimes, as penas podem variar de 12 a 30 anos de reclusão por homicídio qualificado (com acréscimo a ser estabelecido por conta das agravantes) e de um a três anos por ocultação de cadáver.
>> Contrapontos
O que diz Jader Marques, advogado de Leandro Boldrini:
"Desde o início estou à espera de um elemento concreto, de uma evidência concreta que possa identificar a participação do meu cliente, a ciência dele em relação a esses fatos. Eu saio dessa entrevista com a redobrada convicção, mais firme ainda que já tinha, de que houve uma divulgação prematura da convicção da autoridade policial. São indícios tão fracos, são impressões subjetivas da autoridade."
Sobre o suposto acordo entre as defesas, Jader Marques afirmou: "É algo lamentável, porque na véspera da entrevista coletiva, houve o vazamento dessa informação de maneira criminosa. O mais interessante é o seguinte: vamos incriminar Leandro porque as defesas conversaram. Eu vou tomar o cuidado de revelar essas escutas a toda a população. Eu busco o contato com os demais advogados e a minha questão é muito simples: as clientes de vocês vão confessar o crime? Vão falar a verdade ou não? Como vocês pretendem orientar o cliente de vocês a respeito desse fato? Nós todos sabemos, ninguém é ingênuo a ponto de negar, que o advogado conversa com o seu cliente e muitas vezes diz que não é o melhor momento para falar."
Zero Hora busca contato com os advogados das outras duas indiciadas.
>> Relembre o caso
Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, desapareceu no dia 4 de abril, uma sexta-feira, em Três Passos, município do Noroeste. De acordo com o pai, o médico cirurgião Leandro Boldrini, 38 anos, ele teria ido à tarde para a cidade de Frederico Westphalen com a madrasta, Graciele Ugulini, 36 anos, para comprar uma TV.
De volta a Três Passos, o menino teria dito que passaria o final de semana na casa de um amigo. Como no domingo ele não retornou, o pai acionou a polícia. Boldrini chegou a contatar uma rádio local para anunciar o desaparecimento. Cartazes com fotos de Bernardo foram espalhados pela cidade, por Santa Maria e Passo Fundo.
Na noite de segunda-feira, dia 14, o corpo do menino foi encontrado no interior de Frederico Westphalen dentro de um saco plástico e enterrado às margens do Rio Mico, na localidade de Linha São Francisco, interior do município.
Segundo a Polícia Civil, Bernardo foi dopado antes de ser morto com uma injeção letal no dia 4. Seu corpo foi velado em Santa Maria e sepultado na mesma cidade. No dia 14, foram presos o médico Leandro Boldrini - que tem uma clínica particular em Três Passos e atua no hospital do município -, a madrasta e uma terceira pessoa, identificada como Edelvânia Wirganovicz, 40 anos, que colaborou com a identificação do corpo.