Já pensou uma cidade em que as informações via internet sejam disponibilizadas na palma da sua mão com internet rápida e gratuita em qualquer lugar? Este cenário, que já deixou de ser virtual para moradores de cidades como Seul, na Coreia do Sul, por exemplo, ainda navega em ritmo lento no Brasil. Apenas 14,3% das cidades do país oferecem cobertura wi-fi aos seus habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os obstáculos enfrentados pelo município gaúcho de Lagoa dos Três Cantos, vencedor de uma concorrência com 600 cidades em 2011 e que tem a ambição de atingir 100% de conectividade gratuita (leia na página ao lado), expressa a dificuldades de atingir o patamar de uma verdadeira "cibercidade" .
Como destaca o pesquisador André Lemos, da Universidade Federal da Bahia, o termo refere-se a espaços urbanos repletos de informações para download, compartilhamento e acesso a qualquer hora. No livro Cidade Digital, o autor explica que o objetivo não é a desconstruir velhas formas urbanas, mas sim criar ambientes que envolvam o indivíduo em plena mobilidade, interligando máquinas, pessoas e equipamentos urbanos. Além da capital sul-coreana, Barcelona (Espanha), Londres (Grã-Bretanha) e Nova York (EUA) já estão nesse caminho.
Na prática, as cibercidades são centros urbanos com internet disponível gratuitamente e uso massivo de tecnologias móveis de comunicação, destaca a jornalista e doutoranda em comunicação pela PUCRS Sandra Henriques. Outro aspecto é a digitalização dos serviços públicos, e a produção de conteúdo dirigido para os cidadãos que frequentam prédios históricos e pontos turísticos, por exemplo.
O uso em larga escala de tecnologias móveis pela população deixa as cidades ainda mais conectadas ao mundo digital. O advento de tablets e smartphones e abriu o caminho para que gestores públicos ampliem e estreitem as relações com a população. No Gabinete Digital do Estado, a principal ferramenta serve para o monitoramento colaborativo dos projetos executados pelo governo. Informações que antes eram restritas, explica Luiz Damasceno, coordenador do projeto, tornam-se compartilháveis. Na Capital, o ponto alto é o uso das redes sociais pela prefeitura e os sinais de wi-fi em parques e pontos turísticos.
- A cidade oferece formas de acesso à tecnologia e muda a perspectiva do cidadão. As pessoas mostram que querem um envolvimento mais concreto com a cidade - afirma Thiago Ribeiro, coordenador #POAdigital.
Professor de comunicação digital da PUCRS, Eduardo Pellanda explica que é necessário observar a diferença entre Cidade Digital e Smart Cities. Enquanto a primeira contempla ações mais em larga escala como o wi-fi livre, no segundo caso, a questão é mais ampla:
- Smart city é uma cidade que tem um sistema de sensores (como poluição, trânsito e ruídos) e uma central de computação que processa estes dados e ajuda nos alertas para gestores e população. Elas podem fazer algumas coisas automáticas como reprogramar as sinaleiras, por exemplo.
Mas velhos problemas de um mundo analógico, como a burocracia, travam o acesso ao mundo digital. Em Lagoa dos Três Cantos, a liberação da verba que seria usada na ampliação da rede sem fio na cidade atrasou. Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia, em 2012 o órgão encaminhou consulta ao Tribunal de Contas da União sobre convênios para a implantação de projetos de inclusão digital no município. Durante esse processo, todos os repasses foram suspensos. Logo depois, o ministério teve que respeitar o período eleitoral. O dinheiro só chegou há poucos meses.
Avanço em marcha lenta
Há dois anos, Lagoa dos Três Cantos, município de 1,6 mil habitantes no norte gaúcho, surpreendeu ao ficar em primeiro lugar em um edital do Ministério da Ciência e Tecnologia. A verba conquistada serviria para tirar do papel um projeto ambicioso, o de conectar 100% da cidade.
Passados 10 meses do prazo previsto para a conclusão do Digitallagune - ou Lagoa dos Três Cantos Digital-, apenas a área urbana e uma localidade rural têm banda larga, o que representa pouco mais da metade do município. Os R$ 297,5 mil previstos pelo governo federal, que seriam usados na primeira fase do projeto, chegaram ao cofre do município somente em abril.
Dos 90 quilômetros de fibra ótica prometidos para conectar toda a cidade, apenas 23,3% foram instalados no ano passado. Três torres com wi-fi gratuito estão em operação. Toda a rede pública, incluindo escolas, postos de saúde, prefeitura, entre outros órgãos, têm banda larga sem custo. O valor investido é estimado em R$ 200 mil.
A meta do Digitallagune também era consolidar o município como Capital Nacional do Teletrabalho, atraindo empresas com escritórios digitais, em que o trabalho pudesse ser feito à distância. No entanto, há poucas empresas instaladas com esse perfil.
Aos 22 anos, a professora Letícia Pimentel Trindade comemora os avanços tecnológicos. Ela usa o wi-fi tanto para trabalho quanto para o lazer. Mas acredita que o serviço já foi melhor:
- Na antena em frente à minha casa, não consigo usar. Até ano passado, a internet funcionava o dia todo, agora às 18h ela é desligada.
Além de 100% do município conectado, o Digitallagune prometia internet a preços acessíveis aos moradores. A empresa vencedora da licitação oferece quatro planos de internet que variam conforme a capacidade oferecida. No entanto, embora o pacote mais barato custe R$ 34,90 (velocidade de 1 Mb), a franquia fixada em 500 Mb é considerado muito reduzida.