O Ministério da Justiça afirmou que vai pedir a suspensão da demarcação de uma área indígena no norte do Estado, segundo lideranças da Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Brasil). A promessa foi feita a produtores rurais de Sananduva e Cacique Doble, após um protesto do grupo em Brasília.
Cerca de 110 famílias temem perder 152 propriedades rurais devido à demarcação, que estava prevista para ocorrer no dia 11 de novembro. ­A área que os índios reivindicam é de 1,9 mil hectares, onde residem agricultores com propriedades de 12 hectares em média. Os indígenas lutam para criar a terra Tim Passo Grande do Rio Forquilha, onde pretendem assentar 264 índios, de 71 famílias.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciou o estudo preliminar da área em Sananduva e Cacique Doble em 2005 e concluiu o documento em 2009. Dois anos depois, em 2011, o ministro da Justiça assinou a portaria que declarou a área como terra indígena. Os agricultores, que têm escrituras das terras com mais de cem anos, contestam na Justiça a portaria declaratória.
A proximidade da data prevista para a demarcação motivou protestos de agricultores. Na quarta-feira, cerca de 200 produtores rurais bloquearam a ERS-126, rodovia que liga Sananduva a São João da Urtiga, das 7h às 16h30min. A estrada era liberada a cada 30 minutos. Em Passo Fundo, das 7h às 10h, outro grupo de agricultores protestou em frente à sede da Funai e impediu a passagem de funcionários.
Em Brasília, representantes dos produtores rurais também realizaram um protesto. No início da manhã, eles bloquearam a entrada no prédio do Ministério da Justiça e só liberaram a passagem após marcar uma audiência com o ministro José Eduardo Cardozo, que ocorreu à tarde.
Conforme Celso Ludwig, coordenador de polícia agrícola da Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Brasil), representantes de seis áreas em conflito agrário no sul do país - duas no Estado e quatro em Santa Catarina - integraram o grupo de agricultores que esteve em Brasília. Eles reivindicaram maior atenção aos conflitos agrários na região, onde as terras em disputa envolvem agricultores familiares e não grandes produtores como em outras regiões do país.
Segundo ele, o governo prometeu criar uma mesa de diálogo para discutir estes conflitos no Sul. Cada caso deve ser discutido com mediação do Ministério da Justiça e participação da Funai, dos índios, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e dos agricultores. Ludwig ainda relata que a demarcação da área em Sananduva e Cacique Doble deverá ser suspensa, segundo a promessa do governo, até que a discussão seja feita.
O agricultor reconheceu a criação da mesa como um avanço para a categoria, que teme ter de deixar as terras recebendo apenas uma indenização pelas benfeitorias, que representam 40% do valor das propriedades:
- Sabemos que uma parte sairá derrotada da disputa pela terra, mas queremos que os perdedores tenham uma garantia de serem assentados em outro local, sejam índios ou agricultores. Estamos lutando para permanecer nas nossas terras, mas se tivermos que sair, queremos ter para onde ir - afirma Ludwig.
O coordenador da Funai em Passo Fundo, Roberto Perin, afirmou que ainda não recebeu nenhuma comunicação da suspensão. Procurada para confirmar a promessa do ministro aos agricultores, a assessoria de imprensa do Ministério da Justiça não respondeu ao pedido do jornal até o momento.
Entenda do caso:
- Cerca de 110 famílias de agricultores de Sananduva e Cacique Doble, no norte do Estado, temem perder 152 propriedades devido a demarcação de terras indígenas nos municípios.
- ­Os índios reivindicam 1,9 mil hectares, onde residem e trabalham agricultores familiares, com propriedades de 12 hectares em média. Eles pretendem assentar no local 264 índios, de 71 famílias.
- A Fundação Nacional do Índio (Funai) iniciou o estudo preliminar da área em Sananduva e Cacique Doble em 2005 e concluiu o documento em 2009.
- Em 2011, o Ministro da Justiça assinou a portaria que declarou a área como terra indígena.
- Os agricultores, que têm escrituras com mais de cem anos, contestaram na Justiça a portaria declaratória.
- No início de julho, um grupo de 50 índios invadiu uma propriedade na Comunidade São Caetano e acirrou o conflito agrário no município.
- Uma semana depois, um protesto dos agricultores, com o bloqueio das estradas que ligam o Centro de Sananduva com a comunidade de São Caetano, terminou em uma briga generalizada entre índios e agricultores. O conflito, que teve tiroteio e pedradas, deixou pelo menos quatro pessoas feridas. Três agricultores e um indígena tiveram de ser encaminhados ao hospital.
O conflito agrário no Estado:
- Em todo o Estado, os indígenas reivindicam 100 mil hectares em novas áreas e ampliações de propriedades já delimitadas - o equivalente ao dobro do tamanho de Porto Alegre. Segundo a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar da Região Sul do Brasil (Fetraf-Sul), isso representaria o desalojamento de pelo menos 10 mil famílias de agricultores.
- As novas áreas e ampliações praticamente dobrariam as terras indígenas já regularizadas ou em regulamentação, contabilizadas em 108 mil hectares. No total, somariam mais de quatro vezes a dimensão da Capital.
- O Rio Grande do Sul é o Estado que apresenta o maior número de áreas indígenas sujeitas a conflito no país, conforme um levantamento do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O relatório demonstra que 17 dos 96 territórios classificados como em situação de risco ou conflito estão localizados em solo gaúcho, o que representa 17,7% do total nacional.