Ninguém escapa da onda selfie - estrangeirismo recente para o bom e velho autorretrato. Nem mesmo o presidente da nação mais poderosa da atualidade. Nesta semana, ganhou o mundo a imagem que mostrava o presidente Barack Obama e os primeiros-ministros David Cameron, do Reino Unido, e Helle Thorning-Schmidt, da Dinamarca, tirando uma selfie no funeral do líder sul-africano Nelson Mandela.
A prática, que começou no século 19 - tão logo a fotografia foi inventada -, ganhou tanto destaque em 2013 que entrou para o Dicionário Oxford e foi escolhida, em novembro, a palavra do ano. E, agora, o fenômeno começa a ser analisado sob um viés acadêmico.
No país de Helle Thorning-Schmidt, o pesquisador Bent Fausing, professor da Universidade de Copenhague, dedica-se ao tema. Recentemente, publicou um artigo no qual conceitua a selfie dentro de seu projeto de pesquisa com foco na "sociedade da tela".
- Na nossa era digital, esses rápidos autorretratos são numerosos e florescentes, e não são só o espelho ou o braço erguido que caracterizam as selfies como um gênero, mas também como uma estética particular. O selfie é sobre reflexão, identidade e reconhecimento - seres humanos querem controlar a forma como eles são vistos - escreve ele.
A prática é adotada por famosos e anônimos. A designer de moda Carolina Vaz ganhou a primeira câmera aos 11 anos. Com o presente dado pelo pai, fotógrafo amador, passou a registrar e analisar sua própria imagem ainda na infância. Suas selfies são a tônica no álbum de fotos do Facebook: a mudança na cor do cabelo, o esmalte novo nas unhas, as brincadeiras diante das lentes e as imagens com pinta de modelo, ao estilo garota pin-up. Com a experiência de quase 10 anos fazendo autorretratos, ela rebate as críticas que relacionam esse tipo de foto à vaidade e ao narcisismo, e diz que esta é uma prática muito comum em toda a sociedade:
- Todo mundo tira selfie, mas nem todo mundo publica. Pode ser por ter um pouco de vergonha, ou por não confiar tanto na sua imagem para publicar. A pessoa não precisa nem ser bonita, mas, se ela for confiante e passar isso numa foto, é o que importa.
Moda já gerou outra prática, o "unselfie"
A moda do selfie gerou uma segunda onda de autorretratos, a do "unselfie". A ideia é, em vez de a pessoa postar uma imagem de si própria, escrever em papel uma boa ação que tenha feito, e tirar uma foto com a folha cobrindo o rosto - o que não deixa de mostrar uma dose de vaidade.
Mas é possível, sim, olhar o próximo e a si mesmo. O pesquisador Luiz Moreno Guimarães, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, explica que, na psicanálise, pode-se ser narcisista e altruísta ao mesmo tempo. O que se opõe ao narcisismo não é o altruísmo, mas sim o estranhamento.
E para quem acha que narcisista é aquele vaidoso que vive se autopromovendo nas redes sociais, Guimarães ressalta um aspecto que pode ser novidade para muitos: os sentimentos que estariam mais próximos do narcisismo são a vergonha de si mesmo e, principalmente, a inveja.
Para ele, o fenômeno das selfies não é algo que acometa aqueles mais ávidos pela fama ou por se tornarem celebridades, mas, sim, uma prática diretamente relacionada à facilidade de se tirar esse tipo de retrato, proporcionada pela era dos smartphones, e pela agilidade de se divulgar as imagens pelas redes sociais. Essa onda estaria, então, mais ligada ao instrumento do que ao próprio sujeito.
- Isso não é algo propriamente patológico de cada pessoa. É próprio do dispositivo criado. O próprio mecanismo induz a um certo exibicionismo. O selfie explodiu com as redes sociais. É como se a sociedade de certa forma já estivesse esperando por isso. Foi um encaixe perfeito, como são os encaixes narcísicos.
Eu, eu mesmo e minha lente
Do selfie ao unselfie: a prática do autorretrato nas redes sociais
Verbete entrou para o Dicionário Oxford e foi eleito, em novembro, a palavra do ano
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