O livre acesso dos promotores ao programa Consultas Integradas, da Secretaria da Segurança Pública (SSP), onde estão presentes os dados e histórico de cada cidadão, está na mira dos advogados e defensores públicos. Chamado de "invasão de privacidade" pela defesa dos réus, o acesso às informações pessoais, permitido por um convênio entre os órgãos, é usado para selecionar jurados.
Qualquer envolvimento com o crime, por menor que seja, exclui a possibilidade da pessoa avaliar em um júri se o acusado é ou não culpado, afirma o subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do Ministério Público (MP-RS), Marcelo Dornelles. Em um julgamento, acusação e defesa têm direito a três recusas de jurados.
Para conseguir dados que consideram importantes para a investigação ou para o processo, promotores acessam o Consultas Integradas dos próprios computadores, por meio de senhas. Segundo Dornelles e a SSP, o acesso não é ilegal e faz parte de um convênio firmado em 2006 entre os órgãos.
- O Ministério Público é uma instituição do Estado, temos de ter informações gerais para tudo, somos um órgão público. Os nossos acessos são auditados, o promotor só vai entrar nos casos concretos, com uma finalidade - afirma o subprocurador-geral.
O problema, conforme advogados e defensores públicos, é que esse convênio, conhecido recentemente pela Associação dos Criminalistas do Rio Grande do Sul (Acriergs), privilegia os promotores na hora de recusar os jurados, pois ficam sabendo de detalhes aos quais eles não têm acesso. Para o presidente da Acriergs, César Peres, a intimidade do jurado tem de ser preservada.
- Nós não queremos esse acesso - comenta.
Apesar de não ser ocultado pelos promotores e pelo governo estadual, o acordo que permite que o MP tenha senhas próprias para a pesquisa de históricos dos cidadãos, como registros policiais, só foi abertamente reconhecido pela Defensoria Pública no começo do mês.
- Desconfiávamos de algumas recusas de jurados no momento do júri e agora foi confirmado que eles (promotores) fazem esta investigação prévia. A Defensoria Pública é contrária a esta forma de investigação da vida dos jurados, porque são cidadãos que são pesquisados sem sequer ter conhecimento disso - diz a chefe de gabinete da Defensoria Pública do Estado, Miriane Tagliari.
No entanto, já que a pesquisa ocorre, Miriane acredita que ela deveria ser apresentada também à defesa dos réus. Da mesma ideia compartilha Luciana Genro, que atuando como advogada abriu a discussão sobre o acesso dos promotores ao Consultas Integradas. Em um caso de homicídio no qual faz a defesa, o MP solicitou, segundo ela, a exclusão de jurados com a ficha deles no Consultas Integradas anexada ao pedido.
- Se tenho informações privilegiadas sobre a vida dos jurados, fico em uma posição muito mais confortável para fazer esta escolha. Com a ficha, o MP sabe se a pessoa tem algum parente preso, se tem alguma ocorrência policial como vítima ou autor. Eu, como defesa, só sei o nome e a profissão do jurado - explica Luciana.
Associação quer rever júris
Após tomar conhecimento da prática dos promotores, Luciana ingressou com um mandado de segurança no processo do homicídio, em que alega que o acesso do MP ao Consultas Integradas fere o direito a ampla defesa e da igualdade jurídica. O agravo será julgado na segunda-feira.
Enquanto isso, César Peres, recomenda que os advogados não participem das sessões do júri e diz que a Acriergs vai entrar com ações de revisão criminal e habeas corpus nos júris que foram feitos desde que há o convênio.
-Vamos tentar anular os júris. As pessoas foram condenadas injustamente - alega.
Conforme o presidente do Conselho de Comunicação do TJ-RS, desembargador Túlio Martins, tanto promotores quanto advogados e defensores públicos podem solicitar aos juízes as informações dos jurados. Ele explica que o TJ tem um procedimento padrão na seleção dos jurados. São verificados no sistema de informática interno todos dados criminais que a pessoa tem no Estado. Porém, há uma limitação para os dados nacionais, que demanda o requerimento de informações do Consultas Integradas. Segundo o desembargador, o acordo entre o MP e a SSP não pode ser visto como ilegal se usado para a finalidade da investigação ou de um processo em andamento.
COMO FUNCIONA
Entenda como ocorre a permissão da Secretaria da Segurança Pública (SSP-RS) para que promotores acessem o Consultas Integradas
Quem acessa direto o sistema?
São servidores de 32 instituições, como Ministério Público, Judiciário, Polícia Civil, Brigada Militar e Polícia Federal.
Como os promotores têm acesso?
Por meio de um convênio, são fornecidas senhas. O Ministério Público distribui aos promotores.
Há um controle sobre as pesquisas?
A SSP tem controle sobre todos os acessos do programa Consultas Integradas. A pessoa que tem sua senha, liberada de acordo com seu cargo e necessidade funcional, só poderá acessar o que o perfil permitir e esta ação fica registrada no banco de dados. Há servidores que fiscalizam os acessos dos demais. São os auditores, que podem verificar de qual computador foi feita a consulta, quem pesquisou, o que e quando.
Fonte: Secretaria da Segurança Pública (SSP-RS)
REPERCUSSÕES
"Não se pode permitir que os advogados de réus, de bandidos, tenham acesso aberto como nós temos"
Marcelo Dornelles, subprocurador-geral de Justiça para Assuntos Institucionais do MP-RS
"Se o convênio está permitindo isso, então vão ter que permitir para a defesa também"
Luciana Genro, advogada
"O Ministério Público formata o júri ao seu gosto"
César Peres, presidente da Acriergs
"Prejudica a defesa, pois quebra a igualdade entre defesa e acusação"
Miriane Tagliari, chefe de gabinete da Defensoria Pública do Estado
"Se existe necessidade, pode acessar"
Túlio Martins, desembargador presidente do Conselho de Comunicação do TJ-RS