Passados dois anos do incêndio que destruiu a Estação Antártica Comandante Ferraz e matou dois militares, em 25 de fevereiro de 2012, a ciência vive seu melhor momento em mais de três décadas de Programa Antártico (Proantar).
Os pesquisadores dispõem de dois navios, novos financiamentos para estudos e convivem com a expectativa da construção de uma nova e moderna base até março de 2016. Da tragédia, a ciência ressurgiu mais forte em meio ao gelo.
A insegurança sobre o futuro da presença nacional na região austral, causada após a estação erguida em 1984 ser consumida pelo fogo, ficou no passado, asseguram Marinha e comunidade científica. Se no verão passado as pesquisas ficaram concentradas em navios e refúgios, a 32ª edição da Operação Antártica (Operantar) funcionou a pleno, com apoio a 25 projetos, incluindo a volta dos estudos na área da estação queimada.
Veterana em missões na Antártica, a química Rosalinda Montone, da Universidade de São Paulo (USP), recorda as três décadas do Proantar, criado em 1982. Após o começo com prioridade mais militar do que científica - a fim de garantir presença no continente - e de enfrentar dificuldades financeiras nos anos 1990, o programa está em ascensão desde a virada do milênio.
- Ganhamos um novo navio (Almirante Maximiano), o programa aumentou o número de pesquisadores, há verba para os estudos. Estamos numa fase boa - avalia.
Rosalinda está entre os pesquisadores que puderam voltar no último mês a Ferraz. A casa brasileira no gelo fica na Península Keller, área da Ilha Rei George, localizada na região peninsular da Antártica, porta de entrada para o continente branco.
O regresso da ciência ao lar foi a grande novidade da Operantar 32. Devido ao incêndio, em 2013, a Marinha teve de isolar a área para retirada das estruturas queimadas. Foram mobilizados cinco navios para remoção de 900 toneladas de escombros, o que distribuiu cientistas brasileiros por refúgios e bases de outros países.
No ano passado, a Marinha também montou ao lado do espaço destruído os módulos emergenciais, espécie de base provisória, estreada por militares e pesquisadores no verão que se encerrou - um grupo de 15 militares vai passar o inverno no local.
Com atividades em Keller, o Proantar desfrutou de sua estrutura completa. Utilizou os navios Ary Rongel e Almirante Maximiano, este vocacionado à pesquisa, realizou estudos na Ilha Rei George, distribuiu pesquisadores em refúgios montados em diferentes áreas da Antártica e coletou dados no interior do continente a partir do módulo Criosfera 1, distante 2,5 mil quilômetros de Ferraz - no final do ano o país lançara o Criosfera 2.
- O programa ampliou sua abrangência geográfica, avançando para dentro do continente e nos mares. Hoje, apenas 20% das pesquisas estão em Ferraz - explica o glaciólogo Jefferson Simões, diretor do Centro Polar e Climático da UFRGS.
O otimismo de Simões é justificado. Em 2013, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) selecionou 20 projetos, que serão financiados por R$ 13,8 milhões nos próximos anos. Os pesquisadores também criaram um novo plano de ação para ciência antártica, que balizará as atividades no continente até 2022.
Elaborado pela comunidade científica, o plano prioriza a cooperação com outros países e tenta aproximar os estudos com a realidade vivida na América do Sul. Como a Antártica é berçário de frentes frias que atingem o Brasil, um dos desafios é aprimorar a precisão das previsões meteorológicas, ponto importante para um país produtor de grãos.
- O desafio é ampliar a relevância da ciência que o Brasil desenvolve na Antártica - aponta Simões.