Pérolas da arquitetura barroca enfeitam a cidade; músicos animam o público com apresentações eletrizantes que refletem o status de Salvador como um dos lugares mais importantes para a cultura popular brasileira; prédios de apartamento luxuosos têm vista para um porto maravilhoso; o parque industrial nos arredores da cidade possui fábricas de última geração abertas pela Ford e por outras empresas multinacionais.
Salvador, a maior cidade do nordeste do Brasil, uma região que ainda apresenta um ritmo de crescimento impressionante apesar da desaceleração econômica do país, deveria estar mais tranquila. Porém, o crescimento rápido da cidade está produzindo outro resultado. Ao invés de celebrar a cidade, como os habitantes de Salvador sempre fizeram - o escritor Jorge Amado já descreveu essa cidade sossegada como um lugar de 'eterna beleza' - muitas pessoas daqui estão ficando cada vez mais revoltadas a respeito dela.
Servindo de advertência para outras cidades do mundo em desenvolvimento, a crescente prosperidade de Salvador visível nos shopping centers, nas igrejas gigantescas e em condomínios fechados superprotegidos coexistem ao lado de uma realidade mais obscura. Um crescimento rápido no número de crimes violentos transformou Salvador na capital brasileira dos homicídios. Além disso, os motoristas encaram um dos trânsitos mais caóticos e violentos da América do Sul; sem contar os ressentimentos gerados pela transformação dos bairros elegantes à beira-mar em áreas assoladas por crimes e repletas de edifícios abandonados que mais se parecem com ruínas.
- Nossos líderes políticos são tão medíocres que é até difícil entender - , afirmou o escritor e historiador, Antonio Risério, que escreveu sobre as origens de Salvador como a primeira capital do Brasil entre 1549 e 1763, e como berço da cultura afro-brasileira. - Não somos uma cidade falida, mas somos um lugar onde a classe média vive amedrontada - , acrescentou Risério, um dos maiores críticos das mudanças recentes em Salvador.
Atualmente, ocorrem mais homicídios em Salvador do que em qualquer outra metrópole brasileira, incluindo a megacidade de São Paulo, que é quatro vezes maior. A falta de segurança se tornou tão grave e surreal que muitas vítimas de assassinato deste ano estão sendo decapitadas, como no caso de um corpo encontrado em uma estrada que leva ao aeroporto; ou linchadas, como no caso de um suspeito de estupro que foi encurralado em uma favela conhecida como Bairro da Paz.
Embora a desigualdade persista, o crescimento da renda e do acesso ao crédito ajudou a dobrar a frota de automóveis de Salvador durante a última década, chegando a mais de 750.000. Porém, os projetos de construção de rodovias estão parados ou nunca saíram do papel e certas áreas de Salvador ainda estão repletas de ruas e vielas de paralelepípedos coloniais, o que ajuda a aumentar a violência no trânsito.
Esta cidade de 2,9 milhões de habitantes (a região metropolitana conta com quase 5 milhões de pessoas) ficou chocada em outubro com uma briga de trânsito em Ondina, um dos bairros residenciais mais exclusivos de Salvador, quando câmeras de vigilância registraram uma oftalmologista de 45 anos em uma SUV atropelando dois irmãos em uma moto e esmagando-os até a morte na grade de um hotel.
O colapso do transporte público, simbolizado pelo gasto excessivo em um metrô que nunca funcionou realmente, ajuda a complicar os desafios de mobilidade em Salvador. Empresas brasileiras de construção começaram a construir pilares gigantescos de concreto reforçado, projetados para trens de passageiros importados da Ásia em 1997.
As autoridades brasileiras gastaram milhões de dólares em dinheiro público com o projeto e auditores revelaram que o orçamento foi excedido diversas vezes, mas a obra nunca ficou pronta. Dezesseis anos depois, representantes do governo finalmente disseram em outubro que gastariam mais 600 milhões para retomar as obras, mas só depois da Copa do Mundo de 2014, quando outras cidades brasileiras pretendem mostrar novos sistemas de transporte público.
Com tanta confusão, algumas pessoas em Salvador tentam afastar as críticas dizendo que outras cidades no nordeste brasileiro, incluindo Maceió e João Pessoa, têm taxas de homicídios per capita muito mais altas. Além disso, as ofertas culturais de Salvador continuam a ser sublimes e apropriadas para uma cidade que ajudou a dar fama a alguns dos maiores cineastas, cantores e compositores do Brasil, como Caetano Veloso.
Contudo, muitos lamentam as comparações com Recife, outra cidade da região que é a base política de Eduardo Campos, um dos candidatos para as eleições presidenciais do ano que vem, e possui uma cena cultural agitada, que produziu "O Som ao Redor", um filme aclamado pela crítica, que foi escolhido para representar o Brasil na competição pelo Oscar de melhor filme estrangeiro.
As dificuldades de Salvador começam a afetar a indústria local do turismo, que já foi vibrante. Na Barra, uma área de litoral onde os surfistas pegam ondas em praias banhadas de sol, o dono italiano de um pequeno hotel foi espancado até a morte no fim de 2010. Em outubro, um turista brasileiro de 15 anos foi morto no centro velho da cidade por uma bala perdida, durante um tiroteio.
Nem mesmo o Pelourinho, o bairro colonial repleto de igrejas enfeitadas e monumentos históricos, está imune. A área, revitalizada nas últimas décadas, ainda atrai visitantes. No entanto, enquanto uma unidade especial da polícia tenta prevenir roubos e assaltos, é comum ver adolescentes vestidos com trapos fumando crack em plena luz do dia em algumas áreas do Pelourinho.
Abalados por essas cenas distópicas ao lado de bolsões de riqueza, os cidadãos começam a traçar estratégias para impedir o declínio da cidade. Antônio Carlos Magalhães Neto, o prefeito e líder de uma importante dinastia política nem pisca ao ser questionado se Salvador se tornou uma "cidade falida", conforme dizem alguns de seus habitantes.
- Estamos em meio a um processo de recuperação dessa situação - , afirmou o prefeito de 34 anos em uma entrevista.
Desde que assumiu o cargo este ano, afirmou Neto, ele colocou em ação medidas emergenciais para aumentar o faturamento municipal, aumentando o IPTU e contratando a empresa de consultoria McKinsey & Co. para encontrar formas de melhorar a eficiência da burocracia municipal. Ele coloca boa parte da culpa pelos problemas de Salvador em seu predecessor, João Henrique Carneiro, cujo índice de aprovação havia despencado para menos de 10 por cento quando deixou o posto após oito anos.
O governo do estado da Bahia também foi criticado, especialmente por seus esforços no combate ao crime. Robinson Almeida, porta-voz do governador Jacques Wagner, afirmou que o crescimento da prosperidade em Salvador, a capital do estado, havia acentuado alguns problemas, já que mais pessoas podiam comprar drogas ilegais.
- Estamos sofrendo com um aumento drástico do consumo de crack - , afirmou Almeida, citando a presença constante da droga e estimando que mais da metade dos homicídios em Salvador envolvem disputas ligadas a drogas. Em algumas das favelas mais perigosas de Salvador, novos programas de policiamento haviam começado a diminuir os índices de homicídios, afirmou.
Ainda assim, um passeio durante uma tarde de outubro por um conglomerado de favelas, a Nordeste de Amaralina, onde, segundo Almeida, as autoridades aumentaram o policiamento, a natureza complexa da polícia de combate ao crime se tornou aparente.
Embora a Nordeste de Amaralina tenha uma "base de segurança comunitária", conforme os novos postos avançados da polícia são conhecidos, um adolescente de armas nas mãos se aproximou do repórter o do fotógrafo, perguntando por que estavam entrevistando os moradores e tirando fotos da comunidade.
O guia do jornalista, Paulo César Barreto, de 44 anos, acalmou o menino, explicando que o plano era o de conversar com parentes de vítimas de homicídio em Nordeste de Amaralina. Então, ele mostrou aos visitantes o local onde seu irmão, o porteiro Gilson Barreto, de 33 anos, foi assassinado em 2008; não por criminosos, mas pela polícia.
- Depois que o mataram, a polícia roubou sua carteira de identidade e seu dinheiro - , afirmou Barreto, cuja família entrou com uma ação contra a polícia pela morte do irmão. Investigadores afirmam que a polícia plantou uma arma na vítima e forjou um testemunho de que ele havia disparado contra os policiais.
No mesmo bairro, em 2010, Joel da Conceição Castro, um menino de 10 anos, foi alvejado na cabeça pela polícia em uma operação descrita por eles como uma ação contra traficantes de drogas. Antes de ser assassinado, Joel, havia estrelado um comercial promovendo o turismo em Salvador.
Bahia
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