"Mataram a mulher", diz um dos espectadores do linchamento de Fabiane Maria de Jesus, 33 anos. Naquele momento, a dona de casa ainda estava viva - mas, na segunda-feira, a profecia se concretizou. A mulher teve a vida arrancada após ser confundida com o retrato falado de uma sequestradora de crianças para rituais de magia negra, que teria sido divulgado em uma página do Facebook, o Guarujá Alerta. Ainda em choque com a notícia que ganhou repercussão nacional, familiares e autoridades tentam entender: como um boato virtual se transformou em uma tragédia da vida real?
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Para Alex Primo, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o problema mora na rapidez imposta pelas redes sociais, onde nada é conferido e tudo é compartilhado.
- Como a velocidade acaba sendo uma moeda e tendo um valor econômico nesse meio, quanto mais se compartilha, mais você se torna uma referência, e as pessoas acabam confiando demais em tudo aquilo que é compartilhado. O que acontece é que, quando um boato é compartilhado muitas vezes, ele ganha a máxima de verdade. Assim como diz o ditado: uma mentira contada mil vezes se torna verdade - avalia Primo.
Conforme informações da GloboNews, o retrato falado atribuído a Fabiane havia sido feito por policiais em agosto de 2012, quando uma mulher foi acusada de tentar roubar um bebê na zona norte do Rio de Janeiro. A crença na veracidade do fato, segundo o professor da UFRGS, está ancorada no autor da divulgação da informação. Assim, um jornal ou uma página reconhecida pelos moradores da região ganha ainda mais credibilidade.
- A página já tinha uma credibilidade porque ela é abastecida pelos próprios moradores. O risco disso é o rumor ter consequências reais, e o plano do virtual se tornar real. A informação acaba tendo consequências fortes e rápidas com a velocidade imposta pelo dia a dia, que leva as pessoas a tomarem atitudes irracionais e adotar comportamentos selvagens - diz Primo.
Rodrigo de Azevedo, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e coordenador do Programa de Pós-gradução em Ciências Sociais da universidade, ressalta que a prática de linchamento não chega a ser uma novidade no Brasil. Neste caso, o fato novo está na contribuição das redes sociais no conflito:
- A desconfiança das pessoas com o Estado tem aumentado em função da incapacidade do próprio Estado de resolver problemas que são históricos, desde a baixa taxa de apuração de crimes até uma insatisfação mais generalizada com os órgãos de polícia. Esse sentimento acirra os ânimos por produzir o anseio por justiça e a sensação de impunidade. O elemento extra nesse caso é a internet. As redes sociais ampliam a disseminação de boatos, que antes ficavam isolados, e as pessoas acabam se revoltando por situações que nem sempre correspondem à verdade.
Corpo de Fabiane foi enterrado nesta terça-feira
Foto: Arquivo pessoal
O corpo de Fabiane foi enterrado na manhã desta terça-feira em um cemitério do bairro Morrinhos - onde a mulher morava e, também, o local da sua morte. Em entrevista à Agência Brasil, o advogado da família, Airton Sinto, disse que a tragédia deve gerar o debate sobre punições mais severas para quem contribuir para atos criminosos por meio do uso da internet.
- Fabiane morreu em virtude, principalmente, da leviandade do administrador da página (Guarujá Alerta) que disseminou falsos boatos e alarmou toda a comunidade de Morrinhos. É necessário aprovar legislação específica para casos de utilização da rede social de forma irresponsável que causem dano efetivo à integridade física ou à vida de alguém - disse Sinto.
Alex Primo alerta que, de acordo com o marco civil da internet, aprovado em abril pela presidente Dilma Rousseff, a pessoa que se sentiu lesada pode processar o autor da mensagem, mas não o meio (no caso, o Facebook). Está marcado para a tarde desta terça-feira o depoimento do responsável pelo Guarujá Alerta à Polícia Civil do 1º Distrito Policial do município. Ontem, o administrador da página postou: "Em breve enviaremos uma nota aos seguidores. Por ora, estamos colaborando com as investigações. Sendo assim, não nos manifestaremos sobre esse assunto para não atrapalharmos o trabalho da polícia". No dia 3 de maio, a página informou que havia recebido fotos de uma mulher morta que se trataria da suposta sequestradora de crianças. Pouco tempo depois, divulgou: "Em nenhum momento nossa equipe publicou foto ou sequer nota afirmando que fosse verídico o fato de uma sequestradora de crianças".
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Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, teria sido confundida com retrato falado de suposta sequestradora de crianças
Débora Ely
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